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Adin contra venda da Eletrobras terá impacto sobre o direito a voto?
Ação de inconstitucionalidade suscita questões sobre voting cap e traz insegurança para acionistas e empresas
Adin contra a Lei 14.182, Adin contra venda da Eletrobras terá impacto sobre o direito a voto?, Capital Aberto

Vezeira fonte de sinecuras e instrumento privilegiado de políticas públicas na área energética, não chegou a ser surpresa a postura do governo federal recém-eleito em relação à desestatização da Eletrobras, promovida pela gestão anterior. Um dos primeiros atos do novo governo foi a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin contra a Lei 14.182, de 2021), que estabeleceu as bases para a mudança no controle acionário da antiga estatal.

Em linhas bastante gerais, pela referida lei, a União estaria impedida de participar de aumento de capital — que veio a ocorrer em 2022 — e foi diluída, passando a deter cerca de 43% das ações ordinárias daquela companhia. Consequentemente, a Eletrobras deixou de ter um acionista controlador e submeter-se ao regime jurídico de uma sociedade de economia mista.  Em contrapartida a essa perda do controle, a lei estabeleceu que o processo de desestatização compreenderia um conjunto de atos indissociáveis, incluindo a transferência de determinados ativos para sociedade controlada pela União Federal, compensações de créditos devidos à Eletrobras, pagamentos de outorga pela “descotização” de usinas da Eletrobras e uma série de contrapartidas em projetos de interesse do governo federal.

Teto de votos

Ocorre que essa lei também previu que seria submetida à assembleia geral da então estatal, em deliberação na qual o então acionista controlador não poderia participar, alteração estatutária, limitando os direitos políticos decorrentes da participação de qualquer acionista a 10% do capital votante. Esse percentual, embora em tese aplicável a qualquer acionista ou grupo de acionistas, naquele momento e ainda hoje, afeta apenas a participação detida pela União Federal, tendo em vista a relevante pulverização da base acionária. Por meio dessa limitação — referida pelo anglicanismo voting cap —, a partir da titularidade do referido percentual, começaria a haver um descasamento entre a participação no capital social votante e a correspondente titularidade de direitos políticos.

Sem tratar da diluição em si ou da mudança de regime jurídico da empresa, a Adin busca retirar do ordenamento jurídico exclusivamente o voting cap que lhe foi imposto, criando um status quo no qual a União Federal passaria a ser a acionista de referência e, virtualmente, prevalecer em todas as deliberações assembleares. Elegendo, inclusive, a maioria dos membros do conselho de administração e determinando a composição da diretoria. Ao mesmo tempo, a gestão do poder público continuaria, ao menos diretamente, fora do crivo dos órgãos de fiscalização das estatais.

Repercussões

A Adin pode ter soluções que, como é comum no direito brasileiro, apliquem-se exclusivamente à Eletrobras. Em especial, se a discussão se limitar à análise da razoabilidade do ônus imposto ao poder público nesta desestatização específica. Entretanto, até pela natureza do remédio constitucional, outras questões postas, caso enfrentadas pela Corte Suprema, podem ter repercussões mais amplas para o mercado de capitais.

O aspecto mais relevante, por seus desdobramentos, diz respeito à pretensão ao reconhecimento de um regime jurídico especial para as participações detidas pela União em uma empresa privada.

Para compreender esse pensamento, deve-se ter como ponto de partida que, neste momento, o capital investido pela União na Eletrobras não configura mais um controle acionário, afastando, portanto, todo tratamento legal conferido às estatais. Trata-se de uma participação em uma empresa privada, cuja gestão deixou de ser norteada pelo interesse público que no passado justificou a sua constituição, como prevê o artigo 238, da Lei das S.As., ora inaplicável à Eletrobras.

