Onda de IPOs requer análise criteriosa das operações
Situação macroeconômica pode provocar volatilidade, o que sugere maior cautela por parte dos investidores
Onda de IPOs requer análise criteriosa das operações

Imagem: dooder | Freepik

Quando uma crise aguda reforça a necessidade de as empresas obterem recursos para investimentos — ou até para sustentar o caixa — é natural que elas procurem alternativas aos custosos financiamentos bancários. É nesse contexto que em geral cresce o interesse pela abertura de capital, um caminho que pode conciliar as demandas de curto prazo com os planos mais longos das empresas. Não foi por acaso, portanto, que aumentou significativamente a quantidade de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) no Brasil neste atípico ano de pandemia, assim como de pedidos de registro apresentados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O risco, nesse caso, está ligado à volatilidade. Como em tempos de crise é maior a instabilidade do mercado, nem sempre os IPOs são bem-sucedidos em termos de demanda e preço ou podem efetivamente sair do papel.

A questão é de timing. Nas situações em que a volatilidade fica mais intensa, torna-se mais difícil para as empresas encontrar o momento certo para a listagem em bolsa ou mesmo ter a clareza de perceber que é hora de recuar, interrompendo o processo. Do lado do investidor, a dinâmica é um pouco diferente: envolve uma avaliação acurada da qualidade dos IPOs que se apresentam, para que evitem apostas ruins como em muitos casos aconteceu durante a euforia dos anos 2006-2007. Sob a mediação de Alexandre Póvoa, colunista da CAPITAL ABERTO e fundador da Valorando Consultoria, discutiram a atual onda de IPOs no mercado brasileiro Wagner Faccini Salaverry, sócio e gestor de renda variável da Quantitas, e Isabel Ramos, estrategista de equities da Occam Brasil. O encontro online aconteceu no fim de setembro na plataforma Conexão Capital.

Interessante observar que o fenômeno não se restringe ao Brasil. Segundo Póvoa, neste ano nos Estados Unidos foram feitos 235 IPOs, com a captação de cerca de 100 bilhões de dólares. “É o maior montante desde a onda das pontocom, no início dos anos 2000”, afirma. Por aqui, cerca de 50 operações ocorreram desde janeiro, entre IPOs e follow-ons (movimento financeiro de aproximadamente 70 bilhões de reais) e há em torno de 45 operações “na fila”.

Sinais de bolha?

Tamanha movimentação naturalmente suscita a pergunta: será que existe uma bolha? Póvoa destaca o fato de a CVM já ter alertado que alguns prospectos estariam não tão detalhados quanto seria desejável — o que poderia ser um sinal de alerta. Além disso, a fraqueza da economia neste momento talvez não justificasse aportes em novas empresas na bolsa.

Na avaliação de Ramos, não existe uma bolha. “O que aconteceu é que, com a discreta melhora do cenário de pandemia, um volume muito grande de operações se concentrou num curto espaço de tempo”, observa, lembrando que o fato de os juros estarem em níveis baixos no mundo e agora também no Brasil acaba direcionando recursos para as emissões de ações. Segundo ela, os analistas da Occam avaliam todos os prospectos de IPOs, mas só alguns passam pelos filtros da gestora. “Isso significa que o trabalho de análise se multiplicou, já que também continuamos acompanhando as empresas que já fazem parte do portfólio.”

Salaverry compartilha a opinião de que não está configurada uma bolha, mas ressalva que há casos que merecem maior atenção, pela possibilidade de existirem alguns “excessos”. Eles seriam evidentes principalmente em três setores: construção civil, farmácias e empresas de tecnologia. “Nesses casos, acredito que pode haver excessos em termos de preços, de quantidade de empresas fazendo IPOs — só construtoras, foram dez neste ano — e de ampliação muito intensa da concorrência dentro dos setores”, pondera o gestor. Ele sublinha, ainda, o papel das pessoas físicas no aumento da quantidade de IPOs em 2020. O número de investidores individuais de varejo tem crescido constantemente na bolsa brasileira.

Mais pessoas físicas na bolsa

A presença a cada dia maior das pessoas físicas — acompanhada da participação de investidores institucionais brasileiros — contrasta com um posicionamento mais discreto dos estrangeiros. Póvoa destaca que, no boom de 2006-2007, os investidores de fora do País representavam 70% da demanda nas operações; agora, a situação se inverteu, com os investidores locais ficando com essa fatia dos IPOs e follow-ons.

