Nos últimos anos, o Conselho Monetário Nacional (“CMN”), o Banco Central do Brasil (“BCB”) e a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) vêm construindo uma importante agenda regulatória voltada para o aumento de competitividade e de segurança na negociação de recebíveis mercantis.
Assim como foi feito em relação aos recebíveis de arranjos de pagamento (por meio da Resolução CMN nº 4.734, de 27 de junho de 2019, e da Resolução BCB nº 264, de 25 de novembro de 2022), os reguladores emitiram regras pautadas, em grande parte, na aplicabilidade das tecnologias de informação e comunicação ao mercado financeiro. O objetivo era endereçar dois pontos que trazem fragilidade na negociação de duplicatas: 1) a não obrigatoriedade de utilização de duplicatas escriturais e do registro de sua negociação em sistema de registro; e 2) a necessidade de fortalecimento das medidas de controle e monitoramento dos recebíveis mercantis.
A aquisição de duplicatas escriturais por FIDCs
A relevância do primeiro ponto refere-se à viabilidade de confirmação da unicidade das duplicatas. Ao não existir obrigatoriedade de utilização de duplicatas escriturais e do seu registro em sistema de registro, não há como garantir que a mesma relação mercantil não tenha sido formalizada em diferentes títulos de crédito e negociada com múltiplas partes. Para endereçar essa questão, os reguladores emitiram regras exigindo que instituições financeiras e fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDCs”) passem a cumprir tais exigências.
A obrigatoriedade de instituições financeiras em utilizar exclusivamente duplicatas escriturais na negociação de recebíveis mercantis está prevista no artigo 3º da Resolução BCB nº 4.815, de 4 de maio de 2020 (“Resolução BCB 4.815”), observados os prazos e parâmetros estabelecidos em tal dispositivo regulatório.
Por meio dos artigos 33, inciso III, e 37 do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022, conforme alterada (“Resolução CVM 175”), que entra em vigor em 2 de outubro de 2023, a CVM também passa a exigir que o gestor de FIDCs registre os direitos creditórios por ele adquiridos em entidade registradora, desde que os ativos em questão sejam passíveis de registro. Ao fazer tal exigência e considerando que duplicatas escriturais são passíveis de registro, a CVM também passa a exigir, a partir da vigência da Resolução CVM 175, que os FIDCs constituídos com base em tal regulamentação somente possam adquirir duplicatas que sejam escriturais e que tenham suas negociações devidamente registradas em entidades registradoras.
Apesar de não exigir que todas as pessoas emitam duplicatas escriturais, ao criar a obrigatoriedade das principais fontes de recursos nesse mercado, as instituições financeiras e os FIDCs, de apenas operar com duplicatas escriturais cujas negociações sejam registradas em entidades de registro, os reguladores, indiretamente, passam a fazer com que grande parte das empresas interessadas em negociar recebíveis mercantis emitam duplicatas escriturais.
Procedimentos a serem adotados pelos prestadores de serviços
O segundo ponto de fragilidade acima indicado também está sendo endereçado pelos reguladores. Especialmente por meio da Resolução BCB n° 339, de 24 de agosto de 2023 (“Resolução BCB 339”), que substitui a Circular BCB nº 4.016, de 04 de maio de 2020 (“Circular BCB 4.016”), e da Resolução CMN nº 5.094, também de 24 de agosto de 2023 (“Resolução CMN 5.094”), que altera dispositivos da Resolução BCB 4.815.
A Resolução BCB 339, que entrou em vigor em 1º de setembro de 2023, fortalece as medidas de controle e monitoramento dos recebíveis mercantis ao atualizar e especificar os procedimentos que devem ser adotados pelos prestadores de serviço de escrituração, registro e depósito central de duplicatas escriturais introduzidos quando da edição da Circular BCB 4.016.
Dentre as inovações trazidas pela Resolução BCB 339 (sem prejuízo das obrigações já existentes na Circular BCB 4.016 e que foram mantidas na Resolução BCB 339), os escrituradores passarão estar obrigados a: 1) notificar o sacado a respeito da transferência da titularidade da duplicata escritural ou da constituição de gravame sobre ela; 2) realizar a conciliação das informações sobre as duplicatas escriturais emitidas com as registradas em sistemas de registro ou depositadas em depositários centrais e os efeitos de atos e contratos sobre as duplicatas escriturais negociadas, em vista das informações contidas em sistemas de registro ou em depositários centrais; e 3) acatar e tratar contestações, inclusive no âmbito da interoperabilidade entre sistemas, quando necessário.
