Uma cuidadosa análise dos prospectos de companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado trouxe à tona práticas distantes do universo da boa governança e que são velhas conhecidas do nosso mercado de capitais. É o caso do contrato de consultoria entre a BrasilAgro e a Consultores Asset Management (empresa controlada por um dos seus sócios), que tem todas as características de uma taxa de administração (management fee), e também da licença de uso da marca que a TAM paga a uma sociedade controlada pela família Amaro, sua fundadora.
O management fee ficou célebre no final da década de 90, por ocasião da privatização das empresas de telecomunicações. Companhias como Telefônica, Brasil Telecom e as celulares Tele Sudeste, Telesp e Tele Leste cobravam a taxa respaldadas pela regulamentação, que previa aos novos controladores — na maioria dos casos, grandes empresas estrangeiras de telecomunicações — uma remuneração pelo conhecimento e a capacidade técnica que adicionariam ao negócio. A prática, contudo, sempre foi olhada com desconfiança pelos acionistas minoritários. Afinal, o potencial de desalinhamento de interesses é grande, dado que o acionista controlador é o próprio remunerado.
A taxa chegou a ser muito repudiada pelos acionistas da Telemar, cujo consórcio controlador cobrava um percentual da receita líquida da operadora (0,5% em 2002 e de 0,2%, em 2003) por sua contribuição à gestão. Neste caso, o problema estava justamente nos controladores em questão: ao contrário dos demais, que traziam vasta experiência internacional, estes não tinham especialização no segmento.
No caso da BrasilAgro, especialização não parece o problema. Pelo contrário, seus administradores fazem questão de ressaltar, no prospecto de lançamento dos papéis, a importância da Consultores Asset Management para a evolução do negócio. Na seção fatores de risco, eles chegam a condicionar a sobrevivência da empresa à continuidade do contrato.
Criada em meados de setembro do ano passado — e com pedido de oferta pública em análise pela CVM para abertura de capital — a companhia tem o objetivo de comprar, vender e arrendar propriedades rurais e, de maneira a valorizá-las para vendas posteriores, desenvolver cultivos de cana-de-açúcar e grãos, além de atividades relacionadas à pecuária e ao reflorestamento. O modelo de negócios é baseado no da argentina Cresud, cujo presidente (e detentor de 38,1% da companhia), Eduardo Elsztain, é também sócio do novo empreendimento brasileiro junto com a Tarpon Investimentos e com o presidente da Cyrela Brazil Realty, Ely Horn. Elsztain é ainda o principal acionista da consultoria contratada, a Consultores Asset Management que, na Argentina, é responsável direta pelo gerenciamento da Cresud desde 1994, que também lhe confere uma taxa de performance. Consultada pela reportagem da Capital Aberto, a BrasilAgro não se pronunciou a respeito por estar em período de silêncio.
Ainda que a taxa cobrada seja justa, os termos do contrato estabelecem um desequilíbrio de obrigações entre as partes que chama a atenção. Sem prazo de duração determinado, este pode ser rescindido pela Consultores Asset Management a qualquer tempo, desde que o faça com seis meses de antecedência. Já a BrasilAgro, se desejar pôr fim à prestação de serviços por qualquer hipótese que não seja justa causa, fica obrigada a pagar uma multa, que será estabelecida pelo maior valor apurado entre duas possibilidades.
A primeira é o montante de R$ 45 milhões, menos o que já tiver sido pago à consultoria. A segunda equivale a 100% da remuneração devida no ano de extinção do contrato somada a: (1) 100% da remuneração que corresponderia ao ano seguinte; (2) 75% da relativa ao terceiro ano; (3) 50% do quarto e do quinto anos. Trocando em miúdos, a multa devida seria equivalente à soma de 10% do lucro líquido do primeiro e segundo anos com 7,5% do terceiro mais 5% do resultado do quarto e do quinto. Pode-se dizer que é uma versão adaptada (e bem agressiva) de uma poison pill — mecanismo de defesa contra tomadas hostis de controle que, nesse caso, serviria para entronizar a consultoria em seu posto, mesmo que o mercado ofereça condições que sejam mais interessantes para os acionistas.
