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Complexo ou complicado? 
Compreender a diferença entre os dois tipos de sistemas é fundamental para liderar empresas com sucesso no século 21 
Compreender a diferença entre os dois tipos de sistemas é fundamental para liderar empresas com sucesso no século 21 

Compreender a diferença entre sistemas complexos e sistemas complicados é fundamental para reformular a maneira como vemos as empresas e, assim, administrá-las com sucesso no século 21 | Imagem: freepik

Vivemos em um mundo complexo ou complicado? As empresas são sistemas complexos ou complicados? 

Essa não é uma discussão semântica: compreender a diferença entre sistemas complexos e sistemas complicados é fundamental para reformular a maneira como vemos as empresas e, assim, administrá-las com sucesso no século 21. 

Complexo é diferente de complicado 

A maioria das pessoas utiliza os termos complexo e complicado de maneira intercambiável. Outras usam complexo para se referir a algo extremamente complicado. 

Na verdade, um sistema complexo opera com uma lógica distinta de um sistema complicado. Trata-se de dois diferentes tipos de sistemas, não de graus de dificuldades¹. 

  • Um motor de carro é complicado; o trânsito é complexo. 
  • Construir um prédio é complicado. O funcionamento das cidades é complexo. 
  • Programar um software é complicado. Montar uma startup de software é complexo. 

Um sistema complicado tem uma relação direta e clara de causa e efeito. Seus elementos interagem entre si de maneira previsível. Para cada ação há uma reação proporcional. Seus problemas muitas vezes são difíceis de resolver, mas podem ser solucionados com regras e processos após uma análise racional e especializada. Um sistema complicado, como qualquer equipamento mecânico, é controlável e admite soluções permanentes. 

Um sistema complexo, por sua vez, é composto por elementos que interagem entre si com um comportamento dinâmico e adaptativo. Os relacionamentos entre os elementos são mais importantes do que eles próprios. Importam as interações, não as partes. 

Essas interações podem dar origem a comportamentos imprevisíveis, sem causa única identificável. Pequenas ações podem ocasionar enormes reações, ao mesmo tempo em que grandes intervenções podem se mostrar inócuas. Um sistema com capacidade de surpreender as melhores previsões é sempre um sistema complexo. 

Como os problemas de sistemas complexos envolvem muitos fatores inter-relacionados, não é possível tratá-los de maneira fragmentada nem reduzi-los a regras ou processos: é preciso compreendê-los de maneira integrada, analisando todo o sistema. 

Os problemas dos sistemas complexos sequer podem ser resolvidos em definitivo. O melhor que se pode fazer é influenciar positivamente esses sistemas ou, como disse a cientista pioneira nesse campo Donella Meadows, aprender a dançar com eles². 

E as empresas? 

Você acredita que uma empresa é um sistema complicado ou complexo? A resposta é óbvia. Todos os sistemas biológicos, psicológicos e sociais são complexos. 

Uma empresa é uma comunidade humana complexa a ser orientada continuamente de modo a criar valor sustentável para todos os seus stakeholders. 

Ela não é uma máquina complicada para a qual se deve achar uma “solução” com o objetivo de maximizar o resultado para os acionistas. 

Visualizar a empresa como sistema vivo em lugar de um sistema mecânico significa aceitar que ela é cheia de incertezas e surpresas, um organismo com o qual precisamos interagir continuamente para moldá-lo e influenciá-lo rumo ao estado desejado. 

Compreender que as organizações são sistemas complexos também significa entender que não se “conserta” ou se “resolve” uma empresa, assim como não se “conserta” uma pessoa: o que se pode (e se deve) fazer é criar o melhor ambiente possível para que a empresa e seus membros possam prosperar em sintonia com o propósito e os valores da organização. 

O problema — e a dura realidade — é que a maioria dos líderes empresariais continua a administrar suas empresas como se fossem máquinas em vez de sistemas vivos. 

Essas lideranças acreditam que, se investirem muitos recursos em termos de tempo, capital humano, tecnologia e dinheiro conseguirão prever o futuro, controlar os resultados das iniciativas, encontrar soluções definitivas para os problemas e chegar às respostas “certas” para suas dúvidas. Mais ainda: os líderes com uma visão mecanicista acreditam que podem controlar o comportamento e as decisões dos colaboradores por meio de restrições como regras, políticas e processos. 

Nada disso é possível em um sistema complexo. 

Pelo contrário. Tentar resolver problemas complexos, típicos do mundo corporativo, com uma mentalidade de problemas complicados causa mais males do que benefícios. Além de contraproducente, esse modelo mental produz graves efeitos colaterais, como cegueira ética, desmotivação generalizada, ausência de inovação e baixa produtividade. 

