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Sinal verde
CVM valida uso da contabilidade de hedge no balanço da Petrobras

 

Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Por dois votos a um, os diretores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dispensaram a Petrobras de refazer as demonstrações financeiras dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, além dos informativos trimestrais de 2016, o que exigiria a desconsideração da aplicação da contabilidade de hedge nesses balanços. A decisão contrariou duas áreas técnicas da autarquia. Tanto a Superintendência de Empresas (SEP) quanto a Superintendência de Normas Contábeis (SNC) enxergaram problemas no uso da técnica pela petroleira.

O assunto é intrincado. Regida pela norma 38 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a contabilidade de hedge é uma técnica opcional que permite às empresas amenizar o impacto das variações cambiais ao longo do tempo. A Petrobras adotou o mecanismo em 2013, ao anunciar que usaria cerca de 70% das dívidas líquidas expostas à oscilação do dólar para proteger 20% das exportações, por um período inicial de sete anos.

Com base na norma, a estatal passou a registrar os efeitos da variação cambial sobre sua dívida em moeda estrangeira no patrimônio líquido, compensando-os com as receitas projetadas das exportações. Conforme essas receitas vão sendo reconhecidas ao longo do tempo, o valor decorrente do impacto da alta ou da queda do dólar é, então, transferido para a demonstração de resultados.

Em março, a SEP divulgou parecer condenando o uso desse mecanismo pela Petrobras. De acordo com a superintendência, a petroleira “desvirtuou a essência econômica do hedge accounting”, ao transformar uma “política de proteção de risco em mecanismo de diferimento de perdas cambiais”. Isso permitiu, segundo a SEP, que a companhia registrasse aumento de lucro de 2013 e redução de prejuízos em 2014 e 2015; diante disso, determinou a republicação dos balanços.  A ordem foi divulgada ao mercado ao mesmo tempo em que os diretores da autarquia acataram o pedido da petroleira para revisão do caso.

A decisão

A palavra final sobre o imbróglio foi dada no dia 11 de julho. Nesta data, o colegiado da CVM aceitou o pedido da petroleira para desconsideração da decisão da SEP. Os votos favoráveis ao pedido foram proferidos pelos diretores Henrique Machado e Pablo Renteria. Já Leonardo Pereira, presidente da autarquia, manifestou-se contra — embora, em seu voto, tenha sugerido uma alternativa à republicação das demonstrações financeiras. Gustavo Borba, também diretor da autarquia, se absteve de votar. Desde que assumiu o posto, o advogado se declara impedido nos casos relacionados à Petrobras.

Embora favoráveis à petroleira, os votos de Machado (relator do caso) e Renteria vieram acompanhados de uma recomendação: a de que a petroleira aprimore a documentação de suporte de sua política de hedge — a norma exige o registro de informações básicas sobre a operação, bem como a identificação do instrumento de hedge, a posição ou transação coberta, a natureza do risco a ser coberto e as formas de avaliação de eficácia.

, Sinal verde, Capital Aberto

Em seu último julgamento como presidente da CVM, Pereira foi voto vencido por entender que a Petrobras errou ao usar a contabilidade de hedge. A adoção do mecanismo, segundo o presidente, fere o item 75 do CPC 38, uma vez que os instrumentos de hedge utilizados pela empresa — no caso, dívidas líquidas expostas à oscilação do dólar — têm vencimento posterior ao faturamento das exportações previstas como objeto de hedge. O descompasso, observa, não faz sentido econômico, por reduzir a efetividade da técnica. Apesar desse entendimento, Pereira considerou que, dado o tempo decorrido desde o início da adoção do instrumento contábil, a Petrobras poderia efetuar ajustes retrospectivos na próxima demonstração financeira, em vez de republicar os balanços anteriores.

Respingos

A decisão da CVM desagradou alguns participantes do mercado. Em seu perfil no LinkedIn, Mauro Cunha, presidente da Amec, associação que representa investidores, registrou sua insatisfação. “Respeito a instância decisória da CVM e o resultado final da decisão, que seguiu o devido processo legal, no entanto reafirmo meu posicionamento à época de meu voto: aplicar uma prática contábil de empresa exportadora numa empresa importadora contraria os mais básicos princípios do IFRS [padrão internacional de contabilidade]. Temo que esses princípios sejam pouco mais do que belas palavras em documentos quando contrariam interesses poderosos”, ressaltou Cunha, que foi um dos principais responsáveis por dar visibilidade do caso. Na época em que atuou como conselheiro de administração da Petrobras, ele se opôs à adoção da técnica e votou contra a aprovação das contas da companhia nos exercícios de 2014 e 2015.

A interpretação vencedora no colegiado, entretanto, teve o apoio de pesos-pesados da contabilidade. Diante da polêmica em torno da adoção do hedge accounting, a petroleira contratou pareceres de duas autoridades em contabilidade para se resguardar: o professor Eliseu Martins, responsável pelo processo de adoção do IFRS no Brasil, e Ian Engstrom, ex-diretor do International Accounting Standards Board (Iasb). Ambos atestaram a legalidade do uso da técnica contábil pela petroleira.

Esclarecimentos

O embate entre as áreas técnicas e o colegiado gerou alguns esclarecimentos importantes. O principal é que companhias que importam mais do que exportam podem proteger suas vendas com dívidas em moeda estrangeira. Em seu voto, Machado diz ser incontroversa “a possibilidade de serem utilizados instrumentos de hedge para cobertura de exportações futuras altamente prováveis, independentemente de a companhia ter sido importadora líquida”, porque a norma contábil não veda expressamente a prática.

Os votos vencedores também atestam que é possível utilizar instrumentos de hedge (no caso da Petrobras, dívida em moeda estrangeira) anteriores à operação de proteção e que seu prazo pode superar o das exportações. “Considerando a essência e os objetivos da política de hedge de fluxo de caixa, não vejo razão para considerar proibido, à luz do disposto no item 75 do CPC 38, o procedimento adotado pela companhia. A designação de instrumento de hedge com vencimento superior ao objeto de hedge, bem como as sucessivas designações para novas exportações por todo o seu período de duração, não introduz qualquer artificialismo ou desvio de finalidade”, afirmou Renteria.


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