Já faz bastante tempo que o mercado de capitais dos Estados Unidos é referência global em termos de dispersão acionária. Ainda em 1932, Adolf Berle e Gardiner Means constataram o fenômeno da separação entre propriedade e controle com base na análise da estrutura de capital das 200 maiores companhias americanas da época. Os autores concluíram que 44% das companhias da amostra acabavam sendo controladas pelos próprios administradores e não pelos acionistas, por meio do exercício do poder de controle gerencial. Para eles, o fenômeno da dispersão acionária parecia ser inerente ao sistema corporativo, sendo seu desenvolvimento inevitável¹.
Como o mercado de capitais dos Estados Unidos, considerado um dos mais desenvolvidos do mundo, apresenta um elevado grau de dispersão acionária, muito se questiona se essa estrutura de capital representaria um estágio de governança corporativa mais evoluído. A resposta a essa indagação não é absoluta, pois isso vai depender da cultura de cada mercado e de cada companhia. Há outros países com economias fortes, como Alemanha e França, por exemplo, que têm um baixo nível de dispersão acionária sem que isso torne seus mercados de capitais menos evoluídos — muito pelo contrário.
Embora alguns estudos tenham constatado que a dispersão acionária estaria relacionada a um maior nível de proteção aos investidores, outros indicam que essa dispersão não necessariamente agrega mais valor à companhia. De todo modo, há outras análises que considero mais acertadas, concluindo que as companhias devem optar por estruturas de capital que mais bem se adequem aos seus contextos, sejam elas estruturas de capital disperso ou concentrado.
Fato é que a realidade dos Estados Unidos vem mudando nos últimos tempos, tendo em vista o crescimento da participação detida pelos investidores institucionais nas companhias americanas, o que levou a um aumento da concentração acionária no país. Estima-se que os investidores institucionais detenham cerca de 70% das ações emitidas pelas companhias abertas do país.²-³
Dentre esses investidores institucionais, destacam-se os exchange-traded funds (ETFs), que são fundos que buscam replicar a carteira e a rentabilidade de um determinado índice de referência — como, por exemplo, o índice S&P 500, que busca refletir uma carteira diversificada de ações de 500 companhias americanas líderes nos principais setores da economia.
Verifica-se que apenas três gestores de fundos de índice (BlackRock, Vanguard e State Street Global Advisors) em conjunto constituem a maior posição acionária de pelo menos 40% de todas as companhias abertas americanas e de 88% das companhias do índice S&P 500⁴.
Portanto, com a ascensão dos investidores institucionais, os Estados Unidos passam a vivenciar de forma mais expressiva o fenômeno da concentração acionária, até então incomum para o país, passando a estrutura da modern corporation contemplada por Berle e Means nos anos 1930 a ser enfrentada5. Certo é que o país deverá rever suas normas e políticas de governança de forma a se a adaptar a essa nova realidade de um mercado cada vez mais complexo e dinâmico.
*Elmiro Chiesse Coutinho Neto ([email protected]) é associado do escritório Demori Claudino Advogados com atuação nas áreas de fusões e aquisições, direito societário e mercado de capitais
Notas
¹Berle, Adolf; Means, Gardiner. The Modern Corporation and Private Property. Harcourt, Brace & World, Inc. New York. Revised Edition. 1967. First Edition 1932. p. 47–109.
²Broadridge & PwC. “Proxy Season Review, ProxyPulse 1” (2019). Disponível em: https://www.broadridge.com/_assets/pdf/broadridge-proxypulse-2019-review.pdf. Acesso em 1º mar. 2020. p. 2.
³Statement at the Open Meeting: Modernizing SEC Rules Governing Proxy Voting Advice (Nov. 5, 2019). Commissioner Elad L. Roisman. Disponível em: https://www.sec.gov/news/public-statement/statement-roisman-2019-11-05-14a-2b. Acesso em 1º mar. 2020.
⁴Fichtner, Jan and Heemskerk, Eelke M. and Garcia-Bernardo, Javier. “Hidden Power of the Big Three? Passive Index Funds, Re-Concentration of Corporate Ownership, and New Financial Risk” (February 7, 2017). Business and Politics, April 2017, DOI: 10.1017/bap.2017.6. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2798653. Acesso em: 23 fev. 2020. p. 15.
⁵Bebchuk, Lucian A. and Cohen, Alma and Hirst, Scott. “The Agency Problems of Institutional Investors” (June 1, 2017). Journal of Economic Perspectives, Vol. 31 pp. 89-102 (Summer 2017). Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2982617. Acesso em: 13 fev. 2020. p. 107.
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