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Adeus à redoma
Tradicionalmente introspectivas, gestoras de recursos aderem aos IPOs e despertam dúvidas sobre os limites de transparência aceitáveis e os potenciais conflitos com cotistas

Desde a retomada do mercado de capitais, em 2004, alguns setores resolveram se arriscar no mundo das companhias abertas. Foi assim com o sucroalcooleiro, capitaneado pela Cosan, e, mais recentemente, com a área de educação, que ingressou em bolsa por meio da Anhanguera. Sem fazer muito barulho, em junho do ano passado, o segmento de gestão de recursos de terceiros também ingressou na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), através da pioneira GP Investments. Fundada em 1993, a GP é uma das mais reconhecidas gestoras de private equity do País e, antes mesmo de sua própria abertura de capital, colheu lucros como acionista vendedora nos IPOs de empresas como ALL, Submarino e Gafisa. Em maio último, o setor ganhou a adesão da Tarpon. E aguarda a próxima da fila, a Claritas, cujo pedido de registro para a oferta estava em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até o fechamento desta edição. Rumores de mercado cogitam também o IPO da Gávea Investimentos, de Armínio Fraga.

Com uma proposta muito semelhante — todas fizeram ofertas de BDRs no mercado local —, elas trazem para a bolsa brasileira um modelo de negócio de características peculiares e, em alguns aspectos, controversas quando se trata de mercado de capitais. A começar pela questão da transparência. Para as gestoras de recursos, a estratégia de investimentos é um segredo essencial para o sucesso do negócio. Como conciliar isso com os níveis de transparência exigidos pelo mercado?

A dúvida não surgiu apenas por aqui. Nos Estados Unidos, onde os IPOs de gestoras de recursos também são crescentes — um dos exemplos mais recentes é o da Blackstone, a maior oferta inicial de ações dos últimos cinco anos em Wall Street —, as dificuldades em lidar com as exigências de transparência também estão na pauta. Em seu prospecto, a Blackstone traz, inclusive, um alerta: “Pretendemos ser uma companhia aberta diferente”, afirma, lembrando que pretende preservar os elementos de sua cultura que contribuíram para o crescimento da empresa enquanto estava fechada.

A frase chamou a atenção do mercado — e ganhou destaque na imprensa. Para a revista semanal Barron’s, que dedicou a capa de sua edição de junho à Blackstone, a intenção de “ser diferente” significa dizer que nem mesmo os novos acionistas conhecerão seu funcionamento. Ou seja, continuará operando como se fosse uma empresa fechada. Na mesma linha seguiu a BusinessWeek. Logo no título, lança a pergunta: “Risco demasiado?” A reportagem sugere que há claras evidências de falta de transparência e governança na companhia, como a ausência de assembléias anuais com os acionistas, o pleno controle das firmas — inclusive dos salários a serem pagos — pelos executivos no comando e a ausência de direitos de voto no modelo tradicional.

No Brasil, ainda são tímidos os questionamentos sobre transparência. E, a julgar pelo desempenho das ações da GP, os investidores por aqui não se sentiram prejudicados por isso, ao menos por ora. Em um ano, os papéis da asset avançaram quase 150%, enquanto no mesmo período o Ibovespa subiu em torno de 55%. “As gestoras já contam com um bom nível de divulgação de informações porque o próprio cotista dos fundos exige esses dados, mas é claro que a abertura de capital é um passo muito maior”, comenta Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos e presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec).