Nos termos da Resolução BCB 339, os escrituradores deverão manter em seus sistemas informações atualizadas sobre as formas e os instrumentos de pagamento vinculados ao pagamento da duplicata escritural. Deverão também trocar informações com as instituições responsáveis pelo controle da emissão ou da liquidação do instrumento de pagamento, prevendo, inclusive, a possibilidade de: 1) solicitar, a pedido do titular da duplicata escritural ou beneficiário de garantia constituída sobre ela, a emissão de instrumento de pagamento e sua vinculação ao título emitido previamente; 2) recepcionar solicitação de emissão de duplicata escritural e sua vinculação a instrumentos de pagamentos previamente emitidos, na hipótese em que o destinatário dos recursos for o sacador; 3) recepcionar solicitação de cancelamento de forma ou de instrumento de pagamento vinculado a duplicata escritural; e 4) recepcionar informação de confirmação da liquidação de instrumento de pagamento.
Controle e monitoramento
Estabelece ainda a Resolução BCB 339 a obrigatoriedade de os escrituradores associarem a duplicata escritural à nota fiscal eletrônica ou a outro documento fiscal eletrônico correspondente por ocasião de sua emissão, desde que tenha acesso a tais documentos. Com relação a este ponto, escrituradores atuantes no mercado já estão aptos a realizar o monitoramento de recebíveis mercantis por meio informações recebidas da Receita Federal em relação à duplicada em questão. Como exemplo: 1) emissão nota fiscal; 2) valor e data de pagamento; 3) alterações de nota fiscal já emitida, incluindo cancelamento; 4) baixa de CNJP do emissor; 5) nota de saída da mercadoria; 6) nota de transporte; e 7) passagem de mercadoria por ponto fiscal.
Com base nas medidas de controle e monitoramento acima indicadas, e na existência de eventos limitadores de negociação, os participantes ficarão impedidos de realizar o registro de negociações de duplicatas escriturais. São exemplos de eventos limitadores de negociação (assim entendida como endosso ou constituição de garantias): 1) a existência de negociação anterior em relação a mesma duplicada escritural; 2) o cancelamento da nota fiscal atrelada à duplicada escritural em questão; 3) a não existência de saldo suficiente na nota fiscal atrelada à duplicada escritural em questão; e 4) a baixa do CNPJ do emissor da duplicada escritural.
Em linha com a Resolução BCB 339, a Resolução CMN 5.094, que entrou em vigor em 1 de setembro de 2023, alterou dispositivos da Resolução BCB 4.815, que trata da obrigatoriedade de instituições financeiras em utilizar exclusivamente duplicatas escriturais na negociação de recebíveis mercantis.
Dentre as alterações previstas na Resolução CMN 5.094, destacam-se: 1) a modificação de prazos para o início da obrigatoriedade para instituições financeiras negociarem recebíveis mercantis exclusivamente por meio de duplicatas escriturais (de 180 dias a 540 dias contados da implementação da última etapa de funcionalidades de interoperabilidade, conforme previsto na regulamentação editada pelo BCB, a depender do porte da contraparte — se empresa de grande, médio ou pequeno porte); 2) a obrigatoriedade de guarda de documentação comprobatória da realização de testes de integração com sistemas de registro e de depósito centralizado de duplicatas pelo prazo de cinco anos, a contar do encerramento desses testes; 3) a necessidade de observância de racionalidade econômica para dimensionamento de garantias de operações de crédito na forma de duplicatas escriturais e recebíveis mercantis a constituir; 4) a obrigatoriedade de recepção e tratamento de contestações encaminhadas por participantes relativas à utilização de duplicatas escriturais; e 5) a obrigatoriedade de realização de conciliação, com os sistemas de registro ou de depósito centralizado com os quais possuam relacionamento, de informações sobre autorizações para consulta de agendas de duplicatas escriturais e contratos de negociação dessas agendas.
Mais segurança
As inovações introduzidas pela Resolução BCB 339 e pela Resolução CMN 5.094 aprimoram significativamente as medidas de controle e monitoramento dos recebíveis mercantis, o que, somado ao incentivo indireto dos reguladores às empresas interessadas em negociar recebíveis mercantis em emitir duplicatas escriturais (ao exigir que instituições financeiras e FIDC somente negociem recebíveis mercantis formalizados em duplicatas escriturais, nos termos da Resolução BCB 4.815 e da Resolução CVM 175), podem trazer mais segurança na negociação de tais ativos, mitigando riscos de fraude e dupla cessão.
Nesse sentido, a recente atualização regulatória sobre duplicatas escriturais tem um grande potencial de fomento do mercado de securitização de recebíveis, seja via a emissão de valores mobiliários por companhias securitizadoras, seja via FIDCs. Confere, afinal, maior segurança jurídica aos ativos negociados nessas operações.
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