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Seremos reféns de super-heróis?
Futuras corporações brasileiras enfrentam o desafio de não repetir os conflitos já conhecidos entre administradores e acionistas

 

A tendência de pulverização do capital e formação das primeiras corporações brasileiras está lançada. Depois da Embraer, cujos controladores anunciaram em janeiro a intenção de vender suas participações e pulverizar o capital em bolsa de valores, foi a vez de a Perdigão revelar, no mês passado, os planos de ir pelo mesmo caminho. Aos dois casos somam-se Lojas Renner e Submarino, que já possuem o controle pulverizado no mercado, e uma lista de outras empresas que vêm aparecendo na mídia como favoritas a seguir igual destino.

Junto com esta nova realidade surge uma série de desafios para um país que tem toda a sua cultura empresarial baseada na figura do acionista controlador. Entre eles, destaca-se um de particular relevância: o papel a ser assumido por nossos administradores neste novo cenário. De executivos ou conselheiros de administração de companhias regidas sob a tutela de um controlador, eles passam à categoria de verdadeiros super-heróis, livres para agir praticamente sozinhos no comando de grandes e poderosas corporações. Uma situação característica do modelo anglo-saxão que agora encosta na realidade brasileira e já deixa no ar algumas perguntas instigantes. Será que vamos ter os mesmos problemas das corporações norte-americanas e inglesas? Estão os nossos administradores preparados para a nova realidade? Temos um arcabouço legal apropriado para a mudança?

Consultamos diversos especialistas para responder a essas questões. E tivemos algumas boas surpresas, outras nem tanto. Quanto às chances de sermos contaminados pelas crises vivenciadas no hemisfério norte, os comentários pareceram confortantes. A perspectiva é que o conflito clássico entre acionistas e administradores em mercados de capital pulverizado, normalmente chamado de conflito de agência, não se reproduza no Brasil na mesma medida que ocorre nos países anglo-saxões.

A primeira razão para isso é o simples fato de já termos assistido antes ao filme deles. Assim, nossas corporações têm práticas de governança melhor consolidadas, o que aumenta as chances de os famosos abusos dos gestores serem inibidos pela atuação de conselheiros independentes, ou mesmo pelo histórico de executivos acostumados com uma vigilância rigorosa. “As nossas corporações surgem de forma mais saudável, orientadas por conselhos com menos chances de serem controlados pelos executivos e cientes da importância de estabelecer diretrizes estratégicas e incentivos corretos”, pondera José Olympio Pereira, diretor do banco de investimentos Credit Suisse, que liderou o processo de pulverização de controle da Lojas Renner.

Os princípios de alinhamento de interesses desenvolvidos nos últimos anos também prometem ajudar. Segundo o diretor financeiro e de investimentos da Petros (fundo de pensão dos funcionários da Petrobrás), Ricardo Malavazi Martins, há muito o País conta com executivos formados numa cultura de geração de resultados e convergência com as preocupações do investidor. “A mentalidade que orienta a atuação dos nossos altos executivos é a de que todos devem ganhar junto”, afirma.

Diferentemente dos países anglo-saxões, o Brasil também não possui a cultura de remuneração lastreada em bônus ou opções de ações milionárias, famosa por desviar a conduta dos administradores e fazê-los agir em benefício próprio. Da mesma forma, corre menos risco de esses planos alavancarem demais a estrutura de capital das companhias e reduzir a sua capacidade de geração de valor para os acionistas, comenta Augusto Korps, diretor da consultoria Stern Stewart.

FALHAS DE INICIANTE — Contudo, ao mesmo tempo em que padece menos dos tais conflitos de agência, o Brasil não dispõe de muitas das soluções que foram criadas lá fora para amenizá-los — e que poderiam ser muito úteis no cenário de controle pulverizado. Ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, ainda temos muito pouca transparência sobre as políticas de remuneração dos administradores. A deficiência, porém, não deve durar indefinidamente.

