Há oito anos, o mercado de agentes autônomos de investimentos vive um regime jurídico de exclusividade, imposto pela Instrução 497 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que prende o profissional a uma única plataforma de investimento. Com a justificativa de que o modelo facilitaria a fiscalização do trabalho dos agentes pela corretora, a regra engessou o setor e acabou aumentando a concentração do mercado — o que cria uma alta barreira de entrada a novos players.
Tendo apenas um fornecedor, os agentes trabalham em um ambiente de baixa concorrência; com isso, acabam sendo prejudicados os investidores, expostos a uma gama de produtos com taxas e performances pouco transparentes. Quanto mais corretoras o agente puder oferecer para seus clientes operarem com valores mobiliários, maior disputa comercial e, consequentemente, menor o custo operacional e maior o fortalecimento de todo o mercado de capitais brasileiro. A exclusividade para operações em bolsa prejudica seriamente a livre concorrência.
Atualmente, com o avanço da tecnologia, as corretoras e os agentes já são capazes de desenvolver ou contratar sistemas que permitem o atendimento de todos os aspectos regulatórios, mesmo que os profissionais usem diversas casas. Com programas de gravação e controle segregados, as empresas do setor conseguem fiscalizar todas as operações realizadas.
Um dos argumentos de quem defende a manutenção da exclusividade é a dificuldade de saber sobre quem recai a responsabilidade no caso de o agente autônomo cometer um erro ou uma fraude. Mas a resposta é simples: do próprio agente e da corretora. A lógica é a mesma de quando há algo semelhante com um médico que trabalha em diversos hospitais ou com um corretor de seguros que vende produtos de mais de uma seguradora.
“A responsabilidade em caso de erro ou fraude cabe ao próprio agente e à corretora.”
Também deveria ser revista a regra sobre o distrato do agente autônomo com a antiga corretora. Por uma norma da B3, o profissional fica impossibilitado de operar valores mobiliários para os seus clientes por 60 dias, contados a partir da rescisão contratual com a plataforma, o que impossibilita eventual migração — exceto se a corretora de origem conceder uma carta de referência, fato que torna o agente ainda mais dependente. Em grande parte dos casos, o contato com seu portfólio de investidores é cortado e sua carteira costuma ser redistribuída com os demais agentes que ficaram na empresa de investimentos. Se os clientes quiserem mudar junto com o agente, em geral, precisam enfrentar um processo burocrático tão desgastante que acabam desistindo de mudar de corretora.
A situação chegou a um ponto tão conflituoso que, para burlar a regra da exclusividade, na prática firmas de agentes estão criando duas ou mais figuras jurídicas. E há corretoras emprestando dinheiro para agentes autônomos em troca de exclusividade.
É, portanto, muito importante que a CVM reveja a Instrução 497/11 — o que, aliás, já começou a fazer com a abertura de uma audiência pública que questiona justamente a continuidade da exigência da exclusividade para valores mobiliários. Apesar disso, ainda existe incerteza sobre quais serão os próximos passos. Um arcabouço regulatório mais livre, transparente e competitivo deve ser regra geral, jamais a exceção.
*Alexandre Marchetti ([email protected]) é sócio da plataforma de investimentos HUB Capital
Recentemente a Associação Brasileira de Agentes Autônomos de Investimento (Abaai) entrou em campanha pelo fim da exclusividade entre seus representados e as corretoras, bem no momento em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começa a reformar a Instrução 497/11. Mas seria esse o melhor caminho para melhorar as relações entre esses profissionais, as corretoras e os investidores?
Com o avanço do mercado financeiro, os agentes cresceram em número e em captação de clientes e recursos. Até 2011, eles tinham liberdade para atuar junto a várias corretoras e muitos passaram a exercer atividades que não eram inerentes às suas funções, especialmente a de consultoria de investimentos, o que gerou numerosos inconvenientes.
Como não há autorregulação específica, o mercado usa as certificações CFP da Planejar e CEA da Anbima, para atuação como consultor de investimentos. Mas para um profissional ser agente autônomo há autorregulação: ele precisa ter a certificação homônima, emitida pela Ancord, além do registro na CVM. Assim, uma vez que os agentes não trabalhavam apenas com uma única corretora, a fiscalização de sua atuação era difícil. Foi por isso que em 2011 a Instrução 497 estabeleceu a exclusividade, posta em questão hoje diante da expansão das plataformas de investimento. Mas será que o mercado está preparado?
Em primeiro lugar, a atuação do agente autônomo está limitada à distribuição de produtos financeiros — pode, no máximo, esclarecer dúvidas. A certificação só o qualifica a exercer essas funções; não cabe a esse profissional atuar como consultor ou gestor. Isso porque tanto um consultor quanto um gestor de investimentos têm certificações e qualificações específicas. E o profissional deve optar por ser agente autônomo, consultor ou gestor, visto que a legislação não permite atuação simultânea — restrição pertinente, pois pode ocorrer conflito de interesses entre as atividades.
Segundo: o investidor precisa ter segurança para aportar seus recursos e driblar fraudes ou práticas errôneas — ou que pelo menos tenha a quem recorrer caso algum infortúnio aconteça —, e para isso a exclusividade é essencial. Os escritórios intermediários e as corretoras, ao exigirem exclusividade, devem compartilhar com os agentes a responsabilidade pelos clientes e suas escolhas. Outro aspecto importante é a infraestrutura de compliance e risco que deve existir para dar segurança às operações, que no caso da exclusividade fica mais transparente e rigorosa.
“Exclusividade é essencial para ter segurança aportar recursos e driblar fraudes”
É por isso que, a meu ver, não só os investidores sairiam perdendo com o fim da exclusividade. Os próprios agentes autônomos seriam afetados, tendo que responder sozinhos por problemas que possam vir a ter em suas escolhas e operações, sem contar com um respaldo mais efetivo. Vale lembrar que, apesar de no início ter sido baseada no modelo americano, que protege mais o prestador de serviços, a regulamentação brasileira hoje segue o modelo europeu, mais voltado à proteção do investidor.
Acredito que o mercado brasileiro ainda precisaria ter mais maturidade para lidar com a liberdade entre agentes autônomos e corretoras. Se na Europa, que tem um mercado mais evoluído, isso não acontece, não acredito que estejamos preparados — pelo menos não agora.
*Juliano Lima Pinheiro ([email protected]) professor doutor da UFMG e autor do livro “Mercado de Capitais”
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