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O acionista majoritário das estatais é o povo brasileiro
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O PL 2.896/22, aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2022 e até agora parado no Senado, representa um retrocesso na Lei das Estatais (13.303/2016), que, apesar de suas imperfeições, é um marco da governança corporativa de empresas públicas e companhias de economia mista no Brasil. O principal e mais preocupante ponto alterado pela proposta é a redução de 36 meses para 30 dias da quarentena para a nomeação aos cargos no conselho de administração e diretoria estatutária de quem atuou como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado à estruturação e realização de campanha eleitoral. Além desse PL aprovado na Câmara e que seguiu para o Senado, há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 7331) sendo julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata do mesmo tema. Desde dezembro, com o pedido de vista feito pelo ministro Kassio Nunes Marques, o julgamento está suspenso.

Essas duas movimentações consistem em recursos que, infelizmente, buscam enfraquecer uma lei que trouxe muitos ganhos para a boa governança das estatais no País. No entanto, mesmo que a Lei das Estatais siga inalterada, há um desafio crucial, que é o seu cumprimento efetivo. Independentemente do partido que esteja no poder, observam-se alguns desrespeitos aos seus dispositivos, justificados pelos mais inusitados e criativos argumentos. Há, ainda, numerosas nomeações por mera indicação política, que não ferem de modo tácito a legislação, mas claramente afrontam a ética e os pressupostos da eficácia, independência e isenção na gestão.

Por isso, é determinante que a administração dessas empresas, além do fator legal compulsório, seja pautada pelas melhores práticas de governança corporativa, que não são obrigatórias, mas imprescindíveis para que elas atendam ao seu principal propósito, claramente definido na Constituição de 1988, no caput do Artigo 173: o Estado só deve explorar diretamente atividade econômica quando necessário à segurança nacional ou for de relevante interesse coletivo.

A boa notícia é que não faltam consistentes referências para nortear a gestão das estatais. Uma delas refere-se às diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), paradigmas globais sobre o tema, formuladas a partir de 2002 e periodicamente atualizadas. No capítulo do documento intitulado “O Estado na qualidade de proprietário”, estão sintetizados os aspectos inerentes às boas práticas de gestão para as empresas públicas e de economia mista.

Os principais pontos são os seguintes: o governo deve desenvolver e divulgar uma política de propriedade que defina os objetivos gerais da estatal, a função do Estado na sua governança corporativa e como irá cumprir seu papel de acionista ou controlador; o governo não deve ser envolvido na administração diária das estatais e sim permitir que tenham total autonomia operacional para atingir seus objetivos; o Estado deve permitir que os conselhos das estatais exerçam suas responsabilidades e preservar sua independência; o exercício dos direitos de propriedade deve ser claramente identificado dentro da administração do Estado, o que pode ser facilitado pela criação de uma entidade coordenadora; esta deve ser responsável por prestar contas aos órgãos de representação, como o Parlamento, e ter relações claramente definidas com organismos públicos, incluindo as instituições de auditoria de instância superior; e o Estado deve exercer seus direitos de proprietário de acordo com a estrutura legal de cada empresa. Além desses fatores, cabe destacar que as companhias precisam justificar, a cada ano, a pertinência da manutenção de seu status jurídico como estatal.

Embora o fato não tenha sido muito divulgado à época, é oportuno lembrar que, em 2021, a OCDE elaborou estudo sobre a governança das estatais brasileiras, um conteúdo denso, de 200 páginas, que contém diagnósticos elucidativos. Sua elaboração utilizou dados coletados pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST). Resumo aqui as principais recomendações: desenvolvimento da política de propriedade; melhoria da transparência, por meio da divulgação de relatórios anuais agregados com informações financeiras, de custos e das políticas públicas de abrangência das empresas; e o empoderamento dos seus conselhos e diretorias-executivas, por meio da melhoria das regras e procedimentos para nomeação dos seus membros. Notem que este último item tocou no cerne do que observamos há tempos quanto ao preenchimento dos cargos, fator crítico que continua permeando a discussão sobre a Lei das Estatais e a observância das boas práticas de governança corporativa.  

O relatório da OCDE sobre o nosso país cita o “Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas” como referência, respaldado por princípios de transparência, equidade e responsabilidade. Lembro aos leitores que este documento foi produzido em 2016 pelo Grupo de Trabalho Interagentes, formado por onze das mais expressivas entidades relacionadas ao mercado de capitais e coordenado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Também é mencionado o “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa” do IBGC, elaborado em 2015 e cuja sexta edição foi publicada em 2023. Balizado nos princípios da integridade, transparência, equidade, responsabilização e sustentabilidade, o documento contém recomendações essenciais para a boa gestão das empresas.

Portanto, além das diretrizes internacionais da OCDE, há no Brasil farto material para nortear com eficácia a governança corporativa das estatais, cuja gestão eficiente, transparente e exitosa é imprescindível para que cumpram o seu propósito. Há de se considerar, ainda, que elas impactam fortemente o orçamento do Estado e o aporte de recursos públicos, a oferta de produtos e serviços demandados pela população, os investimentos de pessoas físicas e jurídicas, o mercado de capitais, os setores estratégicos e o ambiente de negócios em geral. Por isso, é mandatório que tenham uma estrutura de gestão menos suscetível às indicações políticas e mais atrelada ao profissionalismo e capacidade técnica de seus diretores estatutários e conselheiros de administração.

Os princípios e as melhores práticas de governança corporativa proporcionam às estatais mais assertividade no planejamento estratégico, no gerenciamento de riscos, na prestação de contas e no respeito a todos os seu stakeholders, dentre outros benefícios tangíveis e intangíveis em curto, médio e longo prazos. Enfatizo que o conselho de administração tem missão exponencial nesse contexto, pois deve zelar pelo propósito, objeto social e sistema de governança da organização. Ele é o órgão colegiado encarregado da definição da estratégia corporativa, da avaliação de sua execução pela diretoria-executiva e da conexão desta com os acionistas. Daí o significado de sua independência.

É fundamental o respeito às melhores práticas de gestão. Ademais, caso prospere a tramitação do PL 2.896/22 ou surjam outras iniciativas do Legislativo ou do Executivo voltadas a alterar a Lei das Estatais, que ela seja aperfeiçoada e não piorada. É preciso prevalecer a consciência dos parlamentares e governantes de que a eficácia da administração e a importância dessas empresas para a sociedade estão acima de interesses político-partidários e da oportunidade de ocupar cargos ou indicar correligionários para exercê-los. Cabe entender que, na realidade, o acionista majoritário dessas companhias é o povo brasileiro, que anseia pelos dividendos do desenvolvimento. Por isso, sua governança corporativa eficaz, ética e íntegra é um avanço institucional e democrático.

*Henrique Luz, CCA+, CCoAud+ e CCF IBGC, é conselheiro independente e ex-presidente do conselho de administração do IBGC.


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