Quando, em janeiro deste ano, a Securities and Exchange Commission (SEC) colocou em audiência pública uma proposta de reformulação das suas regras para dar maior transparência às práticas de remuneração, a Comissão de Valores Mobiliários brasileira decidiu estudar a iniciativa a fundo e contemplar algumas dessas idéias na revisão em curso da Instrução 202 (que trata do registro de companhia aberta). Aline de Menezes Santos, chefe de gabinete da presidência da autarquia, adianta que as novas exigências devem ir no mesmo sentido da diretiva da SEC. “Não sabemos dizer ainda em que medida elas estarão alinhadas, mas apenas que devem ampliar o grau de transparência.”

Outro item que pode faltar aos administradores brasileiros nesta nova fase é a consciência das responsabilidades envolvidas no âmbito de uma corporação. “O grau de envolvimento requerido a um conselheiro de uma companhia de capital pulverizado é bastante superior àquele de uma empresa em que as estratégias estão concentradas na figura do controlador”, comenta José Luis Osório, sócio da Jardim Botânico Partners, que é investidor e também conselheiro da primeira corporação brasileira, a Renner. Sua experiência na rede de varejo leva a crer que o nível de dedicação requerido por uma empresa sem controlador faça os conselheiros reduzirem o número de colegiados em que aceitem participar.

Para responder à altura, os conselhos também precisarão ganhar em diversificação e atrair profissionais com formações específicas e diferentes graus de experiência, avalia o investidor. “Sou um defensor da presença de pessoas mais jovens nos conselhos de determinadas companhias. Sei que a proposta ainda enfrenta muita resistência, mas tenho certeza de que, com o desenvolvimento natural desse novo mercado, teremos boas surpresas.”

Outro pré-requisito para turbinar os conselhos das corporações é a adoção de uma postura mais pró-ativa e independente por seus membros. É fato que, até então, a experiência dos conselheiros no Brasil tem estado sempre vinculada à presença do controlador e, na maioria dos casos, às suas idéias. Para o sócio do Mattos Filho Advogados, João Ricardo de Azevedo Ribeiro, o papel do conselheiro foi um tanto ofuscado no cenário com controlador. Mas, na realidade do capital pulverizado, seu envolvimento tende a crescer. “A clássica atuação colegiada, em que o conselheiro só participa das reuniões, foge ao novo papel que é esperado para quem assume essa posição”, completa.

INSEGURANÇA JURÍDICA — E quanto ao arcabouço legal disponível no Brasil? Temos leis e regras apropriadas para que os administradores exerçam com competência suas funções no ambiente de uma corporação?

Para o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, expresidente da CVM e sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha, neste ponto o Brasil enfrenta uma fragilidade na aplicação da legislação. Embora a Lei das S.As delimite a conduta de um administrador e cuide dos vários aspectos que possam configurar uma atuação indevida, a sua aplicação pelo Judiciário tem sido realizada de maneira equivocada. “Como conhece pouco da realidade das companhias abertas, o Judiciário nem sempre decide as questões da maneira mais adequada.”

Para Cantidiano, os problemas mais graves ocorrem nos processos fiscais e trabalhistas. Estimulado pelas facilidades do sistema de penhora online, o Judiciário sai em busca de pessoas ligadas à companhia (e até de ex-administradores) que possuam bens disponíveis para garantir as dívidas. Assim, um conselheiro que deixou a empresa muito antes do fato gerador do processo pode ter seus bens congelados de um dia para outro, sem sequer ser avisado. Na opinião de Cantidiano, se esse procedimento não for aperfeiçoado, o mercado corre o risco de carecer de pessoas capacitadas que se disponham a assumir as responsabilidades pela administração de uma corporação diante de um cenário de insegurança jurídica.

Um redutor do problema, ainda bastante novo no Brasil, seria o seguro conhecido como Directors & Officers. Por meio dele a companhia contrata uma apólice de proteção ao patrimônio do administrador em casos de litígio. Outra solução estaria no desenho do estatuto social: o artigo 158 da Lei das S.As permite que as responsabilidades de cada executivo sejam especificadas, desobrigando-os do princípio de responsabilidade solidária (que determina ao corpo executivo uma responsabilidade compartilhada, sujeitando todos os membros às mesmas penalidades).


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