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Os vários estilos de um gestor de recursos
Conhecimento, trabalho árduo e disciplina são indispensáveis nessa profissão
Ilustração de Alexandre Póvoa

Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor” | Ilustração: Julia Padula

Quando era criança, me fizeram a inevitável pergunta: o que você quer ser quando crescer? A resposta imediata foi parecida com a de muitos garotos, com o sonho da carreira de jogador de futebol. E por razões óbvias ao olhar infantil, já que essa atividade tem emoção, mistura técnica e arte, exige “matar um leão por dia” para se alcançar o sucesso, não tem rotina. Em resumo, doses de adrenalina misturadas a uma necessidade de conhecimento profundo das regras do jogo, o que se adquire com o tempo e com a experiência. Não é que virei gestor de recursos, profissão que, curiosamente, envolve todos esses aspectos?

Um pouco mais tarde, já trabalhando na área, me questionaram como cresceria na carreira. Ingenuamente respondi que era necessária, em primeiro lugar, muita inteligência. Erro crasso de principiante.

Individualização da figura do gestor

Os investidores normalmente associam a figura do gestor de recursos a alguém com dotes especiais, capaz de dominar os diversos mercados e de transformar problemas em ouro. No Brasil, pelo fato de o mercado não ser tão sofisticado, não existe muito a espécie de idolatria à figura do gestor pessoa física tão comum nos Estados Unidos. São raros os compatriotas exaltados como Warren Buffett, Peter Lynch ou George Soros.

Com poucas exceções — que confirmam a regra —, o investidor brasileiro em geral não acompanha o gestor se eventualmente ele se transferir para outra instituição; até porque a tradição e a cultura de investimentos é ainda embrionária no País. Ultimamente, no entanto, com a queda da taxa de juros e com a entrada da classe média no mundo dos investimentos, a figura do gestor no mercado local vem se individualizando na cabeça do investidor.

Ser gestor no Brasil (e nos mercados emergentes) exige a dispensa de dogmas.

Outra pergunta que ouvi na minha jornada foi sobre minha “escola” de gestão. A não ser em nichos muito específicos, o gestor brasileiro que quiser obter sucesso tem que ser um pouco camaleão — quiçá um frankenstein em suas estratégias, que variam de acordo com a época.

Pergunta complementar: o que alguém precisa aprender para tornar-se um gestor de recursos. Respondo que os grandes talentos costumam aflorar quando o despertador toca mais cedo, quando os olhos optam por ler por mais cinco minutos, quando dá tempo para mais uma pergunta, a alguém ou a si mesmo, antes de encerrar o dia. Observo, ainda, que há três macroformas principais de se operar no mercado.

Perfil fundamentalista

O posicionamento fundamentalista se configura quando existe uma tendência clara no movimento de um ativo conforme o processo de valuation e faz-se confortável elaborar posições maiores, chamadas direcionais. O Ibovespa está caro? O mercado futuro de juros está exageradamente pessimista? O dólar encontra-se em patamar atrativo? Pois é, quando essas perguntas (comuns para quem gosta desse estilo) têm uma resposta rápida, é sinal de que o gestor está seguro em fazer e carregar uma posição direcional, na qual ele acredita que existirá a confirmação de uma tendência.

Em bolsa, existem alguns principais subtipos de gestores de posicionamento, como aqueles que acreditam em valor (ações mais tradicionais que estão “baratas” do ponto de vista de qualquer modelo de precificação) e em crescimento (papéis nos quais o catalisador de preços é o potencial crescimento de lucros).

Long short/arbitragem

No chamado mercado long short/arbitragem, o gestor procura ativos que estejam com os preços teoricamente distorcidos. No mercado de bolsa realiza-se essa operação quando aparentemente dois papéis — por exemplo, ON e PN de uma mesma empresa — estão com cotações incompatíveis com o fundamento ou com algum histórico estatístico. Podem também ser montadas posições intrassetoriais e interssetoriais baseadas em fundamento. Nesse caso, normalmente vende-se um ativo (após aluguel) e compra-se outro (subavaliado na visão do gestor).

Na curva de juros, pode-se fazer essa operação quando um vértice de DI futuro se encontra aparentemente “defasado” (para cima ou para baixo) em relação a outro (operação de curva, que se confunde também com uma posição fundamentalista). Já na arbitragem, compra-se um ativo A que ofereça o mesmo fluxo de caixa do ativo B na situação em que estejam com preços diferentes. Essas operações são muito comuns com o uso do mercado de derivativos. As operações long short/arbitragem independem da direção do mercado, já que as distorções tendem a se corrigir em qualquer situação.

Estilo trading

O terceiro estilo mais comum é o de trading, de giro rápido de posições (durante o dia ou atrelado um evento previsto). O gestor determina pontos claros de entrada e saída do mercado e opera com total disciplina, realizando ganhos ou zerando perdas quando esses limites forem atingidos.

Existem outros estilos de gestão menos comuns no Brasil como os baseados 100% em análise gráfica ou em métodos quantitativos — linha, por sinal, em franco crescimento.

Por que, então, não escolher um estilo e ir em frente na carreira de gestor em mercados emergentes? A questão de fluxo de capitais, nesses mercados que têm um volume muito pequeno perto dos movimentos mundiais, pode ser absolutamente decisiva. Por exemplo, em anos em que é relativamente clara a tendência de alta do Ibovespa, queda nos juros e valorização do real, a preferência pelo mercado de posicionamento parece dada. Será que, em fundos multimercados, valeria a pena ficar concentrando energia em fazer giros curtos ou posições long short/arbitragem? Não que sejam operações excludentes, mas devem ocupar um espaço menor no portfólio.

Em anos adirecionais, como parece ser 2021 até agora no Ibovespa, quem aposta somente em uma tendência terá dificuldade para alcançar bons retornos. Nesse caso, faz sucesso quem se adaptou bem ao ambiente mais difícil, usando exatamente o estilo de trading e long short/arbitragem. Uma alternativa poderia ser um posicionamento em ações fora do índice, na esteira de valor ou de crescimento.

Camaleões e frankensteins

O sucesso dos fundos multimercados tem um pouco a ver com esse estilo camaleão ou frankenstein de ser. O gestor pode comprar ou vender, ser pessimista ou otimista, não importa: sempre haverá as formas (desde que bem aplicadas) de se ganhar dinheiro para o cotista. Parece fácil. A digitalização hoje permite o acompanhamento online de todos os mercados, 24 horas por dia. Isso facilita a vida do gestor? Pura ilusão. É só pensar que o cotidiano não ficou menos corrido depois que surgiram internet, smartphones ou micro-ondas.

A informação de mercado massiva, via bloombergs ou broadcasts, deixou de ser uma vantagem comparativa para virar uma commodity. O diferencial do gestor será a forma de processamento dos novos dados. Imagine o leitor um relatório de emprego nos Estados Unidos sendo divulgado em tempo real nos cinco continentes: a reação dos mercados é imediata, com compras e vendas de acordo com a interpretação de cada um.

Muito trabalho e disciplina. É o que exige a profissão de gestor de recursos. Independentemente do “estilo”, a atividade envolve um terço inspiração e dois terços transpiração.


Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”

 

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