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A vez do imposto solidário
Pedido de super-ricos para serem taxados esquenta debate sobre tributação de fortunas
Pedido de super-ricos para serem taxados esquenta debate sobre tributação de fortunas
Apesar de o rendimento médio dos brasileiros ter caído substancialmente nos últimos dois anos, o Brasil ocupa a 9ª posição entre as 20 nações com maior número de pessoas com mais de 1 bilhão de dólares — Imagem: freepik

A tributação de grandes fortunas entrou, mais uma vez, no radar do mercado, graças a uma carta aberta apresentada recentemente durante encontro do Fórum Econômico Mundial. Nela, mais de cem milionários e bilionários americanos — entre eles, algumas das pessoas mais ricas do mundo — pediam para que suas riquezas sejam taxadas. O que poderia ser apenas o retorno pontual de uma discussão antiga promete gerar polêmica no Brasil ao longo de 2022. O movimento ocorre enquanto candidatos à eleição presidencial ensaiam seus planos de governo e reforça a pauta de uma taxação maior sobre lucros e dividendos no País.

O assunto estava dormente por aqui desde julho do último ano, quando uma proposta de tributação sobre patrimônios acima de 4,67 milhões de reais foi apresentada ao Congresso Nacional pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O PLP 101/2021 propõe a cobrança de uma alíquota de 0,5% a 5% sobre o patrimônio do contribuinte, para aliviar os efeitos da pandemia. Atualmente, também tramita no Congresso outra proposta de tributação sobre a renda e o patrimônio. Trata-se da Emenda Substitutiva Global 178/2019, inspirada em estudos da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) para a condução de uma reforma tributária justa e solidária. O interesse pelo tema não é fortuito. Apesar de o rendimento médio dos brasileiros ter caído substancialmente nos últimos dois anos, o País ocupa a 9ª posição entre as 20 nações com maior número de pessoas com mais de 1 bilhão de dólares, segundo a agência de dados Statista.

Resposta à Covid-19

Em relatório, a Oxfam, organização da sociedade civil voltada ao combate às desigualdades sociais, destaca um dado surpreendente: a cada 26 horas, um novo bilionário surgiu no mundo entre março de 2020 e novembro de 2021. Nesse mesmo período, a renda de 99% da população mundial retraiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. “Enormes quantias de verbas públicas injetadas em nossas economias inflaram drasticamente os preços das ações, que, por sua vez, engordaram as contas bancárias dos bilionários mais do que nunca”, critica a Oxfam no relatório. Segundo a entidade, os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas entre março de 2020 e novembro de 2021, passando a acumular 1,5 trilhão de dólares.

A escalada da desigualdade, que já ostentava níveis preocupantes antes da pandemia, é apontada pelo grupo de super-ricos como principal razão para levar a tributação de fortunas ao debate no Fórum Econômico Mundial. Autointitulados “Milionários Patriotas”, eles destacam que, em 2021, mais de 130 países concordaram em estipular uma alíquota mínima global de impostos para multinacionais, dificultando assim suas estratégias para escapar de tributos. Porém, pouquíssimas nações criaram programas focados na taxação de pessoas físicas abastadas.

A Argentina é um dos países que, no ano passado, adotou uma cobrança extraordinária de tributos sobre fortunas, a fim de captar recursos para combater a crise de Covid-19. As alíquotas progressivas — de até 3,5% sobre os bens declarados na Argentina e de até 5,25% sobre os que estiverem fora do país — vêm sendo aplicadas sobre fortunas superiores a 2,2 milhões de dólares. De acordo com o governo argentino, até dezembro passado, a medida gerou uma receita de 2,4 bilhões de dólares aos cofres públicos. “O valor foi fundamental para enfrentar os gastos decorrentes do impacto da segunda onda da pandemia e para impulsionar a recuperação econômica com ações de inclusão social”, destaca o Ministério da Economia em relatório.

