
O enredo dos escândalos financeiros é conhecido, e já existe vasta literatura sobre as Enrons, Worldcoms e afins no mundo. Neste caso, porém, a história surpreende até pelo país onde a fraude foi perpetrada: a séria e circunspecta Alemanha. Em um certo momento, a empresa de tecnologia Wirecard chegou a valer US$ 30 bilhões, mais que o Deutsche Bank, o maior banco comercial do país. Mas, como dizem, é possível enganar muitos por muito tempo, mas não todos o tempo todo. O dia do juízo final chegou sob a forma de um pedido de falência da companhia em junho de 2020, arrastando vários de seus executivos para a prisão.
Dan McCrum, um jornalista do Financial Times, inicia a saga de 7 anos de investigação a partir de uma dica corriqueira para analisar uma empresa alemã de processamento de pagamentos que rivalizava com as “techs” americanas na Europa. Até chegar ali, a Wirecard já havia pivotado algumas vezes.
Nascida no auge da bolha da internet, em 1999, a empresa oferecia soluções de pagamento para sites de apostas e pornografia, sempre no limite da lei nas jurisdições onde operava. À medida em que os reguladores desses países encontravam o fio da meada e encurralavam a empresa, seu instinto de sobrevivência encontrou o caminho do processamento de pagamentos. A entrada do COO Jan Marsalek (2010) e a expansão para a Ásia aceleraram o crescimento da Wirecard, atraindo a curiosidade dos que suspeitavam que era muito bom para ser verdade.
A investigação avançava lentamente quando a Zatarra Research publica um relatório, em 2016, expondo as práticas da Wirecard e anunciando a venda da ação a descoberto, para lucrar com a queda no preço quando o mercado percebesse a fraude. A empresa responde com uma forte campanha de relações públicas para se proteger e acusa a Zatarra de “insider trading”, conseguindo a aprovação do órgão regulador dos bancos alemães. Resultado: não só o CEO da Zatarra foi preso como a Wirecard elevou sua capitalização de mercado e entrou para o seleto clube das blue chips germânicas, o índice DAX 30.
Mas o que estava acontecendo? Uma passagem do livro resume de forma simples o mecanismo recorrente da fraude: ao criar lucros fictícios, cria-se também o problema do caixa fictício. E esse é o primeiro lugar que os auditores vão olhar, em um processo chamado de circularização (o auditor checa se o saldo de caixa e bancos do balanço publicado está mesmo no banco). Como ele não existia, era necessário “gastá-lo” na compra de ativos (empresas) fictícias. A Wirecard fabricou resultados e “investiu” a rentabilidade na compra de negócios de fachada na Ásia. Apresentou, assim, elevada taxa crescimento, compatível com a de uma empresa de tecnologia.
Finalmente, um executivo da Ásia, temendo ser envolvido, resolve entregar documentos a McCrum. E o Financial Times publica uma reportagem avassaladora em 2019, envolvendo a empresa, auditores relaxados e incompetentes e reguladores negligentes. O jornalista teve sua prisão decretada na Alemanha, além de várias ameaças a sua família e sua carreira em uma narrativa digna de filme (não percam o documentário Skandall, na Netflix). A ficção por vezes fica chocada com a vida real.
Money men: a hot startup, a billion dollar fraud, a fight for the truth
Dan McCrum
Transworld Digital
335 páginas
1a edição ― 2022
*Peter Jancso é conselheiro independente
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