COTISTAS VERSUS ACIONISTAS — Outro ponto controverso quando se trata do IPO de gestora de recursos é o potencial conflito de interesses a que passam a estar sujeitos os gestores em relação a seus cotistas. Estimulados por novas formas de remuneração — agora alinhadas com o desempenho das ações em bolsa e não apenas com a taxa de retorno proporcionada por seus fundos —, os gestores têm o desafio de administrar com eqüidade o capital próprio (captado pela firma no IPO) e o dos cotistas, ainda que a maior parte de seu bônus esteja vinculada ao desempenho da firma. Um exemplo claro desse conflito seria aquele momento em que a gestora encontrasse uma excelente oportunidade de aplicação, tanto para um de seus fundos como para sua estratégia própria de investimentos. Nesse caso, ela deveria alocar o investimento no fundo ou em seu portfólio? Para o cotista, essa decisão pode ser fundamental, uma vez que, ao contrário do acionista, ele participa apenas dos resultados do fundo.

Aplicar parte significativa do que é captado no IPO nos próprios fundos minimiza o desalinhamento de interesses

O conflito foi tema de reportagem na publicação norte-americana Pensions & Investments, de 14 de maio, em que o renomado gestor David Swensen, responsável por uma carteira de US$ 18 bilhões da Universidade Yale, questiona se os interesses de cotistas e acionistas estariam, de fato, alinhados quando se busca, ao mesmo tempo, retorno para os fundos administrados e para as ações da companhia. Figueiredo, da Amec, pondera as possibilidades de conflito no mercado brasileiro. Em sua avaliação, o fato de as gestoras se comprometerem a aplicar parcelas significativas do montante arrecadado com o IPO nos próprios fundos minimiza o potencial desalinhamento de interesses.

No caso da Tarpon, cerca de 70% do capital obtido será destinado à aquisição de participação societária no Tarpon All Equities Fund (fundo de ações de companhias abertas brasileiras e latino-americanas, além de private equity). Esse montante poderá chegar a até 90%, caso haja aumento do limite permitido para investimentos do fundo em private equity (25%).

A GP afirmava em seu prospecto que 41% dos recursos líquidos seriam destinados à integralização de participação acionária no GPCP3, fundo da própria empresa, através de novos (US$ 72 milhões) e antigos (US$ 44,3 milhões) comprometimentos. A maior parcela (50%), no entanto, seria alocada a novas aquisições “de acordo com nossa estratégia de investimento, inclusive aportes periódicos de recursos em negócios que podemos vir a adquirir e quaisquer comissões ou despesas a eles relacionados”. Mas, para minimizar o potencial conflito, o documento diz que é proibido aplicar em oportunidades de investimentos que se encaixem na política do fundo sem antes lhe dar prioridade na alocação.

O capítulo Destinação dos Recursos do prospecto, no caso da Claritas, é mais vago. A empresa informa que 100% do capital líquido do IPO será utilizado em novas oportunidades de investimento (setor imobiliário, participações acionárias em companhias fechadas e abertas, além de ativos lastreados em recebíveis) por meio de fundos de investimentos que poderão ser criados ou de outros veículos que se apresentarem mais adequados.

VANTAGENS — Apesar dos possíveis embates com questões de transparência e do conflito para os cotistas de seus fundos, as gestoras de recursos têm boas razões para decidirem abrir o capital da própria firma. A primeira delas é dar aos pequenos investidores acesso ao mercado de private equity, mesmo que de forma indireta. Tanto GP como Tarpon e Claritas (esta no prospecto preliminar) estipularam R$ 3 mil para aporte mínimo da parcela de suas ofertas destinadas ao varejo.

Há ainda uma importante vantagem competitiva. Com recursos em caixa, fruto da venda de ações, a gestora fica menos dependente da captação de recursos de terceiros. “É possível comprar mesmo em períodos de baixa, quando a disposição dos investidores é vendedora”, observa Pedro Rudge, sócio da gestora Investidor Profissional. Sobre a possibilidade de a IP seguir os mesmos passos das concorrentes, Rudge preferiu não comentar. Outras vantagens em se fazer o IPO da gestora é a liquidez obtida pelos sócios — que podem se desfazer de suas ações na operação — e a possibilidade de implantação de planos de opções para retenção e incentivo dos funcionários.

