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Hora de falar
Caso Petrobras reabre debate sobre as práticas de silêncio adotadas por analistas “sell-side” nas ofertas públicas de ações

, Hora de falar, Capital Aberto

A capitalização de R$ 120,2 bilhões da Petrobras confirmou-se estrondosa, mas foi o silêncio em torno da oferta que continuou a reverberar. Poucos dias depois da operação, analistas “sell-side” de instituições financeiras coordenadoras da oferta, como Itaú e Morgan Stanley, divulgaram relatórios rebaixando seus preços-alvos para os papéis da estatal. O mercado seguiu a mudança de cenário. As ações preferenciais da Petrobras recuaram para R$ 24,16 em 21 de outubro, uma queda de 9,9% em comparação ao preço sugerido na emissão pública, registrada em 24 de setembro. Se a atitude dos analistas demonstrou independência em relação à atividade dos bancos de investimento — que durante semanas se empenharam em vender o potencial da companhia —, por outro lado fez lembrar outra situação incômoda. Não estaria na hora de acabar com a postura predileta de todos os envolvidos numa oferta pública: a de fechar totalmente a boca durante o processo de venda?

A Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que rege as ofertas públicas, proíbe a companhia emissora, o ofertante e as instituições intermediárias de falarem com jornalistas sobre uma distribuição em andamento. O objetivo da regra é obrigar que toda publicidade sobre a distribuição seja dada por meio das ferramentas oficiais, como o prospecto. Embora não haja nenhuma restrição para manifestações sobre assuntos não relacionados à oferta, os participantes do mercado preferem agir de modo conservador, evitando quaisquer tipos de comunicação. O receio de repreensões pelo regulador, que podem atrasar o cronograma de uma emissão ou, em casos extremos, cancelá-la, institucionalizou o silêncio.

Os analistas que trabalham para as instituições que coordenam a oferta também interrompem a publicação de análise sobre a companhia, apesar de a CVM não fazer essa exigência. A única regra a esse respeito é para que relatórios e pesquisas preparados pelas instituições coordenadoras sejam apresentados à autarquia. Portanto, os bancos adotaram um procedimento de silêncio não requisitado pelo regulador brasileiro.

“Durante a operação, ocorreu um fato relevante que, devido à prática de mercado, não podia ser comentado pelos analistas”, explica Jean-Marc Etlin, vice-presidente do Itaú BBA, um dos líderes da oferta. A corretora do Itaú foi uma das que reduziu o preço-alvo das ações da estatal após o encerramento da distribuição. O “fato relevante” ao qual Etlin se refere foi a divulgação do valor da cessão onerosa, calculado a partir do preço atribuído por barril de petróleo da camada pré-sal e determinante para o tamanho da oferta. Essa definição ocasionou um aumento de participação do governo federal maior que o esperado e diluiu ainda mais os acionistas minoritários. Mas só ocorreu quando o período de silêncio já estava em vigor.

No caso da Petrobras, o período de silêncio atingiu nada menos do que 18 instituições financeiras (entre coordenadoras líderes e contratados), dentre as mais relevantes do mercado. Aos investidores de varejo, já alijados dos chamados “road shows” — as reuniões de divulgação da oferta dirigidas a investidores institucionais —, restou conformar-se com a carência de fontes de informação e de análises sobre a oferta.

A situação se agrava se levarmos em conta que o investimento em ações está se espalhando entre as pessoas físicas: “O aumento da presença do varejo no nosso mercado complica mais o período de silêncio, dada a necessidade constante de informações por parte desse público”, afirma Haroldo Levy Neto, coordenador do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (Codim). A entidade, que representa diversos segmentos do mercado de capitais, está reabrindo as discussões sobre o assunto, na tentativa de chegar a um pronunciamento.

“O miolo da questão permanece em aberto: o que pode ser divulgado, com quem se pode falar e de que forma”

A Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional) incentiva a divulgação dos relatórios durante o período da oferta. “Recomendamos o ‘full disclosure’. Ele evita alterações bruscas na recomendação e a assimetria de informações entre investidores de varejo e institucionais”, aponta Lucy Souza, presidente da associação. Estes últimos, por frequentarem os road shows, têm muito mais chances que os investidores comuns de conversar com os analistas de investimentos. Esse tipo de seletividade poderia, sim, ser considerada contrária às regras da CVM. De acordo com a instrução que rege as ofertas públicas, cabe aos coordenadores “observar os princípios de transparência e igualdade do acesso à informação.”

