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Evolução das assembleias e a indicação de candidatos pelos acionistas
Uma década depois da instituição do voto à distância, ainda é preciso facilitar candidaturas para tornar os resultados das eleições mais representativos
Colunista Raphael Martins

Poucas atividades do mercado de capitais sofreram mudanças tão abruptas quanto as assembleias gerais. Num piscar de olhos, passou-se de um ambiente que ainda envolvia reconhecimento de firma e autenticação de documentos para reuniões que mais lembram um desenho da família Jetson.

O catalizador dessa revolução foi o ato normativo da CVM que criou o chamado “boletim de voto a distância,” mais conhecido pelo acrônimo BVD. Trata-se de uma espécie de cédula de votação por meio do qual o acionista vota, nas matérias da ordem do dia, de acordo com opções estabelecidas pela companhia, por lei ou pela indicação de acionistas. Com a subsequente permissão para a realização das denominadas “assembleias digitais,” conferiu-se as feições atuais desse evento societário. O que antes era síncrono, presencial e burocrático passou a conviver com o assíncrono, o virtual e certa flexibilidade.

O reconhecimento da relevância desse evento é importante na medida em que está no forno do órgão regulador justamente a mudança da respectiva norma. Afinal, passada quase uma década da implantação e utilização do BVD, alguns aspectos podem e devem ser aperfeiçoados com o objetivo de, facilitando a participação dos acionistas, tornar o resultado da assembleia geral o mais representativo possível daquilo que seria a vontade da base ativa de acionistas.

Não parece haver dúvidas de que o aspecto mais consequencial a ser discutido são os requisitos para indicação de candidatos aos órgãos de governança. Afinal, até a edição dos BVDs, ninguém questionava o direito de qualquer acionista indicar candidatos para as eleições majoritárias ou em separado desses órgãos. O único requisito era ser titular de uma ação, o que garantiria a totalidade dos direitos políticos da respectiva espécie. Se o candidato seria eleito, só o conclave diria.

Quando da criação do BVD e com o receio de que ele fosse banalizar o processo de indicações, uma vez que não apenas a companhia, mas os próprios acionistas poderiam incluir candidatos nele, o órgão regulador tomou a decisão de condicionar essa inclusão ao preenchimento de determinado percentual acionário, que pode variar de 0,5 a 2,5% da espécie de ação. A solução encontrada, entretanto, é ruim sob o aspecto jurídico e pior ainda para a qualidade da participação dos acionistas.

Afinal, conforme a CVM fez questão de esclarecer na respectiva audiência pública, essa medida se fundamentaria na prerrogativa legal de o regulador do mercado de capitais reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social, a porcentagem mínima para o exercício de determinadas prerrogativas pelos acionistas (Artigo 291, da LSA). No caso, conforme visto, não apenas inexiste um percentual legal exigível para a indicação de candidatos, como o regulador não reduziu um percentual, mas o criou.

Independente dessa discussão jurídica, parece inquestionável que a introdução desse requisito foi prejudicial ao processo de formação da vontade assemblear. Afinal, como nunca se contestou a possibilidade de candidatos serem indicados fora do BVD, seja previamente ou na própria assembleia, criou-se a situação desconfortável de que aquele que vota à distância tenha um conjunto mais reduzido de opções do que aqueles que adotam outras modalidades de participação.

Apenas para ilustrar esse ponto, em um cenário não infrequente em que ninguém que indique candidatos atinja o percentual legal, aquele que votar à distância acaba por não ter em quem escolher. Nesse caso, só aqueles que se fizerem presentes na reunião é que poderão deliberar sobre os candidatos disponíveis. Sob outra ótica, a deliberação dos candidatos indicados por fora não passa pelo crivo dos acionistas que optam por votar à distância e que podem ser até os mais expressivos em termos de representatividade acionária.

No fundo, o que existe e permeia o debate é um desconhecimento e um preconceito sobre a participação dos acionistas no processo de formação dos órgãos de governança.

Quanto ao primeiro aspecto, ignora-se o fato de que, dentro da dinâmica do mercado de capitais brasileiros, salvo quando existem investidores minoritários nacionais expressivos, as indicações de representantes para as companhias abertas costumam ser feitas pelas gestoras locais e não pelos grandes investidores institucionais, normalmente estrangeiros. Enquanto esses teriam participações acionárias que lhes permitiriam atender os requisitos legais de indicação de candidatos, aqueles, até por conta de suas políticas de diversificação de investimentos, dificilmente mantém percentuais de participação que permitem fazer essas indicações sem esforços extraordinários de coordenação ou de aumento de exposição da carteira.

Além disso, existe um mito de que haveria qualidade ou valor relevante na representatividade do acionista que faz a indicação. Fosse isso verdade, esses percentuais legalmente estabelecidos pela CVM para indicação já não atenderiam a finalidade a que se propõe, uma vez que seriam feitos por acionistas com limitadíssima representatividade, em alguns casos, de meio por cento da espécie de ação envolvida. Tudo leva a crer que, sob o aspecto da qualidade da deliberação e da própria governança corporativa, é mais relevante a representatividade da deliberação do que da indicação. No ambiente ideal, toda a base de acionista ativa deliberaria sobre todos os candidatos disponíveis e não, como ocorre hoje, em que se limita, sem nenhum benefício aparente, as possibilidades de participação de quem vota no BVD.

Por sua vez, o argumento terrorista de que excluir o requisito geraria uma multiplicação de indicações é questionável. Afinal, tal fenômeno não ocontecia quando o processo de votação ocorria sem a utilização dos BVDs, em que qualquer acionista poderia indicar candidatos aos órgãos de governança. E isso ocorre, na medida em que o sistema societário já possui uma série de freios e contrapesos para impedir esse fenômeno, como, por exemplo, condicionar a percentuais relevantes o preenchimento de determinadas vagas nos órgãos de governança, requisitos subjetivos para o preenchimento de cargos ou mesmo prazos específicos para a realização de indicações.

Tudo leva à conclusão de que, no processo natural de evolução do marco normativo da assembleia, dois devem ser os pilares fundamentais: por um lado, simplificar ao máximo a participação dos acionistas no conclave, pelos meios que lhes sejam mais convenientes e contanto que não sejam prejudiciais à confiabilidade do processo deliberativo; por outro, aproximar o acionista do conjunto de opções deliberativas que estarão presentes na reunião propriamente, de modo a evitar a criação de repartições do colegiado na mesma deliberação. Dentro dessa lógica, só há incentivos para que se facilite ao máximo a inclusão dos candidatos no BVD.

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