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A governança dos investidores II
Atuação dos gestores é fundamental para o sucesso das melhores práticas corporativas

A indústria de fundos de investimento, incluindo a polêmica categoria hedge, desempenha um papel relevante para a validade da lógica da governança corporativa. O impacto da sua atuação pode ser equiparado ao das fundações de previdência privada, abordado nesta coluna na edição anterior. Os grandes fundos têm credenciais para fomentar e exigir boas práticas das companhias. Muitas vezes, porém, seguir as premissas favoráveis para o desenvolvimento da governança, como maximizar o retorno de longo prazo e privilegiar a aplicação em companhias alinhadas com essas regras, pode gerar um conflito de interesses. A situação não é rara em fundos de ações, principalmente naqueles ligados a grandes conglomerados financeiros.

Um exemplo clássico é apresentado no livro Os Novos Capitalistas, de Stephen Davies, Jon Lukomnik e David Pitt-Watson. Em 2002, a HP teria uma assembleia de acionistas para decidir sobre a controversa fusão de US$ 19 bilhões com a Compaq. Muitos deles opunham-se à proposta porque acreditavam que a operação resultaria em destruição de valor. Pouco antes da assembleia, a então CEO da HP, Carly Fiorina, soube de uma notícia potencialmente desastrosa para seus planos: os fundos de investimento do Deutsche Bank, que controlavam quase 17 milhões de ações da HP e poderiam ser o fiel da balança, iriam votar contra a fusão. Fiorina ligou para seu CFO e deixou a seguinte mensagem (posteriormente utilizada em um processo judicial): “temos que fazer algo extraordinário para trazer o banco para o nosso lado”. O CFO contatou os executivos do Deutsche Bank e fez o alerta: “Os votos dos fundos são de enorme importância para nosso relacionamento contínuo. O banco pode perder milhões em atividades de investment banking caso não mude sua posição”. Resultado: os gestores trocaram os seus votos pouco antes da assembleia. A proposta de fusão foi aprovada. O bloco de ações do banco representou parte substancial da margem de vitória.

Na missão de fomentar melhores práticas de governança, os fundos podem enfrentar também um problema de incentivo econômico. Muitas vezes, o benchmark, para avaliar o desempenho dos gestores, é o retorno de um índice de mercado. Assim, o responsável pela gestão dos recursos fica no seguinte impasse: se gastar recursos e esforços em maior ativismo, arcará com os custos, enquanto os demais fundos também irão se beneficiar dos impactos positivos das suas atitudes na cotação das ações. Em termos relativos, ele não obtém um retorno maior do que os outros e ainda fica com a despesa administrativa de seu ativismo. Há outro problema: o gestor dificilmente tem condições de dispensar da sua carteira de ações uma grande empresa com participação significativa no benchmark da aplicação — mesmo que acredite que ela esteja longe de ser exemplar em boa governança. O horizonte temporal também pode ser um potencial conflito: os bônus dos gestores são obtidos com base nos retornos semestrais ou anuais. Em contrapartida, as empresas com boas práticas de governança (como aquelas com melhores conselhos) podem gerar um maior retorno ao longo dos anos, não necessariamente no próximo mês ou semestre.

Estudos não apenas desmentem as críticas aos fundos de hedge, como evidenciam sua influência positiva sobre os resultados das companhias

Apesar das barreiras, uma modalidade tem se destacado pelo ativismo na última década: os fundos de hedge. Na verdade, trata-se de um grupo extremamente heterogêneo, com inúmeras estratégias de investimento. Enquanto alguns têm como foco operações de curtíssimo prazo, como fusões e aquisições, outros têm em vista tornar as empresas mais eficientes, contribuindo para um incremento de seu valor. Tais fundos, conhecidos como ativistas, não têm sido bem recebidos pelas companhias e até mesmo por políticos em todo o mundo. Ficou famosa a declaração de um líder do Partido Social Democrata alemão, em 2005, que os chamou de “gafanhotos” em busca de dinheiro e resultados de curto prazo, à custa de empregos e empresas daquele país.

E o que dizem os estudos sobre o impacto desses fundos? Uma pesquisa usando sete dos principais trabalhos acadêmicos na área mostra que os dados desmentem a visão negativa das empresas. Assim, em vez de confirmar a acusação de que procuram obter retornos de curto prazo à custa do longo prazo, todos constatam um impacto bem mais positivo dos fundos de hedge. Talvez o trabalho mais representativo seja o estudo Hedge Fund Activism, Corporate Governance and Firm Performance, realizado em 2007 por quatro pesquisadores, capitaneados pelo professor Randall Thomas da Universidade Vanderbilt. Nele, foram analisadas 1.032 tentativas de ativismo por parte de 236 fundos de hedge entre 2001 e 2006 e avaliados os resultados posteriores das empresas-alvo desses movimentos. No geral, eles encontram fortes evidências não só de que as ações reagem de forma favorável ao anúncio de tal abordagem, como as companhias melhoram de maneira substancial seus desempenhos operacionais (margem Ebitda) dois anos após uma atuação mais efetiva dos fundos. O estudo conclui que esses investidores ajudam na redução de ineficiências. Dessa forma, criam valor para todos os acionistas.

No Brasil, uma espécie de fundo de hedge, os chamados fundos ativistas (geralmente sob a égide do Programa Valor e Liquidez do BNDES), foram, sem dúvida, fundamentais para o início do movimento em prol das melhores práticas no fim dos anos 90. Tais fundos, entretanto, constituem a exceção. Ainda inexistem estudos estruturados sobre a atuação dos gestores de fundos de investimento nas assembleias e na governança das empresas (principalmente no caso das aplicações dos grandes conglomerados financeiros).

Apesar da ausência de pesquisas, duas observações podem ser feitas com segurança: 1) conforme reconhecido pela Amec, entidade que representa investidores do mercado de capitais, o ativismo ainda é eminentemente reativo, realizado por meio do poder Judiciário ou da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A reação geralmente ocorre quando os fundos têm seus interesses prejudicados em operações de fechamento de capital ou venda do controle acionário. Falta uma atitude proativa, de proposição de aprimoramentos de governança nas empresas investidas; 2) o setor vem evoluindo no que concerne à participação em assembleias. O Código de Autorregulação da Anbid para fundos de investimento, publicado em 2008, exige a elaboração de uma política de exercício de direito de voto nas assembleias das companhias investidas, o que é algo positivo.

Tendo em vista que a parcela investida hoje por fundos de investimento em ações — 15% — deve aumentar no médio/longo prazo, de acordo com a tendência internacional (nos países desenvolvidos, a participação fica entre 40% e 50%), a atuação dos gestores será fundamental para o sucesso do movimento em prol das melhores práticas de governança.

Conteúdo extra

Veja a íntegra do estudo Hedge Fund Activism, Corporate Governance and Firm Performance.

Acesse o estudo The Returns to Hedge Fund Activism.

Leia o estudo Hedge Funds and Governance Targets.


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