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Em busca do conselheiro efetivo
Não basta ser independente para assegurar as melhores decisões para a companhia

A figura do “conselheiro independente” se tornou peça fundamental do movimento em prol das melhores práticas de governança corporativa. Segundo a maioria dos códigos que regem o tema, esses profissionais seriam capazes de induzir os conselhos de administração a tomarem as melhores decisões, promovendo a preservação do patrimônio e a criação de valor para todos os acionistas. Entretanto, diversos problemas corporativos recentes em companhias com um número razoável de “conselheiros independentes” têm demonstrado que a mera presença dessas pessoas não constitui um bilhete que assegure as boas decisões na alta gestão. Por quê?

A resposta é simples: o que se procura são conselheiros efetivos — isto é, capazes de produzir um efeito real —, algo que vai bem além do simples conceito de conselheiro independente. Em outras palavras, não basta ser independente para que o conselheiro produza o efeito desejado. São necessários também outros atributos. Dentre eles, três são primordiais: qualificação técnica, disponibilidade de tempo/envolvimento com a companhia, e incentivos adequados.

O primeiro atributo parece óbvio, porém, muitas vezes, passa despercebido. Os conselhos gastam a maior parte do tempo discutindo questões financeiras, contábeis, estratégicas e de gestão de pessoas. Assim, é fundamental que os conselheiros tenham conhecimentos sólidos sobre decisões de investimento, financiamento, avaliação de desempenho e estratégia. Sem isso, a contribuição do conselheiro independente para as decisões de negócio fica limitada a questões pontuais de sua área de conhecimento. Por exemplo, qual seria a efetiva contribuição de um brilhante físico ou diplomata a um conselho de administração, mesmo que esses fossem indubitavelmente independentes? Apesar de brilhantes em suas áreas de atuação, sem preparo e envolvimento específico, dificilmente tais personagens contribuiriam para a maioria das questões do mundo dos negócios, como avaliação de orçamentos e diagnóstico dos controles internos da organização.

A disponibilidade de tempo e a dedicação à companhia constituem o segundo atributo-chave. Um conselheiro independente e qualificado sem tempo para se envolver com a organização não irá gerar o resultado esperado. Assim, como pode um conselheiro presente em muitos conselhos, presidente de outra empresa ou de uma consultoria de grande porte ter tempo para se envolver de verdade com a companhia (e não apenas frequentar, às vezes parcialmente, as reuniões do conselho)? O resultado é o que muitos do mercado conhecem: conselheiros despreparados comparecendo às reuniões, sem a devida leitura e reflexão dos itens da pauta, terminando por confiar plenamente nas informações e na visão (muitas vezes tendenciosa) dos executivos-chave para a tomada de decisão. Jean Tirole, em seu livro The Theory of Corporate Finance, chega inclusive a argumentar que esse processo pode ser intencional, isto é, algumas companhias selecionam cuidadosamente os conselheiros independentes dentre os mais atarefados. O objetivo é evitar potenciais “problemas” decorrentes de conselheiros muito ativos.

O terceiro critério, e mais complicado de todos, diz respeito à necessidade de incentivos adequados. Quase que invariavelmente, o conselheiro “independente” possui três ganhos ao participar de um conselho: remuneração fixa, eventuais mordomias corporativas, e status social. Curiosamente, nenhum desses possui relação com a performance da companhia. Assim, o incentivo para a geração de um melhor desempenho é baixo, geralmente dependendo do “interesse moral” do conselheiro, algo sobre o qual nenhum modelo corporativo pode se basear.

Precisamos ter conselheiros de fato independentes, qualificados, dedicados e adequadamente incentivados

Também não podemos descartar a ocorrência de outra situação inusitada: aquela em que um conselheiro independente, qualificado e com tempo livre simplesmente não atua de forma efetiva. Nesse caso, o que teria dado errado? Muitas vezes, a resposta está no simples fato de que para tais profissionais a remuneração recebida e a relevância do cargo que exercem são insignificantes. Isso porque já possuem status social e independência financeira garantida. Dessa forma, não veem motivo para se dedicar ao máximo à finalidade de assegurar o melhor desempenho financeiro da companhia em que atuam.

Por outro lado, como muitos argumentam, uma remuneração muito elevada e a vinculação direta desta à performance operacional da companhia ou às ações pode gerar um incentivo perverso aos conselheiros. Isso os levaria a trabalhar excessivamente alinhados às metas de desempenho dos executivos, tornando-os propensos ao foco no curto prazo, o que não é o ideal. A solução ainda não é clara e mereceria uma discussão à parte. Provavelmente, uma boa alternativa para resolver essa questão seja a definição de uma remuneração substancial dos conselheiros em ações com base na geração de valor econômico da companhia (e não opções de ações). Essas poderiam ser vendidas paulatinamente após um período de longo prazo. Por exemplo, um ano depois da saída do conselheiro da empresa.

Além disso, faz-se necessário discutir a definição de “conselheiro independente” rumo ao idealizado “conselheiro efetivo”. Esse é um tema delicado, conforme já destacava Alastair Ross Goobey, então presidente do conselho do International Corporate Governance Network (ICGN) em seu discurso no Congresso Anual do IBGC em 2002: “Em minha longa experiência como conselheiro, nunca conheci conselheiros externos que não se considerassem totalmente independentes, mesmo que fossem ex-CEOs, amigos pessoais do CEO, ou mesmo irmãos ou esposa do CEO”.

No Brasil, as regras locais basicamente consideram como conselheiros independentes aqueles sem vínculos diretos e explícitos com a gestão da companhia (como executivos ou ex-CEOs) e/ou com seus acionistas controladores. Entretanto, pesquisas recentes mostram que outros aspectos devem ser levados em consideração, dentre eles: tempo no cargo como “conselheiro independente”, existência de relacionamento social e/ou prévio com o CEO, e a relevância de um bom círculo social para o sucesso de sua carreira. Assim, conselheiros há muito tempo no cargo, que possuam relações próximas com o CEO, ou que dependam muito de redes sociais para sua sobrevivência (algo comum entre os consultores profissionais), naturalmente tendem a evitar conflitos com a gestão, minando sua efetividade como conselheiro independente. Adicionalmente, conselheiros eleitos por acionistas não controladores com mandatos claramente específicos — como a defesa exclusiva de posições de determinado investidor — não deveriam ser automaticamente classificados como independentes, conforme ocorre atualmente em nosso mercado. Em resumo, é necessário revisitar o conceito de “conselheiro independente”, aumentando o número de requisitos.

Idealmente, portanto, devemos ter conselheiros de fato independentes, qualificados, dedicados e adequadamente incentivados. Em tese, isso levaria a um conselho mais efetivo, com melhores decisões e resultados para a companhia. Entretanto, a verdade é que nem mesmo esses fatores podem assegurar o sucesso de um conselho no cumprimento de suas funções. Como grupo de trabalho, sua efetividade não é a mera soma da efetividade dos conselheiros individualmente. Assim, o resultado final depende de outros fatores-chave, como diversidade e complementaridade de formações e experiências, cooperação e comunicação entre os membros, abertura para críticas, qualidade das informações recebidas pela gestão e da pauta das reuniões, entre outros.


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