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A moda do flipper
Investidor nacional embarca nos IPOs para ter ganho fácil em um só dia e reforça estratégia das empresas de privilegiar o estrangeiro

 

São três os argumentos mais repetidos para explicar por que as empresas destinam ao investidor estrangeiro a maior parte de suas ações em uma oferta. O primeiro está na postura desse investidor, que só topa entrar na operação se houver um grande volume de recursos garantido para a compra. Além disso, a presença da companhia em fundos de investimentos no exterior traz não só visibilidade, como também diversifica sua carteira de acionistas. Mas há uma terceira razão — a menos admitida pelas empresas — para justificar a preferência pelo mercado de capitais internacional. Trata-se da crença de que, lá fora, o investidor tende a segurar as ações por mais tempo — diferentemente do que vem acontecendo aqui no Brasil, onde a moda agora é todo mundo “flipar”.

A expressão, que vem do inglês “to flip” e refere-se a algo lançado rapidamente, já foi abrasileirada e ganhou até um substantivo, além de conjugação em vários tempos verbais. Na “flipagem”, o investidor reserva seus papéis durante o processo da oferta do IPO já com a intenção de se desfazer deles no primeiro dia de negociação na bolsa. Quem age assim acredita numa super valorização da empresa logo na sua estréia. No raciocínio do “flipper”, como houve uma demanda maior em relação à quantidade de ações ofertada pela empresa, é natural que exista um volume expressivo de potenciais compradores a sua espera na abertura do pregão. Quando essa previsão se concretiza, o preço do ativo sobe e o flipper vende tudo, realizando rapidamente o lucro.

Apesar de o termo ser novo no Brasil, a prática é tão antiga quanto o mercado de capitais. Ora, o especulador que comprava uma muda de tulipa na Europa do século 17 com a intenção de vendê-la nos primeiros minutos após a flor ter sido desenterrada também “flipava”. No dia-a-dia do mercado, quem se comporta assim também é chamado de day trader — ou seja, alguém que compra e vende um mesmo ativo num único dia. A postura desse especulador sempre foi saudável para o mercado, pois, sem ela, não haveria a liquidez tão indispensável para a formação de preços de uma companhia.

O problema dos flippers é a má-impressão que eles vêm causando aos emissores das ofertas. O receio é que, se essa moda ganhar escala, os flippers acabem, ao contrário do que eles mesmos esperam, derrubando os preços das ações. Em evento promovido pelo Instituto Nacional dos Investidores (INI) em fevereiro, em São Paulo, perguntamos aos presentes o que eles faziam com as ações adquiridas nas ofertas. Apesar da pequena amostra, foi possível perceber que muitos “flipam” mesmo, e com freqüência.

SEMPRE UM SUCESSO? — João Ferreira de Lima, profissional autônomo, contou que, no final do ano passado, investiu R$ 5 mil em ações da Nossa Caixa. Vendeu tudo no primeiro dia da oferta a um valor 17% maior do que pagou pelo papel. Com os cerca de R$ 800 livres que tirou da operação, reforçou a ceia de Natal da família. “Comprei os camarões”, diz. Seu colega Dineu Gomes, também autônomo, é outro que está impressionado com a valorização das ações na estréia. “Os IPOs são sempre um sucesso”, acredita. “Esse primeiro dia é uma ótima oportunidade para vender.”

Já o investidor Pascoal De Marco Filho revelou que ouviu das corretoras a sugestão para vender tudo logo na estréia. “Há dez anos, invisto na bolsa e sempre procuro pensar no longo prazo. Mas a tentação de ganho de 10% ou 20% num único dia é grande”, diz. De fato, ele sucumbiu ao comportamento especulativo. Das novas ofertas, adquiriu ALL, Weg, Nossa Caixa, Vivax, Iochpe e UOL, mas não conseguiu permanecer com nenhuma delas mais do que duas semanas.

Sobre o fato de haver corretoras apresentando aos seus clientes apenas a face especulativa do mercado de capitais, o presidente do Sindicato das Corretoras, Homero Amaral, diz que reprova essa prática. “É lógico que nossa obrigação é mostrar todas as oportunidades, mas explicando também as vantagens de fazer um investimento no médio e longo prazo”, argumenta ele, que é diretor da corretora Socopa.