Como bem resumiu Aaron Dingnan, autor de um livro sobre o futuro do trabalho, “cada plano de cinco anos, cada orçamento anual e cada meta fixa representam uma confissão pública de que não entendemos a natureza das nossas organizações. Nossa obsessão pelo controle nos cega da verdade”³. 

Assim como a física evoluiu da perspectiva da mecânica clássica para a quântica, o mundo empresarial precisa evoluir da mentalidade do complicado para o complexo. 

O que fazer então? 

Líderes com uma mentalidade complexa sabem que não é possível controlar os resultados da organização por meio de planejamentos detalhados, sistemas de incentivos complicados e regramentos minuciosos. 

Eles compreendem que o desempenho da empresa é sobretudo consequência de sua cultura, inteligência coletiva, orientação para propósito e autorregulação entre seus membros. 

Também sabem que, se conseguirem criar as condições certas, as pessoas encontrarão maneiras de trabalhar com excelência e alcançar os objetivos organizacionais em concordância com os valores da organização. 

Adotar um pensamento sistêmico significa liderar a organização a partir de um conjunto de novos princípios que permitirão construir uma organização continuamente adaptável, resiliente e de alto desempenho. Entre esses princípios, se destacam: 

  • adoção de diretrizes gerais em vez de regras específicas; 
  • ênfase na autonomia e na máxima liberdade com responsabilidade; 
  • transparência completa e informações em tempo real para todas as pessoas; 
  • construção de relacionamentos de confiança; 
  • criação de um ambiente emocionalmente positivo; 
  • busca pelo aproveitamento da inteligência coletiva de todos os membros da organização, com valorização da diversidade e da inclusão; 
  • promoção de uma cultura de experimentação e aprendizado contínuos; 
  • celebração dos fracassos como parte do aprendizado rumo à excelência; 
  • foco na responsividade em lugar da execução de planos detalhados; 
  • compreensão de que o valor de exercícios de planejamento reside na reflexão conjunta sobre cenários alternativos em lugar de prever o futuro; 
  • promoção das mudanças organizacionais organicamente, a partir de cada equipe de baixo para cima;  
  • tomada de decisões com a participação ativa e consentimento de todas as pessoas impactadas. 

Aplicar esses princípios com base em um pensamento sistêmico que compreende e aceita a complexidade não é apenas bem-vindo: é um imperativo para liderar empresas com sucesso no século 21. 

No século 20 — caracterizado por um ambiente razoavelmente previsível que premiava a repetição e no qual o desempenho era uma questão de engenharia independente das emoções humanas — era possível administrar empresas com um modelo mental linear e cartesiano. 

No século 21 — caracterizado por um ambiente imprevisível que premia a flexibilidade e no qual o desempenho é uma questão de psicologia intrinsecamente associada às emoções humanas — é imprescindível administrar as organizações com um modelo mental não linear e sistêmico. 

Um grande desafio para as lideranças 

Evoluir do complicado para o complexo é uma mudança de paradigma. Um grande desafio para a maioria dos executivos, em geral avessos à ambiguidade e às incertezas após terem construído carreiras com base na previsibilidade e no controle. 

Para os que conseguirem realizar essa travessia mental o prêmio será valioso. Aprender a apreciar o contexto dinâmico e interconectado em que vivemos proporciona uma sensação de alívio, um benefício incomparável em relação ao estresse constante de procurar controlar o incontrolável. 

Desenvolver o pensamento sistêmico também é uma vantagem competitiva. O mundo do século 21 será das pessoas e das organizações que conseguirem desenvolver sua humanidade plenamente e se adaptar por meio de aprendizado contínuo, criação de relacionamentos mutuamente benéficos e senso de propósito. 

Como sintetizou o professor Crawford Holling, um dos pioneiros do pensamento sistêmico, “em sistemas complexos, a riqueza não deve ser medida em dinheiro ou poder, mas na capacidade de se adaptar.”


Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Virtuous Company Consultoria e autor de Empresiliente! Prosperando em um Mundo de Incertezas, Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI e Governança Corporativa: O Essencial para Líderes. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.  


Notas

¹ Poli, R. (2013). A note on the difference between complicated and complex social systems. Cadmus, 2(1), 142. 
² Meadows, D. (2001). “Dancing with systems. The Donella Meadows Project”. Disponível em: http://donellameadows.org/archives/dancing-with-systems/  
³ Dignan, A. (2019). Brave New Work: Are You Ready to Reinvent Your Organization?. Penguin UK. 
Kinni, T. (2017). “The critical difference between complex and complicated”. MIT Sloan Management Review. Disponível em: https://sloanreview.mit.edu/article/the-critical-difference-between-complex-and-complicated/  

 

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