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Nova oportunidade para a securitização da dívida pública passiva
Medida pode ajudar estados e municípios a reforçar caixa, mas tem muitas exigências
Retrato da articulista Maria Tereza Tedde

*Maria Tereza Tedde é sócia do escritório Salusse Marangoni Parente e Jabur Advogados | Ilustração: Julia Padula

Veio recentemente da Secretaria do Tesouro Nacional uma boa notícia para entes federativos que enfrentam problemas de caixa na atual situação de crise econômica. Em agosto, o órgão publicou uma portaria¹ que regulamenta a securitização de dívidas de estados, municípios e do Distrito Federal, garantidas pela União — a chamada dívida pública passiva. A ideia não é nova: embora tenha sido incluída no pacote emergencial do governo, não nasceu com a pandemia de covid-19.

O processo, no entanto, foi acelerado pelas circunstâncias. A Secretaria do Tesouro já havia iniciado, em setembro de 2019, uma consulta pública sobre a securitização da dívida passiva, tema que ganhou força pelo fato de a crise ter aumentado a necessidade de caixa dos entes públicos e de ter reduzido a capacidade das instituições financeiras para novas concessões de crédito.

Requisitos para a securitização da dívida pública passiva

Esse tipo de securitização surge, então, como uma alternativa: além de permitir a renegociação das dívidas públicas em termos mais benéficos para os devedores, “libera espaço” no balanço das instituições financeiras para outros empréstimos e oferece ao mercado uma nova opção de investimento.

Mas existem requisitos para essa securitização — e não são poucos. Um deles é que decorra de renegociação de contratos celebrados até 1º de março de 2020. Outro é a redução dos encargos de financiamentos já contraídos. Mais uma exigência é que a reestruturação ocorra ainda neste ano, permitindo que o ente tenha maior disponibilidade de caixa para fazer frente às medidas de combate à pandemia.


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Dentre os requisitos relacionados aos aspectos financeiros da operação, vale citar: o valor presente da dívida renegociada deve ser inferior ao da dívida original; seu custo deve ser menor que o original, abaixo do máximo aceitável (conforme a Secretaria do Tesouro) para operações de crédito securitizáveis com duration de até dez anos e menor que o máximo, patamar equivalente ao custo de captação do Tesouro Nacional para as operações de crédito securitizáveis com duration superior a dez anos.

A ideia por trás desses requerimentos é o “gosto amargo” que parece ter ficado na boca da administração pública em virtude de securitizações ocorridas no passado — além de, evidentemente, permitir à União um melhor controle dos custos da dívida.

Custos da securitização

Já houve três ocasiões em que se autorizou securitização semelhante, relativas a dívidas dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Maranhão. Segundo a Secretaria do Tesouro, “em nenhum dos três casos citados o estado se beneficiou da redução de custos, uma vez que o custo do empréstimo com securitização foi semelhante ao custo de outros empréstimos sem securitização”.

Ponto interessante é a exigência que a nova dívida seja indexada ao CDI — o que, além de possibilitar um controle mais eficiente dos custos, em alguma medida reduz a concorrência com alguns outros títulos da dívida soberana.

Chama a atenção, ademais, a inteligente omissão do legislador quanto ao modelo de securitização (debêntures, FIDCs², letras financeiras vinculadas), permitindo que sua escolha se adapte a cada caso.

Destaca-se, por fim, o silêncio no que tange à amplitude da garantia. No que respeita a dívida original, essa menção talvez fosse desnecessária, pois, historicamente, a garantia dada pela União é integral. No entanto, quanto à dívida reestruturada, o silêncio é eloquente.

Garantia parcial da securitização

Objetivamente, considerando-se que o custo da nova dívida deverá ser inferior ao da original, nada leva a crer que o credor aceitaria uma redução na garantia. Todavia, existe uma janela para que, no futuro, sendo a operação estendida para novos contratos, a garantia parcial seja uma realidade. Isso estaria em linha com o que se observou na consulta pública precedente: preocupação com o estímulo de financiamentos não garantidos integralmente pela União. Isso porque, nas palavras da Secretaria do Tesouro, essa garantia nivela o risco dos diversos entes, já que o credor não estaria sujeito ao risco de crédito do mutuário, mas do garantidor.

A sujeição ao risco do mutuário explicitaria as vantagens da solidez fiscal e puniria as políticas fiscalmente insustentáveis.

Nesse sentido, foge à nossa compreensão a inserção do art. 6º na portaria da Secretaria do Tesouro, estabelecendo que as operações de reestruturação nela tratadas estão sujeitas aos limites de exposição a risco de dívida pública a que se submetem as instituições financeiras.

Ora, originalmente, os contratos atingidos pela portaria estariam expressamente excluídos do limite de exposição estabelecido pela Resolução 4.589 do Conselho Monetário Nacional, de 29 de junho de 2017 (art. 1º, §2º), o que, ao menos em tese, resulta em maior disponibilidade de capital para concessão de crédito com outras garantias. Sua inclusão decorrente da renegociação acaba, contrario sensu, reduzindo essa disponibilidade, ao menos até que se aperfeiçoe a cessão do crédito.

Sem entrar no mérito da possibilidade de questionamento da legalidade do dispositivo, em virtude de conflito de normas, parece-nos clara a contradição entre o citado art. 6º e a intenção anteriormente manifestada (seja na consulta pública, seja no silêncio da própria portaria).

Para não especular o motivo da inclusão (dada a irrelevância do resultado do exercício), preferimos aguardar para analisar, futuramente, seus impactos.

Seja como for, é elogiável a iniciativa de se permitir a securitização da dívida passiva, embora, dada a quantidade de requisitos, notadamente com relação à limitação dos custos, imaginamos que o mercado vá ter um interesse bastante limitado na operação. Esperemos o resultado da experiência, torcendo para que seja mantida, com os devidos ajustes.


*Maria Tereza Tedde ([email protected]) é sócia do escritório Salusse Marangoni Parente e Jabur Advogados


Notas

¹Portaria STN nº 429, relativa ao art. 6º da Lei Complementar 173/20

²Fundos de investimento em direitos creditórios


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