Em decisão unânime proferida em 29 de outubro de 2019 no âmbito de processo administrativo sancionador (PAS)1, o colegiado da CVM impôs pena de advertência à Lajeado Energia S.A. pela não realização de oferta pública de aquisição de ações (OPA) da Investco S.A. por aumento de participação. Houve, segundo o colegiado, descumprimento do § 6º do art. 4º da Lei 6.404/76 (Lei das S.As.) e do art. 26 da Instrução 361, o que é considerado infração grave pelo art. 36 da mesma Instrução.
O PAS foi instaurado pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) a partir de reclamação de acionistas da Investco. Eles alegaram que aquisições de ações preferenciais de emissão da companhia feitas pela Lajeado (que comprou ações preferenciais PNA e PNB em 2007 e 2008) e, posteriormente, pela EDP Energias do Brasil S.A. e pelas companhias signatárias de acordo de acionistas da Investco2 (que adquiriram ações PNA e PNB no mercado, bem como ações PNC por subscrição e integralização de ações em aumento de capital, em 2008 e 2009) deveriam ter ensejado OPA por aumento de participação destinada a todas as classes de ações preferenciais da companhia.
A SRE, inicialmente, reconheceu que o fato de as investigadas serem signatárias de acordo de acionistas da Investco com cláusula de acordo de voto à época era suficiente para que fossem tratadas como partes vinculadas, para fins da Instrução 361.
Afastando o pleito dos reclamantes de que a OPA deveria ter sido formulada para todas as classes de ações preferenciais, a área técnica decidiu que a OPA por aumento de participação para ações PNA teria sido ensejada pela aquisição de ações dessa classe pela Lajeado no primeiro trimestre de 2008. Concluiu também que a OPA por aumento de participação referente às ações PNB teria sido ensejada por aquisições da totalidade das ações dessa classe por Lajeado, EDP Lajeado e Paulista Lajeado ao longo de 2008 e sem realização de OPA. Por esse motivo, verificou-se a impossibilidade de realização de OPA por aumento de participação para as ações PNB.
A SRE, por outro lado, consistentemente com outros precedentes, afastou o argumento de que seria devida OPA por aumento de participação quando o controlador ou pessoa a ele vinculada exercer direito de subscrição de ações em aumento de capital da controlada, inclusive de sobras — pelo que, nesse caso, não se aplicaria a OPA por aumento de participação reclamada para as ações preferenciais PNC. Por fim, sustentou que a infração apontada não deixou de existir nem perdeu sentido por formulação superveniente de OPA por aumento de participação das ações PNA, e que não restou prejudicada a infração diante da impossibilidade de realização de OPA para as ações PNB. Isso tudo considerado, a SRE decidiu que Lajeado, EDP Lajeado e Paulista Lajeado3 deveriam responder pela inobservância do § 6º da Lei das S.A. e do art. 26 da Instrução 361.
Interessante notar que a Investco, embora companhia aberta, nunca tivera suas ações listadas em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado. A propósito, após o colegiado da CVM ter indeferido recurso e pedido de reconsideração das acusadas, a Lajeado formulou OPA por aumento de participação destinada às ações preferenciais PNA da Investco, que teve apenas dois acionistas como destinatários, e nenhum deles manifestou interesse em aderir à oferta. A esse respeito, tanto a área técnica quanto o colegiado da CVM afastaram os argumentos apresentados por EDP e Lajeado de que a ausência de liquidez das ações deveria afastar a incidência das normas sobre a necessidade de realização de OPA por aumento de participação. Reiteraram, em suas decisões, o entendimento de que deve ser objetiva a análise do critério disposto no art. 26 da Instrução 361, não cabendo juízo sobre o grau de liquidez das ações em circulação da companhia.
O julgamento do colegiado da CVM sobre o PAS em outubro de 2019 focou, então, nas consequências da realização superveniente — e intempestiva — da OPA por aumento de participação vis-à-vis a responsabilidade da Lajeado pelas referidas infrações.
Após analisar o caso, o diretor relator Carlos Rebello ponderou que as referidas normas devem ser aplicadas tendo em vista sua finalidade e as circunstâncias do caso concreto. Registrou que elas objetivam mitigar os efeitos deletérios da redução da liquidez das ações remanescentes após o limite do percentual de ações em circulação ser ultrapassado. Entretanto, na inexistência desses prejuízos, ou quando de seu ressarcimento, a adequação desse limite mereceria reflexão em face dos propósitos da atuação sancionadora da CVM.
Concluiu, assim, ser inadequado e não razoável punir uma companhia que não formule OPA por aumento de participação (por infração ao § 6º do art. 4º da Lei das S.A. e ao art. 26 da Instrução 361) quando já tiver havido cumprimento superveniente da obrigação imposta por essas normas e não tiver havido impedimento de liquidez ou prejuízo para os acionistas remanescentes.
Sobre o caso concreto, Rebello ponderou que a conduta irregular da Lajeado teria sido sanada pela realização posterior da OPA e que a ausência de liquidez das ações preferenciais da companhia desde antes do fato gerador da OPA, bem como a não adesão dos destinatários da OPA formulada pela Lajeado, seriam indícios da ausência de prejuízo a esses minoritários.
Votou pela responsabilização da Lajeado por sua omissão, ao não formular a OPA por aumento de participação, notadamente por não terem sido demonstradas a inexistência de prejuízo aos acionistas da Investco que venderam suas ações após a Lajeado ter ultrapassado os limites legais, mas antes da OPA (ou, no caso dos detentores de PNB, justamente por essas aquisições terem tornado inviável a realização de OPA para essa classe); e pelas providências tomadas para seu eventual ressarcimento. Considerou como atenuantes a favor da acusada o fato de que a demora da OPA se deu pela pendência de julgamento de recurso contra decisão da SRE e, ainda, a posterior realização da OPA propriamente dita.
Acompanhando o voto do diretor relator Carlos Rebello, o colegiado da CVM decidiu, por unanimidade4, pela condenação da Lajeado à advertência pela acusação formulada.
A diretora Flávia Perlingeiro concordou com a penalidade aplicada pelo relator por causa das circunstâncias atenuantes do caso, em especial a ausência de impacto significativo no mercado de valores mobiliários; os bons antecedentes da acusada; e a posterior realização da OPA. Porém, a diretora divergiu da argumentação do relator de que a realização posterior da OPA por aumento de participação poderia ter efeito saneador, repercutindo como se a infração não tivesse existido, tendo sido acompanhada pelo diretor Henrique Machado em sua manifestação.
Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio; e Rodrigo Moreira ([email protected]), associado sênior de Pinheiro Neto Advogados
[1]CVM RJ2016/773 (SEI nº 19957.000710/2016-34)
2A reclamação original foi tratada no Processo RJ2011/1770, envolvendo, além da Lajeado, também EDP Energias do Brasil S.A., EDP Lajeado Energia S.A. e Paulista Lajeado S.A.
3Posteriormente, a SRE concluiu que EDP Lajeado (incorporada pela Lajeado) e Paulista Lajeado não poderiam ser acusadas dessas infrações, dado que o § 6º do art. 26 da Instrução 361 apenas entrou em vigor após as negociações de ações relevantes para os processos.
4O presidente Marcelo Barbosa e o diretor Gustavo Gonzalez não participaram do julgamento.
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