Outras nações apresentaram planos similares, mas que acabaram não sendo aprovados. No Reino Unido, por exemplo, o grupo Wealth Tax Commission, formado por acadêmicos da London School of Economics e da Universidade de Warwick, sugeriu, em dezembro de 2020, a cobrança do chamado “imposto de recuperação da Covid-19”. A proposta defendia a aplicação de uma alíquota de 5% sobre o patrimônio líquido pessoal que ultrapassasse 500 mil libras. A taxa vigoraria durante cinco anos e teria um recorte amplo: incluiria no cálculo imóveis, planos de previdência, empresas e ativos financeiros. Segundo os acadêmicos, a cobrança recairia sobre um a cada seis britânicos, o que geraria uma captação de 260 bilhões de libras durante o período de vigência do plano. Na Bélgica, o próprio governo enviou ao Parlamento, no início de 2020, um projeto intitulado “imposto solidário”, que seria cobrado de quem possuísse patrimônio acima de 1 milhão de euros. A iniciativa, entretanto, não saiu do papel.

Para além da crise de Covid-19, Djaffar Shalchi, fundador do movimento Millionaires for Humanity, ressalta que a instituição de um imposto sobre fortunas poderia financiar ações em massa para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A ONU calcula que serão necessários de 2 a 3 trilhões de dólares em investimentos adicionais para o cumprimento dessas metas, valor que poderia ser arrecadado com a aplicação de uma alíquota de 1% sobre a fortuna de milionários, segundo relatório do Credit Suisse.

Cobrança ineficiente?

Após os super-ricos apresentarem a carta no Fórum Econômico Mundial, um porta-voz da organização declarou, em entrevista à Reuters, que o pagamento de uma parcela justa de impostos é um dos princípios da organização, assim como a defesa à taxação de grandes riquezas. A cobrança de impostos sobre fortunas, entretanto, está longe de ser uma unanimidade.

Na Europa, países que adotavam essa taxação voltaram atrás após considerá-la cara e ineficiente. Itália, Irlanda, Áustria, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Islândia, Finlândia e Suécia fazem parte do rol de nações que abandonaram a cobrança. A França, antes considerada referência no assunto, desistiu em 2018 de tributar riqueza líquida e restringiu a base do cálculo a imóveis. Um estudo feito em 2009 indicou que o imposto havia provocado uma fuga de capitais do país ao longo de duas décadas no valor de 200 bilhões de euros.

A constatação vai ao encontro de um outro estudo, realizado por pesquisadores da Romênia. Ele elenca possíveis motivos que levaram países europeus a descartarem a taxação de fortunas. Entre as principais razões estão o desincentivo ao investimento estrangeiro, distorções na alocação de recursos, bitributação e subavaliação de imóveis.

Discussão iminente

No Brasil, o tema da tributação de fortunas deve ser amplamente discutido nos próximos meses: economistas ligados a alguns dos pré-candidatos à presidência defendem a criação da medida. É o caso do economista Guilherme Mello, ligado ao PT. Segundo ele, tributos sobre patrimônio e lucros estão “sobre a mesa” nas discussões do partido, que tem Luiz Inácio Lula da Silva como candidato à presidência. Cabe lembrar que o PT defende há anos a adoção de uma taxa sobre grandes fortunas. Em 2019, a sigla formulou uma proposta de reforma tributária que previa uma alíquota de 0,45% sobre patrimônios líquidos superiores a oito mil vezes o limite de isenção do imposto de renda (o que seria equivalente a 15 milhões de reais).

A taxação de fortunas também é defendida por Ciro Gomes desde a campanha eleitoral de 2018. Recentemente, o pedetista propôs que alíquotas de 0,5% a 1,5% fossem aplicadas sobre patrimônios de mais de 20 milhões de reais, o que poderia resultar numa arrecadação de cerca de 50 bilhões de reais para o governo. Proponente à reeleição, Bolsonaro (PL) ainda não se posicionou sobre o assunto. Já João Doria, candidato do PSDB, declarou ser contrário ao imposto.

Segundo estudo realizado pela Reforma Tributária Solidária, um projeto desenvolvido pela Fenafisco e pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Anfip), a tributação sobre grandes fortunas no País poderia arrecadar mais de 37 bilhões de reais em apenas um ano. Combinado com outras ações para impulsionar a progressividade do sistema tributário brasileiro, o valor poderia chegar a 292 bilhões de reais anualmente. Uma cifra que, se bem utilizada, certamente ajudaria milhões de brasileiros em situação de miséria e impulsionaria a economia.

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