Dentre os vários segmentos na seção de livros de negócios, certamente o mais apimentado é aquele que conta histórias de heroísmo e sucesso — ou, na outra ponta do espectro, episódios de fraude, enganação e destruição. Quando um personagem polêmico “cai em desgraça” e vê seu castelo de cartas desabar publicamente, as pessoas ficam com um gostinho de justiça sendo feita, em um mundo amplamente percebido como injusto e desequilibrado. Seguindo a linha recente dos casos da Theranos, e mesmo da Uber, o editor do Wall Street Journal Reeves Wiedeman debuta narrando a saga do WeWork e de seu excêntrico fundador, Adam Neumann.
A história é bastante corriqueira no universo das startups: fundadores criam um negócio do nada convencendo colaboradores e investidores a seguirem um sonho. No entanto, apenas poucos empreendedores equipados com enorme perseverança conseguem transformar sua visão em realidade, por meio de grande capacidade de execução. Ao longo dessa jornada, o carisma e energia que emana desses fundadores legitimam sua liderança sob uma aura invisível com fortes traços de culto religioso. Cria-se uma cultura corporativa perigosa, despida do sistema de pesos e contrapesos, pois ninguém arrisca discordar do líder supremo e correr o risco de ser jogado para escanteio.
Adam Neumann criou o WeWork quase sem querer na esteira da crise de 2008, quando muitos perderam o emprego em Nova York e precisavam de um espaço barato para começar a empreender. Iniciando no Brooklin, a empresa chegou a ser o maior locador da cidade, ultrapassando o banco J.P.Morgan. Em retrospecto, é fácil enxergar que o modelo de negócios era uma derivada do mercado imobiliário, baseado em locar grandes metragens no atacado, e sublocar estações de trabalho no varejo. Mas Neumann foi capaz de criar um campo de distorção de realidade para atrair investimentos de renomados fundos de venture capital por um bom tempo, até conhecer Masaioshi Son e seu Vision Fund com 100 bilhões de dólares.
Munido do bolso sem fundo de seu novo mentor, Adam comprou concorrentes, subsidiou locadores e investiu em uma série de projetos paralelos, enquanto pintava a empresa como “o futuro”: uma comunidade de trabalho humanizada, conectada pela tecnologia. Levantando seguidas rodadas de capital para crescer em ritmo frenético, a empresa sofria de aguda hemorragia de caixa, criando um círculo vicioso — até que a música parou de tocar.
Ao perceber que uma nova rodada de captação com investidores privados era improvável, a empresa amarra torniquetes para estancar a sangria de caixa e se prepara para um IPO, mas a janela de mercado para a operação se fecha, deixando a empresa à beira da falência. Os investidores, então, condicionam uma injeção de caixa à saída de Neumann, e a empresa embarca em uma ampla e profunda reestruturação.
Além da narrativa novelesca de ascensão e queda empresarial, um aspecto que emerge da personalidade de Neumann é a enorme distância entre sua retórica de ênfase na comunidade WeWork e os valores evidenciados por sua nababesca vida pessoal. Esse traço, convenientemente ignorado por investidores privados durante a escalada, foi muito explorado em sua espetacular queda. A história recente do Vale do Silício mostra que, em algumas situações, investidores têm dificuldade de diferenciar um unicórnio de um bode com um cone amarrado na testa. O excesso de capital (leia-se Vision Fund) e o “fomo”* certamente contribuem para essa propensão à ilusão coletiva.
Billion Dollar Loser: the epic rise and spectacular fall of Adam Neumann and WeWork
Reeves Wiedeman
Editora Little, Brown and Company
353 páginas
1a edição ― 2020
Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente
*Fear of missing out”, ou medo de deixar passar uma boa oportunidade de investimento
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