Vinculados por um “cordão umbilical” à companhia, os consultores passam a usufruir de uma vantagem que mais parece uma parte beneficiária. Sim, aquela parte beneficiária tão odiada pelos acionistas minoritários e que foi um dos primeiros itens a serem vetados pela Bovespa quando criados os segmentos especiais de governança corporativa. Conforme definição da Lei das S.As, parte beneficiária é um título negociável que confere direito a uma participação consistente de até 10% nos lucros da companhia. De tão combatida, foi eliminada nos últimos anos pelas poucas empresas em que remanescia — como a Duratex, por exemplo — e hoje já faz parte do baú de velharias que o mercado prefere não rever. Na BrasilAgro, por coincidência ou não, tal taxa de performance é, exatamente, igual a 10% do lucro líquido anual da companhia, mais as despesas de amortização.
NÃO É, MAS PARECE — As semelhanças com a retrógrada parte beneficiária não se restringem à negociadora de imóveis rurais. Listada como uma companhia Nível 2, a TAM mantém um contrato de licença de uso de marca com empresa controlada pela família fundadora que também se assemelha a esse título ultrapassado.
A história envolve a TAM Linhas Aéreas e suas subsidiárias TAM Viagens e TAM Mercosur — que compõem a chamada TAM S.A, esta listada na Bovespa. Todas tiveram origem na empresa de táxi aéreo denominada Transporte Aéreo de Marília, de propriedade do falecido Comandante Rolim Amaro e cuja sigla deu origem à marca. Em setembro de 2004, uma cisão levou à criação de duas sociedades controladas pela família Amaro: a TAM Marilia e a TAM Milor. À essa última foi designada a propriedade da marca que é objeto do contrato de licença de uso que explicaremos a seguir.
Em março de 2005, após quase seis meses de utilização da marca mediante autorização formalizada em cartório, sobre a qual não foi estabelecido qualquer valor de remuneração, as sociedades entenderam que era hora de formalizar uma licença de uso. Para tanto, contrataram uma empresa independente, a consultoria Bain Company, que avaliou a marca TAM e estabeleceu o valor mensal da licença em R$ 1,3 milhão. O contrato vigora até dezembro de 2011, quando estará sujeito a uma renovação automática por novo período de seis anos. O Índice Geral de Preço de Mercado (IGPM) foi estabelecido como fator de reajuste anual para o valor da licença, que garante a exclusividade do uso da marca em bolsas de valores, mas permite à TAM Milor que a conceda a terceiros para usos que não estejam relacionados ao transporte regular de passageiros.
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Esse tipo de licença é bastante comum nos casos de companhias abertas que têm sua atividade principal fortemente vinculada à própria marca, como as da indústria do entretenimento. É o caso de grandes companhias de mídia norte-americanas como a Time Warner, a Sony Pictures e a Paramount. Entretanto, nenhuma delas prevê o pagamento de uso da marca a uma sociedade de controle da família do fundador. Num exemplo pitoresco, mas factível, seria equivalente a exigir que as publicações e produtos multimídia que utilizam a marca Playboy pagassem uma licença de uso não à Playboy Enterprises Inc., mas sim a uma sociedade controlada pela família de Hugh Hefner, seu lendário criador.
Justa ou não, a remuneração oferecida pela TAM ao fundador pelo uso da marca pode ser, no mínimo, comparada, em seus efeitos, a uma parte beneficiária. Inclusive, nos valores. Em 12 meses, o pagamento mensal soma R$ 15,6 milhões, 8,5% do lucro líquido da companhia aérea em 2005 — próximo do percentual máximo de 10% praticado nas partes beneficiárias. Consultada, a TAM não retornou o pedido de entrevista.
E, para o investidor, qual o impacto de contratos como esses? Certamente alguns vão se importar mais e outros menos com as práticas em questão. Mas o fato é que, numa empresa de capital fechado, detalhes deste tipo jamais seriam revelados. A transparência é, justamente, o lado bom da história, na opinião de Isabella Saboya, sócia da Investidor Profissional. “O combinado não sai caro. Desde que as práticas sejam transparentes, o investidor tem poder de decisão para entrar ou não no negócio e, também, para estabelecer suas condições de preço e rentabilidade.”
Ela pondera que nunca é confortável para o minoritário participar de uma companhia em que as possibilidades de remuneração não sejam iguais para todos. E sugere que o efeito psicológico trazido por esse desequilíbrio leva o acionista a exigir um potencial de valorização maior. Perguntada sobre o impacto que práticas controversas como essas teriam sobre sua decisão de investimento, Isabella é taxativa: se fosse investir, sem dúvida aplicaria um desconto ao preço dessa ação. “O controlador tem que estar ciente disso e pesar esse fator em sua decisão.”
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