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Mulheres nos conselhos – Parte I
Importância da diversidade de gênero nos conselhos vai muito além do debate sobre a definição de cotas

O Projeto de Lei do Senado 112/2010 — que estabelece um percentual mínimo de 40% de mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas e sociedades de economia mista da União a partir de 2022 — levou o tema da diversidade de gênero nos conselhos ao topo dos debates sobre governança no País.

Entretanto, infelizmente, esse assunto crucial tem sido muitas vezes reduzido a uma pergunta superficial e simplista do tipo: “Você é favorável ou contrário a cotas para mulheres?”. Essa não é a questão. Em um mundo ideal, naturalmente a grande maioria das pessoas seria contrária, já que o sistema de cotas gera uma resistência inicial por parecer ferir o conceito de meritocracia. Todos desejam, afinal de contas, que prevaleçam ambientes meritocráticos em diversos campos da sociedade, inclusive nos conselhos das empresas.

A questão central, na verdade, é avaliarmos: 1) quão distantes estamos de uma situação mais equânime e justa de participação das mulheres nos órgãos que tomam as principais decisões econômicas do País; 2) se estamos avançando concretamente nesse sentido; e 3) que medidas devem ser tomadas a fim de acelerar (ou destravar) esse processo.

Trata-se de um debate que não pode ser abordado de forma superficial e, muitas vezes, enviesada e preconceituosa. Tendo em vista sua importância, este artigo está dividido em duas partes. Na primeira, nos dedicamos a analisar os fatos para, então, tecermos conclusões a respeito. Vamos a eles.

1. O percentual de mulheres nos conselhos de administração brasileiros é ínfimo: da ordem de 5% a 8%, dependendo da amostra analisada, sendo ainda menor nas empresas de grande porte. Entre as 215 maiores companhias listadas na BM&FBovespa, o percentual é de 7,3%. Essa faixa cai para 6% nas empresas pertencentes ao Ibovespa e para 5% nas 20 maiores companhias com ações negociadas na bolsa. Os números impressionam ainda mais ao analisarmos as cinco maiores empresas privadas do País em capitalização de mercado (AmBev, Bradesco, Itaú, Telefônica e Vale): dos 58 cargos de conselheiros titulares dessas companhias, apenas um assento é ocupado por mulher (menos do que 2%).

Os números brasileiros também são baixos em relação a padrões internacionais. Enquanto as empresas norte-americanas do índice S&P 500 possuem cerca de 18% de participação de mulheres em seus conselhos (proporção três vezes maior que a do Brasil), as companhias listadas da União Europeia apresentam cerca de 14% (mais do que o dobro do nosso mercado). Por fim, mais da metade (55%) das empresas listadas brasileiras não têm mulheres no conselho. Muitas companhias não tiveram nenhuma nos últimos 15 anos.

2. O percentual de mulheres nos conselhos brasileiros, além de baixíssimo, tem se mantido estagnado nos últimos dez anos. Em pesquisa realizada com cerca de 60 empresas participantes do Ibovespa no fim de 2001 e de 2011, observou-se um percentual praticamente idêntico (na casa dos 6%) nos dois períodos. A estagnação é evidente e, portanto, desconstrói qualquer argumento de que estaríamos “evoluindo” em relação a esse tema e de que se trataria apenas de uma “questão de tempo” para uma participação mais igualitária das mulheres no topo da estrutura administrativa das companhias brasileiras.

Vale destacar que reguladores de vários mercados têm apontado a demasiada lentidão no aumento da presença de mulheres nos conselhos como um dos principais motivos para a busca por soluções de cunho legislativo. Na União Europeia e no Reino Unido, por exemplo, estima-se que, no ritmo atual de evolução, uma maior igualdade de gênero nos conselhos será alcançada daqui a cerca de 40 anos e 70 anos, respectivamente. No Brasil, nem é possível realizar uma previsão temporal similar, visto que nossa taxa de crescimento é nula.

3. Vários trabalhos têm refutado os argumentos de que o atual sistema de seleção de conselheiros seria meritocrático e que a baixa proporção de mulheres se deveria à ausência de capital humano “adequado”. Em todo o mundo, há evidências concretas de que a percepção das qualificações das mulheres tende a ser subestimada, e que, consequentemente, elas precisam dar mais provas que os homens de sua capacidade para ascender ao mesmo cargo. Entre esses estudos, há os seguintes exemplos:

a) Estados Unidos — Uma análise de entrevistas com CEOs das empresas do ranking Fortune 500, em 2007, revela que os executivos temem indicar uma mulher sem experiência para seus conselhos de administração. Entretanto, não demonstram receio em sugerir homens igualmente inexperientes para a mesma posição. Em um levantamento mais antigo, de 1995, fica claro que os CEOs tendem a apoiar pessoas mais parecidas com eles em termos de gênero, idade, raça e formação para a composição dos conselhos — reforçando o sentimento de pertencimento a um “clube do bolinha”, com visões de mundo e valores similares;

b) Espanha — Autores de um trabalho que investigou mil empresas do país entre 2005 e 2008 constataram que a chance de uma mulher ser eleita como conselheira aumenta substancialmente quando a companhia, de antemão, possui outra mulher no órgão administrativo. Esse resultado reforça a ideia de subestimação da capacidade feminina, já que a presença prévia de uma mulher no conselho serve para reduzir a potencial percepção negativa de sua capacidade;

c) Reino Unido — Um estudo com as empresas do FTSE 100 em 2008 mostrou que as mulheres nos conselhos dessas empresas possuem, em média, mais experiência internacional e uma maior probabilidade de terem concluído um MBA do que seus pares do sexo masculino;

d) Austrália — Entrevistas com 468 homens indicaram que a qualificação feminina precisa ser atestada, adicionalmente, por reconhecimentos públicos ou por conexões familiares — fatores que atuam como pré-requisitos de conselheiros somente quando os candidatos são mulheres.

No caso brasileiro, o processo atual de identificação e seleção de membros dos conselhos é, geralmente, desestruturado, com a escolha baseada em questões políticas e de relacionamento em detrimento de critérios técnicos. A rara exceção ocorre na seleção de alguns conselheiros independentes, notadamente em empresas com estruturas de propriedade acionária mais pulverizadas. Como é muito maior a probabilidade de homens possuírem laços pessoais e de amizade de longa data com outros homens, eles, naturalmente, tendem a ter preferência na seleção, perpetuando a desigualdade de acesso.

A ausência de meritocracia nos conselhos brasileiros é reconhecida pelos próprios órgãos, na medida em que menos de 10% deles afirmam conduzir algum tipo de avaliação individual de desempenho de seus componentes — essa informação faz parte dos formulários de referência das companhias. Logo, como afirmar que o sistema atual de composição dos conselhos é calcado em mérito, se, em geral, não é feita nenhuma avaliação estruturada da atuação dos conselheiros?

Na próxima edição, daremos sequência às evidências encontradas sobre a questão da diversidade de gênero, bem como concluiremos sobre a importância do Projeto de Lei 112/2010.


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