Entretanto, por meio da Adin contra a Lei 14.182, busca-se o reconhecimento da existência de um regime jurídico especial pelo simples fato de o Estado deter a titularidade dessa participação, ainda que não controladora, em decorrência de um interesse público subjacente à manutenção dessa propriedade. Cumpre lembrar que situação semelhante é relativamente comum no mercado de capitais, ainda mais se considerar a participação detida por entidades da administração pública indireta.

Caso venha a ser reconhecida essa tese constante da Adin, haveria um impedimento legal a que uma participação detida pela União Federal sofresse restrições tais como aquelas impostas pela Lei 14.182, de 2021, sob o argumento de que isso impediria a realização da finalidade — pública — que justificou a manutenção dessa participação.

Desapropriação?

Outra ramificação potencial da Adin contra a Lei 14.182 diz respeito à discussão sobre a própria regra estatutária de limitação de direitos políticos. Apenas contextualizando, no direito societário, o direito de voto não é um direito essencial à propriedade acionária, sendo ele afastado não apenas em hipóteses legalmente previstas (por exemplo, diante de conflito de interesse) como convencionais, como é o caso da emissão de ações preferenciais sem direito de voto ou acordos de acionistas. Nesse sentido, tornou-se usual em empresas que identificam valor na ausência de um controlador criar limitação ao poder político por meio de alterações estatutárias. Nesse caso, há o referido efeito do descasamento entre os direitos políticos correspondentes à respectiva participação no capital social votante.

Entretanto, a União Federal busca, por meio da Adin, defender que essa limitação seria ilegal quando afetar um único acionista ou um grupo indefinido de acionistas. Se bem compreendido, quando o voting cap se aplicar, no momento da criação da limitação, a esse acionista ou grupo definido, a imposição da limitação equivaleria a uma desapropriação e seria, portanto, ilegal. Como alegado, “a única onerada foi a União […] a lei teria criado uma verdadeira desapropriação do direito político correlato à titularidade das ações pela União sem oferecer compensação correspondente.”

Prevalecendo a tese da União Federal, em todos os casos em que não houver a concordância expressa dos afetados com a restrição do direito de voto, estaremos diante de um ato ilegal.

Direito de propriedade

Um último aspecto relevante trata do processo de aprovação da referida alteração estatutária. Especificamente, a referida determinação legal de que a União Federal, pela existência de uma situação de conflito de interesse na referida deliberação, decorrente dos benefícios, contrapartidas e transações previstos na mencionada lei, se abstivesse de deliberar sobre a alteração estatutária.

Segundo defendido pelo parquet, não haveria uma ilegalidade em se estabelecer o voting cap em si, mas a lei não poderia ter impedido o antigo controlador de participar da deliberação sobre a matéria, uma vez que “o direito de voto está umbilicalmente ligado ao próprio direito de propriedade [das ações]”. Portanto, segundo a tese defendida, a lei teria contaminado a criação do voting cap ao “simplesmente limitar o direito de voto do acionista ordinário, sob pena de lhe retirar parte significativa de sua propriedade, econômica e política”, salvo para as ações adquiridas após a edição da lei.

Bem compreendida a tese, ela implicaria em uma releitura do direito de voto que, de direito não essencial da ação, passaria a ser um direito inerente à propriedade acionária. Mais ainda, dá a entender que esse direito político teria o status de um direito adquirido do titular da propriedade, com implicações importantes em caso de mudanças legislativas ou mesmo estatutárias que afetem o regime de voto.

Desdobramentos

Toda essa movimentação da União Federal, como não poderia deixar de ser, causa enorme insegurança. Não apenas para os ora acionistas da Eletrobras que, confiando em um ambiente normativo posto, participaram da oferta pública, mas também para outras empresas públicas que adotaram ou estão adotando o mesmo modelo desestatização. Ocorre que, além dessas consequências imediatas, as questões submetidas ao STF podem ter desdobramentos mais amplos para o mercado de capitais como um todo. E, nessa condição, precisam ser enfrentadas de maneira bastante judiciosa.

* Raphael Martins é advogado e sócio de Faoro Advogados.

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