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Foco em tecnologia
Edemir Pinto

, Foco em tecnologia, Capital AbertoO desenho dos negócios de bolsas de valores no ambiente global ainda é nebuloso para muita gente. Nem mesmo o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, está compreendendo movimentos surpreendentes como a aquisição do maior símbolo do mercado de capitais no mundo, a Bolsa de Nova York, pela Deutsche Börse, da Alemanha — um país cuja história sempre esteve muito mais associada aos empréstimos bancários do que às sociedades por ações. Mas tudo bem, isso não é o mais importante para ele neste momento. O foco do presidente da Bolsa é investir com arrojo em tecnologia, de modo a atrair liquidez e diferenciar o pregão verde e amarelo no tabuleiro internacional. Adquirir participações em outras bolsas não é prioridade no curto prazo, garante ele. O plano principal é desenvolver parcerias que gerem volumes de negócios no mercado local e fortaleçam o pregão. Sobre a meta de 5 milhões de investidores pessoas físicas até 2014, Edemir Pinto já não fala com o mesmo entusiasmo que lhe é característico, como mostra a entrevista a seguir.

CAPITAL ABERTO: Como o senhor interpreta o movimento de consolidação de bolsas de valores em curso no mercado internacional? Esperava que um dia a Deutsche Börse compraria a Nyse?

EDEMIR PINTO: Não, essa operação foi uma surpresa para mim. Já tinha um movimento natural de bolsas médias buscando o seu espaço. Vimos a operação de Cingapura com Austrália (a fusão de US$ 8,3 bilhões anunciada em outubro de 2010 e rejeitada pelo governo australiano no início de abril), depois veio a Bolsa de Londres com Toronto (cuja fusão foi submetida à análise das autoridades canadenses no fim de abril). Mas quando veio a proposta da Deutsche Börse para comprar a Nyse, aí a coisa mudou de figura. Não em razão do valor de mercado da Nyse, que hoje está muito próximo das bolsas de Cingapura e da australiana. Mas pelo que a Nyse representa para o mundo, principalmente para o mercado de capitais. A Nyse é a catedral do capitalismo mundial, certo? E aí, de repente, os alemães querem fincar uma bandeira em Wall Street.

Por que o conselho de administração da Nyse aceitou a proposta, na sua opinião?

A Nyse vem sofrendo nos últimos dez anos com o mercado de capitais nos Estados Unidos, devido à fragmentação do segmento, que viu surgir uma série de bolsas alternativas. A Nyse tem só 27% do volume negociado em bolsas nos Estados Unidos. Minha opinião é a de que ela quer mudar o seu modelo de negócios, deixando de ser uma trading para se tornar uma empresa vertical integrada. Nessa operação com a Deutsche, ela foi buscar justamente esse modelo (em que a central de liquidação e custódia pertence à bolsa de valores).

E como o senhor interpreta a oferta concorrente da Nasdaq OMX junto com a IntercontinentalExchange (ICE) pela Nyse?

Se a operação da Nyse se concretizar, qualquer CEO de bolsa do mundo terá de repensar a sua estratégia global”

Pois é, essa é ainda mais difícil de entender. A Nasdaq também é deficiente no seu modelo de negócio, não tem o modelo vertical integrado, tem participação semelhante à da Nyse no mercado americano e ainda possui uma fragilidade financeira que é pública. Por isso ela foi buscar a ajuda da ICE. A ICE, sim, é vertical integrada, mas só na parte de derivativos, não de ações. Então, vai ser necessário um investimento adicional se eventualmente essa operação prevalecer em relação à proposta da Deutsche (até o fechamento desta edição, o conselho de administração da Nyse mantinha-se fortemente contrário à proposta Nasdaq/ICE). Mas essa opção teria a vantagem para o mercado americano de não perder soberania e ficar nas mãos da Nasdaq. Também seria ótimo para a ICE, que ficaria ainda mais forte em derivativos e criaria um concorrente grande para a CME.

Em sua visão, os motivos que levam a Nyse a se consolidar são os mesmos que explicam os movimentos na Europa e na Ásia?

