Não é segredo que o crescente universo de investimentos sustentáveis convive com uma crônica falta de padrões para dados. As informações ainda são escassas e, quando publicadas, nem sempre são confiáveis ou passíveis de comparação. Apesar de algumas boas iniciativas — como a padronização de critérios recentemente lançada pelo Fórum Econômico Mundial —, a análise ESG (que inclui aspectos ambientais, sociais e de governança) ainda envolve dificuldades quanto a bons conteúdos, que mostrem a realidade por trás de discursos de marketing. Nada mais lógico, então, do que buscar diálogo por outras vias — como organizações sem fins lucrativos experientes no assunto. Ao menos é o que sugere o comportamento dos investidores estrangeiros.
Há pelo menos cinco anos, alguns grandes fundos e assets internacionais interessados em sustentabilidade têm consultado a estrategista sênior do Greenpeace, Adriana Charoux, sobre a atuação de empresas que a organização vêm acompanhando de perto no Brasil. “Nosso trabalho de investigação nos coloca como fonte de orientação estratégica para esses investidores, principalmente na falta de bases de dados padronizadas nessa área”, afirma Charoux.
Os investidores brasileiros, no entanto, parecem ainda não ter descoberto o potencial da expertise do Greenpeace. “Não posso ser leviana em dizer que o investidor nacional é desengajado, mas não deixa de ser interessante observar que esse contato conosco vem exclusivamente de fora do País”, observa.
Para discutir esse cenário, a estrategista participou na última quinta-feira, dia 15 de outubro, do encontro “ESG e Ativismo”, conduzido por Ana Siqueira, colunista da CAPITAL ABERTO e fundadora da Artha Educação. “Os investidores têm o dever de cobrar as empresas e monitorar os avanços alcançados. Eles têm o poder para fazer isso por deterem o capital. E contar com o conhecimento do Greenpeace na área ambiental é uma ferramenta muito importante”, argumenta Siqueira.
Como o Greenpeace investiga as companhias
O objetivo principal do Greenpeace, segundo a própria ong, é fazer com que as empresas assumam compromissos e tomem atitudes para eliminar, ou ao menos minimizar, os impactos negativos causados pelas suas operações. A organização ainda não fez campanhas globais para engajar e pressionar investidores, mas isso já acontece pontualmente em alguns países com tradição de ativismo no mercado financeiro, como Suíça, Noruega e Inglaterra.
Mas o mercado de capitais pode se inspirar nos métodos de investigação da ong para fazer suas próprias análises. O processo de atuação do Greenpeace, aliás, se assemelha ao trabalho feito por analistas, principalmente na fase da investigação. Estão na base das diligências visitas a campo, conversas com funcionários, fornecedores, consumidores e moradores da região em que determinada empresa opera, trabalhos científicos e o cruzamento de uma série de dados públicos e privados (alguns comprados, outros obtidos por parcerias). No fim das contas, esse conteúdo reunido ajuda na mensuração do impacto da atividade corporativa.
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Pressionando empresas e suas cadeias
A segunda fase da atuação da ong pode ser explicada com um exemplo: o relatório “A farra do boi na Amazônia”, de 2009, uma das pesquisas de maior repercussão da organização. Depois de ao menos dois anos de investigação, o Greenpeace conseguiu identificar que grandes frigoríficos, como JBS, Marfrig e Minerva, estavam comprando insumos diretamente de propriedades envolvidas com invasões de terras indígenas e unidades de conservação da região norte, trabalho escravo e desmatamento.
A partir dessa descoberta, os ativistas passaram a pressionar os grandes clientes dessas empresas, tanto no mercado interno quanto no externo, de forma que os frigoríficos fizessem uma mudança estratégica em sua maneira de produção. No Brasil, a ação resultou em compromissos assumidos por dois dos maiores grupos varejistas de alimentos, GPA e Carrefour. “Admitimos que a implementação das metas assumidas ainda não está 100% como gostaríamos, mas a ação resultou em um compromisso efetivo por parte das duas empresas”, afirma Charoux.
Conexões do Greenpeace com o mercado
Traçando um paralelo com o mercado de capitais, as atitudes de pressão sobre as empresas se assemelham ao conceito de stewardship, que representa a forma como os investidores institucionais (fundos de pensão, fundos de investimentos e family offices) atuam junto às empresas investidas. “Esses grandes investidores têm dever fiduciário em relação aos proprietários dos ativos. Por isso, precisam estar extremamente atentos às empresas em que estão investindo. É necessário saber se elas estão atuando dentro das leis, quais as externalidades das suas operações, como a cadeia de suprimento opera, além de fazer um trabalho de engajamento com as companhias para mudar o que estiver errado”, detalha Siqueira.
A representante do Greenpeace complementa dizendo que essa responsabilidade é ainda maior quando se trata de fundos de pensão. “Os investidores estão colocando recursos nesses veículos para gerar bem-estar no futuro. Se o gestor não estiver atento à alocação do capital, esses mesmos investimentos acabam financiando um modelo de negócio insustentável que piora a qualidade de vida das pessoas”, explica.
Contradições nas divulgações sustentáveis
Outra lição que os analistas podem tirar do ativismo é a atenção às contradições. Um bom exemplo é a própria JBS, maior processadora mundial de proteína animal e um dos principais alvos de atuação do Greenpeace no Brasil. Como resposta às queimadas na Amazônia e às crescentes pressões de investidores e consumidores para preservação do bioma, a JBS lançou em setembro o “Juntos pela Amazônia”, que prevê a criação de um fundo para investir no desenvolvimento sustentável da região.
A empresa anunciou que começará o programa com um aporte de 250 milhões de reais e se comprometeu a igualar as doações feitas por terceiros até que o aporte da companhia atinja 500 milhões de reais. Charoux observa, no entanto, que os escândalos de corrupção da empresa movimentaram muito mais dinheiro que suas ações de filantropia. “Primeiro que a JBS já havia se comprometido com a Amazônia dez anos atrás, então esse movimento não passa de uma renovação de um compromisso ainda não cumprido. Além disso, no escândalo de corrupção da Operação Carne Fraca, a JBS destinou 1,3 bilhão de reais em propinas. A conclusão é que dá, sim, pra doar mais. As empresas têm de abrir a carteira porque a mudança precisa acontecer mais rápido”, conclui.
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