Mesmo assim, nem todos escolhem esse caminho. A Hedging-Griffo, no mercado desde os anos 80, também cogitou fazer uma oferta pública de ações, mas preferiu a venda de participação para um sócio estratégico. “Não estávamos interessados apenas nos recursos de longo prazo”, explica Ricardo Campos, um dos executivos da Griffo. Com foco no segmento de private banking, a gestora optou pela globalização. “Na nossa avaliação, a entrada do Credit Suisse ajudará a perpetuar a empresa”, completa. Foram mais de três meses de negociação até que, no fim de dezembro do ano passado, chegou-se ao formato final do novo negócio. O banco suíço levou 50% do capital mais uma ação, por US$ 294 milhões.

DETALHES EXCLUSIVOS — No caso brasileiro, há ainda outras duas peculiaridades nos IPOs das gestoras de recursos. A primeira é o fato de GP, Tarpon e Claritas ingressarem na bolsa de valores através de holdings controladoras, com sede em Bermudas, listagem na Bolsa de Luxemburgo e oferta de BDRs (Certificados de Depósitos de Valores Mobiliários) no mercado brasileiro. O que explicaria, afinal, essa preferência unânime por abrir o capital como companhia estrangeira?

Parte da resposta está no próprio mercado internacional. O braço de private equity da GP, por exemplo, já viabilizou a entrada de R$ 3 bilhões no País (através de investimentos nas áreas de telecomunicações, varejo, TV a cabo, comércio eletrônico, entretenimento, imóveis, transporte e logística, internet e tecnologia), captados junto a grandes investidores institucionais europeus e norte-americanos, como AIG Investment Corporation, Capital Group e International Finance Corporation. Isso significa que a exposição em mercados internacionais faz parte da estratégia operacional dessas companhias.

A segunda característica dessas ofertas é a emissão de ações de classes distintas. As de classe B ficam com os controladores e têm amplos direitos de voto. As de classe A são distribuídas ao mercado e permitem voto em algumas situações, como a eleição dos membros independentes do conselho de administração e em casos de transformação, incorporação, cisão ou fusão da companhia. Com essa estrutura, as companhias buscam alavancar capital em bolsa, sem se expor ao risco de tomada de controle por outros investidores. Se as iniciativas de GP, Tarpon e Claritas se provarem bem-sucedidas ao longo do tempo, e se as assets independentes continuarem crescendo como visto nos últimos anos, é possível que a gestão de recursos independentes logo finque sua estaca na divisão setorial da bolsa

A listagem de ações de gestoras de recursos em bolsa surge com ares de tendência no mercado brasileiro. Mas e os fundos de investimento? Quando será a vez de esses veículos terem uma presença maior de suas cotas em pregão?

Segundo o periódico britânico Financial Times, os três ativos mais negociados em Nova York durante todo o ano passado não eram empresas, mas sim os fundos conhecidos como Exchange Traded Funds (ETFs). O formato desses produtos é simples: com um benchmark bem definido, visam acompanhar a oscilação de índices de ações, títulos, commodities ou setores. Atualmente, a American Stock Exchange (Amex), pioneira na listagem desses produtos, concentra mais de US$ 300 bilhões em ativos no segmento e registrou, somente este ano, cerca de 120 novas listagens. “O objetivo de um ETF é facilitar a vida do investidor que pode, através do mercado secundário, ter acesso a uma ampla variedade dessas carteiras”, explica Gregory Harrington, sócio da Arnold & Porter, ao justificar a ampla liquidez dos fundos.

No Brasil, o PIBB, fundo de ações que visa acompanhar o IBrX-50, foi lançado em 2004 e até hoje é o único produto brasileiro similar aos ETFs. No mais, a negociação de cotas em bolsa concentra-se em fundos imobiliários e FIDCs. “A listagem dá ao investidor de um fundo fechado a chance de ter uma porta de saída antes do prazo final da aplicação. Mas continuamos com poucas listagens porque a maioria dos fundos fechados faz parte de operações estruturadas, onde o interesse principal não é a captação de recursos do mercado”, explica Alexandre Hildebrand Garcia, advogado do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão.