Não, não são as mesmas razões. Ali, eu vejo a Bolsa de Cingapura olhando a Ásia toda, vendo o crescimento de Hong Kong, das bolsas chinesas e procurando o seu espaço. Ela não quer ser alvo e está buscando a Austrália para criar musculatura e reservar o seu espaço para a próxima década. Já entre Londres e Toronto há um interesse claro de negócios. O Canadá é especialista nos mercados de metais e commodities em geral e interessa muito aos londrinos. É uma aposta, um potencial de negócios para o futuro.

No geral, parece que esse cenário de consolidação ainda está um tanto obscuro.

Sim, está obscuro. E aí é que eu sempre digo: se essa operação da Nyse se concretizar, seja com a Deutsche Börse ou com a Nasdaq/ICE, e se concretizar não só em termos regulatórios mas também políticos, eu acho que qualquer CEO de qualquer bolsa do mundo terá de repensar a sua estratégia global. Terá de achar no tabuleiro qual é o seu espaço.

Como o senhor enxerga nesse tabuleiro a posição das bolsas latino-americanas em relação à BM&FBovespa?

Primeiro esses países precisam se organizar: eles têm volumes muito pequenos e várias bolsas. Precisam ter um só mercado em cada país. Porque, atualmente, quem não tiver liquidez está fora. A questão é global, não tem mais muro, não tem mais porteira, não tem mais nada. Você tem que atrair pela liquidez. Por isso eu digo que as bolsas não deveriam mais se chamar bolsas, mas sim centros de liquidez. Quando os países da região se estruturarem, aí sim poderemos fazer parcerias de dupla estrada, ou seja, tentar levar produtos daqui para lá e trazer os produtos de lá para cá.

Mas você não pensa em comprá-los?

Não, o primeiro objetivo não é esse, a gente não sai para comprar ação de outra bolsa. O que a gente tem que procurar é parceria operacional, ou seja, atrair volume para poder ter mais liquidez. Nós estamos investindo muito em tecnologia, e é isso que nos dará força para atrair mais bolsas para uma aliança.

Então a BM&FBovespa não pensa hoje em algo parecido com o que estão fazendo Nyse e Deutsche Börse, Londres e Toronto ou Austrália e Cingapura?

Na minha visão, nós devemos priorizar as parcerias, as alianças com bolsas que falem a mesma linguagem e que nos permitam atrair liquidez de outros continentes. Aí eu falo de Ásia, por exemplo, que vejo como um potencial muito grande. Esse tipo de parceria, sim, pode ganhar musculatura, e, em algum momento, passa a fazer sentido participar das sessões estratégicas daquela bolsa. E como é que você faz isso? Compra uma participação e faz parte do conselho, como aconteceu com a CME. No momento, nós detemos 5% deles, e eles têm 5% daqui.

A aquisição de participações em outras bolsas não é, portanto, uma prioridade neste momento?

No curto prazo, não. Ainda não tenho a minha tecnologia acabada e não consegui apresentá-la para as bolsas do mundo. Quando eu estiver pronto, vou fazer a minha malinha e começar um roadshow pela Ásia toda, visitando as bolsas.

O senhor pensa em uma aquisição na Ásia?

Não é nosso objetivo comprar ações de outra bolsa. O que procuramos é parceria operacional para ter mais liquidez”

Se houver, será fruto de um acordo operacional, de um acordo tecnológico e de um acordo de produtos. Ato contínuo, aí sim, poderá haver alguma aquisição, mas essa será a quarta etapa. Porque a parceria comercial, tecnológica e de produtos interessa também à outra bolsa. Muitas vezes, você pode ter isso sem ter a aquisição. Na minha cabeça, a compra de uma participação ou de uma bolsa só cabe se essa etapa da parceria estiver materializada.

E o senhor cogita uma fusão com a CME?

