A arbitragem tributária já é aceita internacionalmente nos acordos contra a bitributação — casos do MPA (mutual agreement procedure), da BEPS Action 14 e do APA (advanced pricing agreement) — e também no direito interno de países — Portugal é um exemplo. No Direito brasileiro, superada a falácia de que a arbitragem violaria o princípio da inafastabilidade do controle de lesão ou ameaça de direito pelo Poder Judiciário[1], ainda há uma resistência (a nosso ver, infundada) em torno da viabilidade de instauração do procedimento arbitral para temas que envolvem tributação.
Essa renitência está fundamentada em quatro proposições: a violação aos princípios da legalidade e tipicidade, a violação da isonomia, a indisponibilidade do crédito tributário e a vedação à “renúncia fiscal”. Todavia, esses argumentos podem ser seguramente superados e contrapostos quando o interesse de prevenção do litígio e a solução rápida de conflitos, somados à expertise voltada para matéria tributária, passam a ocupar o protagonismo dos interesses do contribuinte e do fisco.
Em primeiro lugar, a administração pública estará, no curso do procedimento arbitral devidamente regulamentado, agindo sob atos pautados em estrita legalidade, condicionada por um direito prévio a contraditório para solucionar um conflito de pretensões com o contribuinte sobre a matéria controvertida. A tipicidade do tributo objeto da discussão pela via arbitral em nada será alterada.
Quanto ao argumento segundo o qual a arbitragem tributária representaria renúncia de receita — submetida, portanto, às limitações da Lei Complementar 101/00: ela jamais pode ser considerada um “benefício” ao contribuinte, na medida em que um terceiro, imparcial, decidirá com base em fatos e argumentos jurídicos uma controvérsia emergida de uma relação jurídica, não havendo vantagem unilateral para quaisquer das partes (administração ou contribuinte). São premissas da arbitragem a imparcialidade, a tecnicidade e a confiabilidade.
A finalidade da limitação contida na Lei Complementar 101/00 é simplesmente evitar que o legislador ordinário conceda vantagens a determinados contribuintes sem uma razoável justificativa, o que poderia, por conseguinte, reduzir a arrecadação.
Assim, caso ao fim do procedimento arbitral haja uma aparente renúncia caracterizada pela redução do montante do crédito tributário originalmente exigido e cobrado, isso significa que ele não era, juridicamente, o devido (por força de lei) pelo contribuinte.
Portanto, o juízo arbitral é apenas o meio pelo qual será criada a norma tributária individual e concreta obtida pela subsunção do fato à hipótese de incidência prevista em lei. Não cria, majora ou extingue o crédito tributário. A extinção se dá com o pagamento, a prescrição, a decadência, o parcelamento ou a remissão. Essas sim são as causas jurídicas da extinção do crédito tributário.
Nesse particular, o legislador ordinário, ao fixar as balizas que vão orientar a condução da arbitragem, indicou limitações de valores, temas ou tributos que podem ou não ser objeto de arbitragem, assim como a forma pela qual se dará o pagamento ou restituição do tributo. Com isso ele permitiu que o contriubinte encerre o procedimento arbitral com a indicação de procedimentos para a liquidação do crédito tributário, sem a necessidade de uma peregrinação infindável ao órgão administrativo — e, não raro, ao Poder Judiciário — para obter uma solução definitiva para seu caso.
Em razão dos princípios constitucionais de eficiência, moralidade e acesso à Justiça, a arbitragem tributária não só é louvável, mas atualmente imprescindível para a redução de contenciosos generalizados e massivos. Ela desafoga a estrutura judicial saturada, confere celeridade à resolução dos conflitos e maior tecnicidade às decisões proferidas (por especialistas em matéria tributária, contrapondo-se à ausência de tribunais fiscais no País); por vezes, até diminui custos (diretos e indiretos), tanto para a Fazenda quanto para o contribuinte. A experiência portuguesa é, sem dúvida, um caso de sucesso que pode ser tomado de exemplo.
*Richard Edward Dotoli ([email protected]) e Leonardo Freitas de Moraes e Castro ([email protected]) são sócios de CTP Advogados
[1] STF, AgRg na Sentença Estrangeira 5.206/Espanha, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.04.2004.
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