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Tal tia, tal sobrinha
Luiza Trajano
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Luiza Trajano, presidente da Magazine Luiza: “A mulher sempre tem que provar a sua competência mais do que o homem. Mas nunca fui de me sentir complexada”. Foto: Greg Salibian.

A Luiza do Magazine era a sua tia, mas Luiza Helena Trajano agia como se fosse a própria homenageada no letreiro da loja da família, em Franca, no interior paulista. Aos 13 anos, pulou para trás do balcão durante as férias escolares, e de lá não saiu mais: trabalhando duro, chegou a gerente-geral, para depois assumir o comando e liderar a vertiginosa expansão da rede varejista pelo Brasil — com o apoio da tia e xará Luiza, que não teve filhos. Mas, e se ela precisasse disputar cargos com um primo ou irmão homem: a história do Magazine Luiza seria diferente?

A pergunta surge no contexto da nova bandeira levantada pela presidente do Magazine Luiza, companhia com 613 lojas em 16 estados e capital aberto desde abril de 2011: o estabelecimento de cotas para mulheres em conselhos de administração — assunto que é alvo de projeto em tramitação no Senado Federal. Luiza explica que sua posição não parte de uma experiência pessoal, pois teve a sorte de crescer em uma família de mulheres empreendedoras. Não se sentia descriminada. No entanto, durante muitos anos, ela foi a única CEO mulher no varejo brasileiro e precisou se impor em ambientes masculinos. “A mulher sempre tem que provar a sua competência mais do que o homem. Mas nunca fui de me sentir complexada. Até por ser filha única, tenho a autoestima elevada.”

Foi sob aplausos que Luiza defendeu as cotas em conselhos durante o Fórum Momento Mulher, realizado em outubro em São Paulo. “O percentual de mulheres em conselhos de administração está estagnado em 7,7%. Tenho uma preocupação com a desigualdade em qualquer segmento, como o social e o racial. Desde criança me sinto responsável por aumentar a igualdade no mundo”, diz. Do lado oposto do debate, com ponderações contra as cotas, estavam Sandra Guerra, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), e Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa. Com o seu jeito interiorano de falar, simples e direto, a empresária conquistou a plateia, predominantemente feminina.

É em situações como essa que Luiza — quase ministra do governo Dilma Rousseff — fica mais à vontade. “Sou uma pessoa querida, estou sempre junto do povo.” Ela chegou a ser confirmada pela imprensa como ministra-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, em agosto de 2011, mas acabou não assumindo a pasta, hoje nas mãos do político Guilherme Afif Domingos. Luiza confirma o convite, recebido em função de sua “paixão pela pequena empresa”, mas prefere não explicar o episódio. “Esse assunto cansou. Continuo participando e ajudando o Brasil, como faço com todos os governos. Não sou de colocar defeito. Já tem gente demais dizendo que não vai dar certo; eu prefiro ajudar.”

A empresária integra hoje o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), criado em 2003 pelo presidente Lula, e também o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Isso, apesar de não gostar muito de atuar em conselhos. “Não sou de falar, sou mais de fazer”, justifica. Na empresa que cresceu à sua imagem e semelhança, Luiza vem tentando “fazer” menos: com o processo de profissionalização, passou a dividir o comando da rede com o superintendente Marcelo Silva, e deixou de participar das reuniões operacionais. “Mas fico sabendo de tudo, tudo mesmo, porque criei uma linha direta com a base”, diz. Por base, Luiza refere-se ao cliente — até hoje ela responde e-mails sobre reclamações —, ao funcionário e, agora, também ao acionista. “Como estou aberta a ouvir, as pessoas me contam qualquer coisa que não esteja de acordo com a cultura da empresa.”

Foi com esse tipo de abertura que a presidente recebeu, na sede da companhia (transferida há três anos de Franca para a zona norte de São Paulo), investidores pessoas físicas surpreendidos pela queda no preço das ações após o IPO da empresa. “Qualquer um que ligasse perguntando ‘O que aconteceu, Luiza?’, eu chamava. Fiquei chateada, porque não queríamos decepcionar quem acreditou. Essas pessoas precisavam entender o momento, a oportunidade de comprar duas redes estratégicas (Lojas Maia e Baú). É natural que o resultado seja mais difícil por um ou dois anos, por causa da integração e das despesas.” A comunicação, ela admite, pode ter falhado por falta de experiência (“Ainda estamos aprendendo a falar com o mercado”), mas o processo de consolidação de redes adquiridas com culturas diversas não era novidade. “Já fizemos 13 aquisições. No caso da Maia, havia o desafio de serem 140 lojas e numa região nova, o Nordeste. Mas, quando compramos a Arno (2004), disseram que os gaúchos eram muito bairristas e tivemos uma ótima integração.”

A primeira segunda-feira é sempre marcante para os funcionários das lojas incorporadas. É nesse dia que acontece o “rito da comunhão”, uma liturgia semanal criada por Luiza no começo dos anos 1990. Depois de apresentar os resultados das vendas e homenagear os aniversariantes da semana, os vendedores cantam juntos o hino nacional, seguido do hino da rede varejista e de uma oração. “Quando compramos uma empresa, colocamos de cara alguns dos nossos credos. No começo eles estranham, mas depois se identificam com a nossa cultura de transparência, em que há uma linha direta comigo e o salário que aumenta de acordo com o desempenho.” Ela ressalta que a finalidade do rito não é religiosa e que a oração final depende de cada gerente: “É uma forma de promover um alinhamento físico, compensar o afastamento causado pela tecnologia.”

Cercada em sua sala por imagens de santos, estatuetas e bibelôs que recebe de amigos e admiradores (“Sou muito espiritualizada”), Luiza destaca os avanços na governança corporativa que antecederam a abertura de capital e confessa uma obsessão: perenizar a cultura dos fundadores da rede varejista, apesar da escala imprescindível no varejo. “Mentalizo para que a empresa jamais perca os seus valores e a sua alma.”

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