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Arbitragem societária no Brasil ainda enfrenta questionamentos
Desafios envolvem confidencialidade dos procedimentos e aplicabilidade em ações coletivas
Arbitragem societária no Brasil ainda enfrenta questionamentos
Embora ainda careça de amadurecimento, a arbitragem societária brasileira iniciou sua trajetória rodeada de polêmicas — Imagem: freepik

 

A arbitragem é um mecanismo a cada dia mais utilizado para solução de conflitos, inclusive aqueles envolvendo sociedades anônimas. Mas nem sempre fez parte da Lei das S.As., diploma que neste mês de dezembro de 2021 completa 45 anos. A previsão legal do procedimento arbitral para esse tipo de sociedade não é tão antiga quanto a lei societária, mas o fato de ter sido estabelecida em 2001 — portanto, há 20 anos — não significa que a arbitragem como caminho para resolução de disputas esteja plenamente consolidada. Ao contrário, ainda há poucos casos concretos, falta jurisprudência e restam muitos desafios, como os relacionados à questão da confidencialidade dos procedimentos e à aplicabilidade a situações em que estão em jogo interesses coletivos de acionistas. 

O impulso inicial à adoção da arbitragem societária veio com a reforma da Lei das S.As. promovida no início dos anos 2000, período em que também passaram a valer as regras do Novo Mercado e do Nível 2 da bolsa de valores. As diretrizes desses segmentos estabelecem que as empresas listadas devem prever, em seus estatutos sociais, a resolução de eventuais conflitos por meio de arbitragem, com a inserção da chamada cláusula compromissória. O instituto foi inserido na Lei das S.As. com a redação dada ao parágrafo 3º do artigo 109 pela Lei 10.303/01. O dispositivo trata dos direitos essenciais dos acionistas. “Na ocasião já havia a possibilidade de se colocar no estatuto a cláusula compromissória, mas a inclusão na lei ofereceu maior segurança jurídica”, afirma Nelson Eizirik, sócio do Eizirik Advogados. No entanto, com seu caráter de vanguarda, a Lei das S.As. já na origem falava de uso de arbitragem para resolução de empates. A solução inovadora, entretanto, nunca chegou à prática, observa Mariana Martins Costa Ferreira, advogada do Tavares Guerreiro Advogados. 

Histórico de 11 anos 

Para atender à demanda que se esperava ser provocada pelas novas normas, a Bolsa de valores criou, no ano 2000, a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM). Ocorre que a procura não correspondeu à expectativa: até 2010 não houve nenhum litígio nesse fórum. “Isso mostra que, na verdade, a história da arbitragem societária no Brasil é recente, tem apenas 11 anos. Mas vale considerar que a história do próprio litígio societário também tem pouco tempo no País. O cenário cultural brasileiro é muito diferente do americano, em que as demandas de acionistas por ressarcimento, por exemplo, são muito antigas”, comenta Grasiela Cerbino, diretora jurídica da B3. “Essa discussão relacionada ao ressarcimento no Brasil não tem mais que cinco anos. Há um longo caminho para consolidação pela frente”, avalia. 

Eizirik menciona que estudos recentes da FGV para mapeamento do Direito societário no Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicam que as ações correspondentes a essa área representam apenas 2% do total. “É estarrecedor, ainda mais levando em conta que, desse percentual ínfimo, boa parte se refere a ações envolvendo preços de subscrição de ações de companhias telefônicas, dissolução parcial de sociedades e desconsideração de personalidade jurídica. As ações não tratam das matérias mais candentes do mercado de capitais e não há companhias abertas”, lamenta. Segundo ele, no Brasil o contencioso societário ainda é assunto de escritórios de advocacia e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Por isso, acho que é muito cedo para se ter uma avaliação sobre a eficácia e os rumos da arbitragem no Direito societário no País.” 

Polêmicas e confidencialidade 

Embora ainda careça de amadurecimento, a arbitragem societária brasileira iniciou sua trajetória rodeada de polêmicas. Uma delas envolvia uma questão específica: se a cláusula compromissória inserida nos estatutos das companhias seria válida mesmo para os acionistas que tivessem se manifestado contra a ideia. O ponto foi esclarecido posteriormente, com a previsão de que os divergentes poderiam se retirar da empresa. “Prevaleceu o princípio majoritário, mas com direito de recesso”, destaca Eizirik. 

Atualmente, um debate que ganha corpo está relacionado à confidencialidade dos procedimentos arbitrais dos quais pelo menos uma companhia aberta faça parte. Vale lembrar que, entre as vantagens comumente associadas à arbitragem está o sigilo, ao lado de rapidez e especialização dos árbitros (dois aspectos que diferem muito do que acontece no Judiciário). De um lado, há quem defenda total transparência das informações dos procedimentos, em contraposição à corrente que advoga pela preservação da confidencialidade. O assunto inclusive virou mote para uma audiência pública da CVM. “O que está na pauta é a flexibilização desse rigor, um debate sobre a possibilidade de um modelo de arbitragem com mais transparência”, observa Ferreira. 

Como explica Eizirik, não há na Lei de Arbitragem a obrigação de confidencialidade dos procedimentos: é mais uma tradição do mercado brasileiro. Isso ocorre, segundo ele, porque o maior número de arbitragens no Brasil envolve fusões e aquisições (M&A), operações nas quais a confidencialidade é necessária. Na avaliação de Eizirik, a discussão sobre os limites do sigilo deveria ser baseada na relevância do fato que é objeto do procedimento. “Pode ser importante a abertura de informações, ou porque a arbitragem envolve valores significativos para uma companhia aberta, capazes de mudar a situação para melhor ou para pior no mercado, ou porque em alguns casos acionistas podem querer integrar o procedimento”, analisa.  

Ações coletivas 

O ponto do sigilo esbarra, ainda, em outro aspecto: a pertinência da arbitragem como mecanismo para resolução de conflitos envolvendo direitos homogêneos dos acionistas. “Em ações coletivas, por exemplo, o sigilo me parece de certa forma incompatível”, afirma Cerbino. Eizirik vai na mesma linha quanto às ações que envolvem direitos difusos. “A meu ver, a divulgação deveria ser feita quando começa o procedimento e até quando acionistas com interesse possam ingressar, e depois com a decisão.” 

Um dos principais desafios para o instituto da arbitragem societária — que, na leitura de Eizirik, é de difícil solução — é o fato de esse mecanismo não gerar jurisprudência. Ou seja, uma decisão arbitral não necessariamente servirá de base para análise de caso futuro semelhante. “Assim o direito não avança. Jurisprudência faz direito. A arbitragem não oferece isso, nem orientações uniformes”, acrescenta. Talvez sejam necessários muitos casos — e mais anos de uso do instrumento — para desatar esse nó. 

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