Ora, a gente começou a namorar, noivamos, podemos até casar. Mas quando você namora e noiva também pode se separar, né? Então, eu diria que está em aberto. Na mesa, ainda não tem absolutamente nada sendo analisado em termos de fusão. Eu vejo pelos olhos da CNI, até porque eu também ocupo uma vaga no conselho lá, e vejo pelos olhos da nossa Bolsa. Nós estamos ainda numa fase de consolidação dessa parceria que começou em 2007. Os volumes estão crescendo a cada ano. Já listamos contratos deles aqui e estamos listando os nossos produtos lá. Não precisamos ter uma fusão. E mais: dificilmente seremos alvo de um interesseiro justamente por conta dessa parceria. Ela nos dá uma condição diferenciada. Quem poderia fazer uma oferta por uma das duas hoje? Só quem está em primeiro lugar em valor de mercado (Hong Kong é a primeira da lista). Porque a segunda é a CME, e nós estamos em terceiro.

Já ouvimos várias críticas ao fato de a Bolsa ser monopolista. O senhor considera possível ter um mercado de ações saudável com a presença de apenas uma bolsa?

Quem diz isso é porque não conhece o mercado de bolsas e, principalmente, não conhece o Brasil. Nós sofremos uma concorrência no mercado de ações desde quando foram lançados os ADRs. Agora, a Bolsa de Nova York tem lá alguns papéis de empresas brasileiras que negociam o dobro do que temos aqui na Bolsa. Isso não é ter concorrência? Não existe mais mercado de bolsa regional, até porque os bancos têm atuação global. E escreva o que vou te dizer: a nossa Bolsa terá um modelo único de negócios no mundo em 2012, quando encerrarmos todas as fases de investimento em tecnologia.

Quais são as novidades nessa área?

Nós teremos, por exemplo, o único modelo de gerenciamento de risco integrado do mundo. Possuímos quatro clearings: de derivativos, ações, câmbio e ativos. Agora vamos integrar tudo isso, de modo que o sistema de riscos, para chamada de margens e garantias, olhará o risco do portfólio integrado do investidor, incluindo as operações que ele tem no mercado de balcão. Isso permitirá a redução da chamada de margem sem perder segurança. Será um “drive” de crescimento para a bolsa em que ela não será colocada como central contraparte em risco. Olharemos o portfólio inteiro do investidor e calcularemos o risco, chamando a menor margem possível (hoje, o investidor confere margem para cada clearing da Bolsa). Com isso, ele vai conseguir alavancar muito mais.

Um dos projetos anunciados neste ano pela BM&FBovespa é a criação de um ambiente para a negociação de grandes lotes de ações, a chamada Block Trade Facility, semelhante às dark pools norte-americanas. Como evitar que essa plataforma tenha os problemas diagnosticados la fora?

O projeto ainda não foi totalmente definido e depende da aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A ideia é que a Block Trade Facility reúna investidores institucionais que aceitem mais custos para operar nela, especificamente com grandes lotes de ações, sem causar volatilidade no mercado. Então, o pregão tradicional manterá a sua atratividade. Além disso, haverá transparência sobre os preços fechados nessa plataforma. Após a conclusão das operações, os preços vão ajudar a compor o volume de negociação e as cotações do segmento Bovespa, de modo que ele represente a liquidez do mercado de ações como um todo.

Ainda dá tempo de atingir os 5 milhões de investidores pessoas físicas que o senhor definiu como meta para 2014?

Quando definimos essa meta, nós partimos de algumas premissas. A primeira era a queda dos juros. Sem ela, não há incentivo ao ingresso da pessoa física. A segunda era o aumento da renda per capita, e a terceira a continuidade do equilíbrio macroeconômico. Se essas três coisas demorarem mais para acontecer do que imaginamos, nós também vamos demorar mais para chegar aos 5 milhões.

O senhor está revisando essa meta?

Ainda não, mas já estamos pensando nisso. A questão principal do nosso projeto é a educação, é tirar os medos e os mitos que as pessoas têm e levar conhecimento sobre o mercado de ações. Você acredita que tem gente que acha que para comprar uma ação é preciso vir até a Bolsa?


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