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Impondo limites
Proposta de nova instrução para fundos restringe possibilidades de risco para o investidor de varejo e desagrada gestores

 

Semanas atrás, o mercado de fundos de investimentos se deparou com o que será a sua realidade após a tão esperada queda nas taxas de juros. Uma minuta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi colocada em audiência pública com novas e profundas mudanças na Instrução 409, que regulamenta o setor desde agosto de 2004. A surpresa maior ficou por conta da obrigatoriedade de os gestores respeitarem, além dos limites por emissor já existentes na instrução atual, restrições por tipo de ativo. O documento estará no site da autarquia até o dia 9 de junho, à espera de comentários do público.

A principal mudança recai sobre os fundos de renda fixa, cambial e DI dirigidos ao varejo. Hoje, a instrução diz apenas que os dois primeiros devem possuir, no mínimo, 80% da carteira em ativos relacionados ao fator de risco que dá nome à classe. Já para os fundos referenciados (nos quais se incluem os DIs), é obrigatório que 80% do patrimônio esteja alocado em títulos do governo ou de renda fixa (sejam eles públicos ou privados) cujo emissor seja de baixo risco. Ou seja: pelas regras atuais é possível que todos os recursos desses fundos estejam concentrados em um único ativo — mesmo que esse ativo seja emitido por empresas privadas de pouca liquidez e baixa transparência — exatamente a situação que agora a CVM quer evitar.

Com as novas regras, os fundos de renda fixa, cambial e DI serão obrigados a ter, pelo menos, 70% do seu patrimônio líquido aplicado em títulos do governo. Os 30% de recursos restantes terão de obedecer a limites máximos de investimento de acordo não apenas com o tipo de emissor (instituições financeiras, empresas e outros), mas, também, com o tipo de ativo (ações, debêntures, CPRs etc.).

Na visão do regulador, os limites são necessários para evitar que os gestores se empolguem com a redução da taxa Selic, trocando o atual carro-chefe da maioria das carteiras — leia-se os títulos públicos — por ativos privados que tenham maior risco e, portanto, possam oferecer maior rentabilidade. O raciocínio por trás dessa idéia é simples: com a redução do risco país, a tendência é que surjam dezenas de emissores de títulos privados no mercado de capitais. Conseqüentemente, as chances de esses ativos ocuparem um espaço maior nos fundos também crescem. “Nessa hipótese, o pequeno investidor poderá não estar suficientemente protegido se não houver um teto para cada tipo de ativo e de emissor na composição dessas carteiras”, explica o superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, Henrique Vergara.

Em outras palavras, a CVM quer dizer que tem receio de o mercado assistir a um novo desastre no setor, como o ocorrido com os cotistas dos fundos geridos pelo Banco Santos. O órgão não chega a citar diretamente o episódio, mas gosta de mencionar, como forma de enriquecer seus argumentos, a história de uma instituição que levou seus investidores à derrocada por administrar carteiras formadas, quase na sua totalidade, por papéis de altíssimo risco.

Outra fonte de preocupação viria do fato de o investidor brasileiro ainda ser carente de informações sobre os riscos dessas aplicações. Ora, não é difícil encontrar quem enxergue num fundo DI, por exemplo, a mesma segurança que uma caderneta de poupança oferece. O que não é verdade. Como ultimamente os títulos públicos vinham ocupando a maior parcela das aplicações nos fundos de varejo — 86% do patrimônio líquido de carteiras com mais de 2.000 cotistas, segundo dados da CVM — essa comparação inocente não era motivo para alarde. Mas agora que os gestores tendem a se voltar para ativos com retornos mais apetitosos que a Selic, o sino tocou.

MERCADO DE MAU HUMOR — A idéia, contudo, não agradou os gestores dessas carteiras. William Trosman, sócio da Mauá Investimentos, acredita que os tetos sugeridos pela CVM podem prejudicar o mercado brasileiro de fundos, cuja retomada começava a ser ensaiada desde a previsão de o Brasil adquirir o famoso grau de investimento. “Os limites atrapalham, por exemplo, o mercado de créditos privados. Por que proibir um fundo de varejo de investir todo seu patrimônio em recebíveis da Petrobras, por exemplo?”, questiona Trosman. “A melhor maneira de proteger o investidor é pela transparência, com informações claras sobre onde está sendo aplicado o dinheiro do fundo.”

A reação na Polo Capital Management também não foi diferente, até porque a gestora mantém exatamente um fundo cuja carteira é 100% formada por créditos privados. “Má fé, como foi o que aconteceu no episódio do Banco Santos, existe em todo o lugar. O que não pode é isso virar argumento para restringir o mercado de fundos”, afirma Marcos Duarte, responsável pela gestão do portfólio da Polo. Para André Pines, também da Polo, se a intenção do órgão regulador era proteger o pequeno investidor, as medidas podem produzir um efeito contrário. “O pequeno investidor sai prejudicado por não ter acesso aos mesmos produtos que os investidores qualificados”, diz, referindo-se ao fato de a CVM ter dado mais liberdade às carteiras cujas aplicações mínimas se iniciam em R$ 300 mil.

Para entender os detalhes da instrução, antes de mais nada, é preciso partir de duas tradicionais categorias de fundos: os voltados a investidores qualificados (cuja aplicação mínima é de R$ 300 mil) e os fundos de varejo. Nessa última, como já foi mencionado acima, os fundos de renda fixa, DI e cambiais devem ter, no máximo, 30% do patrimônio aplicado em ativos privados.