Para Mauro Giorgi, da Geração Futuro, as pessoas físicas que se desfazem da ação atraídas pelo oba-oba do primeiro dia agem assim por não conhecerem o perfil do negócio. “Nós, corretores, não podemos orientá-la para comprar, nem para permanecer, com determinada ação por causa do período de silêncio. E são raras as pessoas que, sozinhas, conseguem ler as quatrocentas páginas de um prospecto”, pondera. “Ainda assim, defendo que há muitos investidores pessoas físicas que não agem como flippers e, se pudessem, comprariam mais ações como investimento de longo prazo.”

Ricardo Binelli, da Petra Corretora, lembra que não são apenas as pessoas físicas que flipam nos IPOs brasileiros. Pelos menos nas ofertas realizadas no mês de fevereiro, houve uma participação considerável de vendas no primeiro dia de negociação do papel por parte de grandes corretoras e de bancos de investimentos tradicionalmente conhecidos por trabalharem também com clientes institucionais. “A realidade é que todo mundo flipa. Mas quem leva a maior penalidade é a pessoa física, que fica limitada a 10%”, diz Binelli.

O FIM DA BRINCADEIRA — Mas até quando esse alto volume de “flipagem” vai continuar? Esse movimento é realmente nocivo para o mercado?

A resposta para a primeira pergunta é mais simples: a brincadeira pode acabar se o investidor estrangeiro ou brasileiro que ficou de fora da oferta resolver ignorar as vendas dos flippers para forçar uma queda no valor. Daí será a vez de o flipper se desfazer do papel pelo preço que conseguir, ou de segurar a ação para vendê-la num momento mais adequado. A questão é que as ações brasileiras estão baratas se comparadas com as empresas de capital aberto no exterior. Ou seja, dificilmente o estrangeiro não estará aqui no primeiro dia de pregão para garantir as suas ações e, conseqüentemente, animar a festa do flipper.

Há um receio de que essa moda ganhe escala e os flippers acabem, ao contrário do que eles mesmos esperam, derrubando os preços das ações

O professor da Fundação Instituto de Administração e consultor tributário Mario Shingaki acredita que uma diminuição da demanda estrangeira pelas ações poderia ocorrer agora, após a isenção do imposto de renda para a compra de títulos públicos federais. “É um ativo que tende a fazer concorrência com a renda variável”, diz. Alexandre Póvoa, do Banco Modal, também crê que, uma hora, esse cenário vai mudar: “As empresas acham que o investidor estrangeiro lhe será fiel pelo resto da vida, mas eles também são voláteis.”

Sobre a segunda pergunta, Mauro Mazzaro, administrador de recursos da Planner, considera que um eventual prejuízo recairia muito mais sobre as pessoas físicas do que sobre o mercado como um todo. “O investidor individual pode ser prejudicado porque, nesse momento, o mercado lhe é apresentado como uma forma de ganho rápido, do tipo jogatina”, argumenta. “Isso destrói parte do esforço que entidades como a Bovespa, a Apimec, o INI e outras vêm fazendo para criar uma cultura de longo prazo. Na verdade, a pessoa física não está investindo em ações, mas sim trocando um papel por outro mais novo.”

Contudo, se por um lado é ruim para o investidor individual conhecer apenas o lado especulativo numa oferta, não há como negar que todo esse barulho está chamando atenção de mais pessoas físicas para a bolsa de valores. O consultor Gilberto Biojone diz que é difícil precisar o tamanho dos malefícios da flipagem para o varejo. “Vamos lembrar que eles investem um valor pequeno, pois lhe sobram poucas ações nos rateios das ofertas”, avalia. “Por outro lado, mesmo numa eventual perda, a pessoa física terá tido a oportunidade de entender como operam as corretoras, o sistema da bolsa, o que é um IPO etc.”

Para Biojone, o maior risco é das empresas. Imagine, por exemplo, o que será de uma oferta que destina 70% de suas ações para o mercado internacional se, num cenário de uma brusca mudança cambial ou outra crise qualquer, o estrangeiro resolver se desfazer em massa dos seus papéis? “O feitiço viraria contra o feiticeiro”, conclui. Numa hipótese como essa, se o mercado de capitais interno estivesse mais forte, com certeza conseguiria amenizar o impacto de um desastre. Atualmente, o investidor nacional pode arcar com apenas pequena parcela dessa responsabilidade.


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