O Conselho Monetário Nacional (CMN), em um passo importante para o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais, reformulou as regras que incidem sobre os derivativos de crédito. Utilizados primordialmente para gestão e mitigação de riscos, esses instrumentos transferem o risco de crédito de uma parte para outra sem transferir o ativo subjacente.
A Resolução CMN 5.070, de 20 de abril de 2023, em vigor desde 1° de junho, marca o desfecho de um debate iniciado desde a introdução da modalidade no arcabouço regulatório brasileiro, há mais de 20 anos. As discussões centravam-se nas limitações da norma anterior e na necessidade de modernização da regulamentação de derivativos de crédito no Brasil.
Fim dos entraves
Embora o normativo anterior, a Resolução CMN 2.933, de 28 de fevereiro de 2002, tenha vigorado durante todos esses anos, acredita-se que a sua rigidez e seu desalinhamento com a regulação prudencial atual tenham dificultado o desenvolvimento desse produto no País. Em virtude dessas limitações, o mercado acabou utilizando outras formas de transferência de riscos. Por exemplo, operações ativas vinculadas, cessões e securitizações de crédito, seguros de crédito, dentre outras.
A nova regra foi resultado da interlocução de participantes do mercado com o Banco Central do Brasil, que há anos analisava a reforma do marco regulatório. Segundo o próprio regulador, a mudança busca impulsionar o mercado de crédito e alinhar o produto às melhores práticas internacionais. A Resolução CMN 5.070, portanto, foi editada com o objetivo de superar os obstáculos que limitavam o mercado de derivativos de crédito. Seu propósito é oferecer mais segurança e regras mais claras para as contrapartes.
Principais inovações da Resolução CMN 5.070
A norma expande as aplicações de derivativos de crédito na administração do risco ao flexibilizar tanto as obrigações financeiras passíveis de transferência como os potenciais receptores do risco, com destaque para as seguintes alterações:
· Modalidades
A Resolução CMN 5.070 reconhece duas modalidades de derivativos de crédito:
1) – swap de crédito (credit default swap, CDS): a) quando a contraparte transferidora do risco paga à contraparte receptora do risco a taxa de proteção estabelecida no contrato; e b) em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de crédito contratualmente previstos, a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora a proteção contratada. Isso pode ocasionar, conforme acordado, a liquidação antecipada parcial ou total do contrato; e
2) – swap de taxa de retorno total (total return swap, TRS): a) quando a contraparte transferidora do risco transfere à contraparte receptora do risco os valores associados ao fluxo de recebimento de encargos e/ou contraprestações relativos à obrigação de referência, além da variação positiva em seu valor de mercado, em datas contratualmente estabelecidas; b) quando a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora do risco uma parcela de juros baseada em taxa (fixa ou variável) contratualmente estabelecida, além de eventual variação negativa no valor de mercado da obrigação de referência; e c) em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de créditos contratualmente previstos, poderá ocorrer a liquidação antecipada do contrato, com os pagamentos devidos pelas contrapartes dos valores e taxas de que tratam as alíneas “a” e “b” deste tópico.
· Expansão do rol de contrapartes aptas a atuarem como receptoras de risco de crédito
A norma introduziu a possibilidade da atuação de entidades não financeiras como provedoras de proteção. Aí incluem-se fundos de investimento, seguradoras, entidades de previdência, entre outras, desde que atendam aos requisitos de investidor profissional pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Antes da flexibilização, apenas instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central tinham permissão para atuar como receptoras.
· Contratação de operações com partes relacionadas
Outra inovação importante é a possibilidade da contratação das operações com parte relacionada, inclusive integrante do mesmo conglomerado prudencial, o que era vedado na regra anterior. Dessa forma, as instituições terão mais opções para alocação do risco. A permissão foi fundamentada no fato de que a apuração de riscos e de capital é realizada de forma consolidada pelas instituições do mesmo conglomerado prudencial. Desse modo, a transferência de riscos entre essas instituições não é computada para fins prudenciais, como requerimento de capital, de troca de margens bilaterais, de mitigação do risco de crédito ou de cálculo de limites operacionais.
· Especificação de índices
Faculdade de especificação de índices de crédito, índices de ativos, cestas ou carteiras de referência como entidades e obrigações de referência dos derivativos de crédito.
· Referência em fluxos financeiros em moeda estrangeira
Permissão para a realização de derivativos de crédito com fluxos financeiros denominados ou referenciados em moeda ou indexadores diversos dos que denominam ou referenciam a obrigação de referência.
· Permissão para usar obrigações de menor liquidez como referência
A nova regra permite que os derivativos de crédito tenham como referência obrigações de menor liquidez, desde que a metodologia de precificação adotada esteja de acordo com as regras aplicáveis a derivativos no geral. Na norma anterior, apenas os ativos negociados em mercado organizados poderiam figurar como parâmetro para a transferência de risco de crédito a descoberto.
· Flexibilização da exigência de manter a titularidade da obrigação de referência para a contraparte transferidora do risco
A exigência de manutenção da titularidade da obrigação de referência pela contraparte transferidora do risco passa a ser obrigatória apenas nas hipóteses em que a referência seja uma ou mais operações de crédito ou de arrendamento mercantil.
Em geral, os aprimoramentos feitos na norma foram positivos. Porém, parece-nos que há alguns pontos de atenção que podem contribuir (ou não) para o avanço do uso dos derivativos de crédito no País.
Por exemplo, se os tipos de eventos de crédito admitidos na contratação dessas operações previstos no artigo 11 da norma devem ser considerados taxativos ou não. Mais flexibilidade e liberdade para as partes nesse quesito poderiam contribuir para o avanço do produto.
Adicionalmente, a faculdade prevista na norma de as partes elegerem um terceiro independente para determinar a ocorrência de um evento de crédito também nos chamou atenção. Embora não seja uma obrigação, pela nossa experiência, dificilmente uma instituição financeira (que possui capacidade e muita experiência) optaria por delegar essa função tão importante a um terceiro.
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