O pedaço correspondente a esses 30% pode conter quatro categorias de ativos, cada uma com seu respectivo teto de aplicação. São elas: cotas de outros fundos, incluindo-se FIDCs e fundos imobiliários (no máximo 20% do patrimônio total); títulos de instituições financeiras (até 20%); títulos privados com registro na CVM, como ações e debêntures (até 20%); e papéis privados que não dependam de autorização da autarquia, como a Cédula de Produtor Rural (até 10%). Dentre esses percentuais, o gestor pode planejar os seus 30% como quiser. Exemplos: 20% de CDBs e 10% de CPRs ou 15% em ações, 5% em CPRs e 10% de cotas de outros fundos. E por aí vai.

Isso tudo, é claro, sem esquecer que prevalece o limite de concentração por emissor, já previsto na primeira versão da Instrução 409, que é de 10% para emissores privados não-financeiros e 20% para papéis de instituições financeiras. Assim, quando o gestor estiver montando sua carteira, deve tomar dois cuidados. O primeiro, de não ultrapassar a cota dos 30% e, o segundo, de não se concentrar em ativos de um único emissor.

MAIS TRANSPARÊNCIA, MAIS RISCO — Quer dizer que todos os fundos de varejo terão obrigatoriamente 70% de seus ativos concentrados em títulos públicos? Não. A CVM abriu duas possibilidades de diminuir esse percentual. A primeira delas vale para os fundos de renda fixa, os multimercados e os cambiais. Nos três, o gestor poderá ampliar o limite de aplicação em ativos privados de 30% para 50%, desde que cumpra os seguintes requisitos: 1) nomeie a carteira com a expressão “Fundo de Crédito Privado”; 2) aponte, tanto no prospecto quanto no material de divulgação, um alerta sobre as conseqüências da concentração em poucos ativos; e 3) faça o investidor assinar um termo de ciência dos riscos referidos no prospecto. Essa possibilidade, no entanto, não se aplica aos fundos DI. No entender da CVM, ele já está enraizado na percepção do público como um produto que concentra a maior parte do seu patrimônio em títulos públicos.

Já a segunda alternativa do gestor de um fundo de varejo que quiser driblar a cota mínima de 70% de aplicação em títulos públicos está na criação de uma carteira de multimercado. Esses fundos podem aplicar até 100% do seu patrimônio em qualquer ativo de renda variável, como, por exemplo, ações, de outros fundos de ações, de ADRs ou de certificados de depósitos de ações. Não há um limite por tipo de ativo nem tampouco um teto para a participação de um único emissor. Isso significa que pode haver um fundo só com ações da Petrobras, desde que, no regulamento, no prospecto e no material de divulgação haja um alerta quanto aos riscos.

De acordo com a minuta, também há permissão para que fundos multimercados apliquem até 10% do patrimônio no exterior, mas esse ativo precisa ser negociado em mercado organizado, supervisionado por um órgão regulador que mantenha acordo de cooperação com a CVM, ou signatário da International Organization of Securities Commissions (Iosco), a associação mundial das CVMs. O regulamento e o prospecto deverão conter alerta de que o fundo poderá realizar esse tipo de aplicação.

LIBERDADE PARA QUALIFICADOS — Tudo que foi descrito acima serve para a categoria dos investidores não qualificados. Para os outros — pessoas jurídicas, fundos de pensão e pessoas físicas cuja aplicação mínima for superior a R$ 300 mil — a história é outra, e bem mais flexível. Neste grupo dobram os percentuais dos limites, tanto por ativo quanto por emissor. Assim, enquanto um fundo de varejo deve ter no máximo 30% de títulos privados, as carteiras dos qualificados podem ser preenchidas com até 60% de papéis de bancos ou empresas. Os 40% restantes vão para papéis do governo.

Também foi duplicada a fatia máxima permitida não só por tipo de emissor, como também por tipo de ativo. Numa outra comparação com o varejo, se o fundo de investidor não-qualificado podia ter até 20% do patrimônio em ações, a carteira dos qualificados consegue manter 40% das aplicações em renda variável, desde que respeite o limite por emissor, nesse exemplo, de até 20% — e não 10%, como ocorre no varejo — para cada empresa escolhida.

Por fim, foi criada uma regra específica para gestores de carteiras cuja aplicação mínima se inicia a partir de R$ 1 milhão. Esses afortunados já estão sendo chamados pelo mercado de investidores super-qualificados. Nos fundos voltados a esse seleto público, sim, o gestor tem total liberdade para fazer o que quiser, pois não há limites nem de ativos nem para emissores.

O que vai acontecer daqui para diante é uma previsão difícil. Em meio ao tiroteio dos gestores e a preocupação da CVM em proteger o investidor e garantir-lhe transparência, Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados e expresidente do órgão regulador, tenta apaziguar os ânimos. “Num mercado livre, cada parte tende a se beneficiar ao seu modo, e o princípio da regulação é exatamente o de impor restrições para proteger os que têm menos recursos para lidar com os riscos.” Na avaliação de Cantidiano, no curto prazo, o custo dessas medidas chega até a parecer alto para os gestores dos fundos. Mas as restrições podem virar oportunas no futuro, na medida em que garantam a eficiência desse mercado. Só falta os gestores concordarem com isso.


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