A cotação em bolsa permite ainda que o investidor acompanhe a variação da cota em relação ao valor patrimonial. Por enquanto, porém, no mercado brasileiro, a incipiência do mercado faz com que esse benefício possa ser visto de maneira negativa. Por causa da baixa liquidez, há receio de que a cotação em bolsa não reflita o valor patrimonial e não estimule as negociações no mercado secundário.

Para quem pensa em fazer a oferta inicial de cotas em bolsa, há ainda outro entrave: os próprios cotistas. Pedro Rudge, da Investidor Profissional, sabe bem o que é isso. No ano passado, tentou captar recursos para listar um novo fundo de ações na bolsa. “Acabamos fazendo uma oferta restrita porque não houve aceitação por parte dos investidores”, conta. Um dos motivos é o custo inicial da listagem, com etapas similares às de um IPO de empresa. Esses gastos são deduzidos da cota, fazendo com que logo no início dos negócios haja desvalorização. Como se vê, nem sempre a oportunidade de liquidez compensa a angústia de ver as cotas de um fundo oscilarem diariamente.

miram afortunados nos EUA

A listagem de gestoras de recursos e de seus veículos de investimento em bolsa de valores levou à criação de uma nova sigla no mundo dos IPOs: os RDUs – Restricted Depositary Units. Nos mesmos moldes dos ADRs, esses recibos de depósito representam as ações originalmente emitidas e trazem uma vantagem particular: permitem que a oferta de companhias de investimento (ou de fundos de investimento, no caso brasileiro) seja dirigida a investidores pessoas físicas qualificados, mesmo sem registro na SEC.

Segundo o US Investment Company Act de 1940, lei que regula as ofertas de companhias de investimento, para acessar tanto investidores qualificados pessoas físicas como institucionais nos Estados Unidos, é preciso submeter a oferta a um registro na SEC. A empresa até pode se livrar dessa exigência – e, portanto, do atendimento a legislações rigorosas como a Sarbanes-Oxley -, mas desde que ofereça seus títulos apenas para os investidores institucionais qualificados. Com os RDUs, porém, os bancos de investimento descobriram um espaço na lei norte-americana para driblar essa regra e, desta forma, possibilitar a venda de ações de empresas de investimento sem registro na SEC para pessoas físicas qualificadas nos EUA, os chamados accredited investors.

Os RDUs contêm uma série de limitações a sua circulação, justamente para que fiquem restritos aos investidores considerados “accredited” – aqueles que, entre outras possibilidades, têm, no mínimo, R$ 1 milhão para investir. Assim, os RDUs não são admitidos, por exemplo, para listagem em bolsa de valores. São nominais e só podem ser negociados em balcão, sempre sob a supervisão do banco depositário.

Para a parcela alocada fora dos Estados Unidos, a Regulation S já oferece provisão para distribuição a investidores individuais qualificados sem registro na SEC, o que dispensa a utilização dos RDUs. “Os recibos são a solução para captar recursos de famílias ricas e outros afortunados nos Estados Unidos” explica Anthony Moro, vice-presidente do Bank of New York.

Até agora, a solução foi utilizada por veículos de investimento da KKR, da Apollo e da Ripplewood. E há também expectativas de que a Carlyle venha a adotá-los. “IPO permite que os fundos tenham uma fonte de recursos permanente e, com os RDUs, eles podem acessar a poupança norte-americana” comenta Moro. O potencial, segundo o executivo, é grande. Moro afirma que dos cerca de US$ 5 bilhões captados pelo KKR Private Equity Investors (KPE), o veículo de investimento da KKR que abriu o capital, R$ 3 bilhões foram obtidos junto aos accredited investors norte-americanos, por meio de RDUs.
(Simone Azevedo e Camila Guimarães Hessel)


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