SILÊNCIO ADEQUADO? — O que leva, então, os bancos a insistirem em calar a boca de seus analistas nas ofertas públicas? Um profissional de um banco de investimento reconhece que a regulação brasileira não veta o trabalho dos analistas durante o período de silêncio, mas observa que ela tampouco o estimula. Outros participantes alegam também que, na oferta da petrolífera, havia o risco de se descumprir o regramento dos Estados Unidos, pois a operação incluía distribuição pública de ações no país sob a forma de American depositary shares (ADSs).

Segundo as normas norte-americanas, nas ofertas públicas, é proibida a divulgação de relatórios pelos analistas ligados aos coordenadores nos 15 dias anteriores à precificação; nos 40 dias posteriores, no caso de uma oferta pública inicial (IPO); e dez dias depois, em ofertas subsequentes (“follow-ons”) como a da Petrobras. Os intervalos variam conforme o valor de mercado da companhia e a frequência com que ela acessa o mercado. “Esse período de silêncio após a oferta visa a evitar oscilações fortes com as ações”, explica o advogado Claudio Oksenberg, da filial de São Paulo do escritório norte-americano Milbank.

No entanto, as regras estabelecem uma exceção: se o emissor é grande e bem conhecido do mercado, o banco que está participando da oferta está autorizado a divulgar pesquisas sobre a empresa, se já a acompanhava de forma regular. A Securities and Exchange Commission (SEC) entende, nesse caso, que os relatórios não impactam significativamente o preço da oferta. Para um advogado norte-americano ouvido pela reportagem, esse é exatamente o perfil da Petrobras.

A ausência de motivos concretos para o silêncio dos analistas torna inevitável se pensar, mais uma vez, na fragilidade da “Muralha da China” que deveria separar o sell-side dos negócios de bancos de investimento. Teriam os analistas evitado se pronunciar para não atrapalhar a oferta de ações, uma rentável atividade de “investment banking” das instituições para as quais trabalham?

Para Lucy Souza, o “Chinese Wall” funciona bem em alguns bancos, mas ainda há muito a melhorar. A Instrução 483 da CVM, aprovada neste ano, trouxe mudanças importantes ao determinar as responsabilidades dessas instituições em promover condições para um trabalho independente do analista. Porém, a Instrução 400, que trata do período de silêncio, foi atualizada recentemente pela 482 sem ter dirimido completamente as dúvidas que causam rugas de preocupação em advogados, administradores de empresas e profissionais de bancos. “O miolo da questão permanece em aberto: o que pode ser divulgado, com quem se pode falar e de que forma”, diz Levy Neto, do Codim.

Um dos avanços da instrução foi deixar mais claro o período em que emissor, ofertante, intermediários e seus respectivos colaboradores não podem se manifestar na mídia sobre a operação. Agora, essa vedação vale para os 60 dias anteriores à data de protocolo do pedido de registro da oferta, ou desde a data em que a oferta foi “decidida ou projetada”. Mesmo assim, Daniella Fragoso, sócia do escritório Barbosa Müssnich & Aragão, ressalta que nem sempre será possível saber a data em que a oferta foi “decidida ou projetada”. O silêncio perante a mídia vai até a publicação do anúncio de encerramento da oferta.

DOSANDO A INFORMAÇÃO — Sérgio Spinelli Silva Jr., sócio do escritório Mattos Filho, considera mais salutar para o mercado que as instituições não divulguem relatórios de análise nos dias de “road show”. Essa é a fase de precificação da oferta e coincide com parte do período de silêncio. Nesse caso, se o relatório de análise gerar algum ruído, nem a companhia e nem o analista poderão prestar mais esclarecimentos sobre a oferta, o que poderia prejudicar a captação. O advogado sustenta que o analista não tem, nesse momento, elementos concretos para elaborar um relatório, pois o preço da oferta e a quantidade de ações não estão definidos. “É necessário pensar se é saudável para os investidores, especialmente as pessoas físicas, serem bombardeados por informações e recomendações de compra durante os ‘road shows’”, pondera.

Mas seria possível abrandar o nível de silêncio. Spinelli acredita, por exemplo, que a comunicação poderia voltar após a precificação da oferta. O episódio recente deixou ao menos uma lição: “As dúvidas levantadas quanto a essa prática de mercado após a operação da Petrobras evidenciam que é o momento de abrir um debate visando ao aprimoramento”, conclui Etlin, do Itaú BBA.


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