Na opinião de Ramos, o afastamento de estrangeiros é ruim para o mercado brasileiro, à medida que sinaliza uma perda de relevância do País no cenário internacional. “Há muitas questões que não estamos sabendo endereçar, como as relacionadas à situação fiscal, à competitividade das empresas e aos aspectos ESG, principalmente ambientais”, comenta.

Janela de oportunidade se fecha

O cancelamento de IPOs, casos das operações de BR Partners e Caixa Seguridade, mostra que a janela de oportunidade está se fechando, afirma Salaverry. “Já dá para perceber, pela sinalização dos bancos, de que isso está acontecendo. Muitas operações estão com ‘data a definir’. Por outro lado, o fato de os juros estarem muito baixos ainda sustenta a situação — as pessoas físicas, por exemplo, já perceberam que precisam ter ações na carteira se quiserem ter retornos melhores”, afirma.

Para o gestor, esses novos investidores agora começam a ter volume e canais (como as redes sociais) para cobrar ações do governo que garantam bons resultados para a economia. “Se as coisas pioram, agora elas perdem dinheiro. É bem diferente do que acontecia: antes, se a situação não era boa os juros subiam e os investidores ganhavam na renda fixa.” Segundo Salaverry, um bom indicativo desse movimento foi a ampla reação negativa da sociedade à tentativa do governo de dar uma pedalada fiscal para custear um novo programa de transferência de renda.

Vale ressaltar que, nesse aspecto macro, geram grande preocupação no mercado os efeitos sobre a dívida pública dos incentivos dados pelo governo para contornar a crise da pandemia. Há, ainda, o perigo de o Executivo tentar manter essa liberação de recursos, mesmo que em patamares menores (300 reais de auxílio emergencial, em vez de 600 reais), para impedir uma eventual queda de popularidade do presidente — o que teria um efeito fiscal dramático. “Pode ser uma armadilha, e podemos não saber como escapar dela”, comenta Ramos. “Como se sai dessa situação é o problema”, observa Póvoa.

Diferenças em relação último boom de IPOs

Na avaliação dos gestores, a atual onda de IPOs ocorre num cenário bastante diferente do boom de 13, 14 anos atrás. Hoje os juros estão em patamares muito mais baixos e existe um número maior de pessoas físicas comprando ações. O perfil das empresas também mudou. Se antes estreavam na bolsa de valores negócios já consolidados, agora tentam atrair os investidores companhias mais novas e de setores bastante diferentes — o que sugere que se redobre a atenção na análise e escolha criteriosa de papéis.

Na visão de Salaverry, neste movimento de 2020 há uma questão importante relacionada aos preços. “Percebo que existe até um certo constrangimento dos bancos de investimento quando apresentam as empresas na hora de falar de preços, como se dissessem ‘não se assustem’”, relata, destacando ter a impressão de que hoje na média os preços dos IPOs estão mais altos do que baixos. Quanto à destinação dos recursos captados, Ramos afirma que o dinheiro tem as mais variadas aplicações — de investimentos (capex), a rubrica preferida da Occam na avaliação dos ativos — pagamento de dívidas e reestruturação dos negócios. “Mas, na dinâmica do mercado, de relações entre vendedores e compradores, acredito que a questão do preço acaba ficando ajustada”, afirma. “O gestor está aqui para escapar das armadilhas, separar o joio do trigo.”

Pessoas físicas devem ter cautela

Embora o movimento de IPOs seja benéfico para o mercado de capitais brasileiros, cabe um olhar mais atento para o comportamento das pessoas físicas quanto à análise das opções de ativos na bolsa, afirmam os gestores. “Eu nunca fui tão procurado por amigos querendo saber um pouco mais do mercado, as melhores opções de investimento”, relata Salaverry, ressaltando que a imensa quantidade de informações dispersas na internet pode ser um problema.

“Cautela é importante nessa situação, até porque o brasileiro precisa mesmo ter uma parcela dos investimentos em ativos de maior risco. As pessoas físicas têm que saber que a renda variável deve ser vista como um processo que envolve estudo e horizonte para o retorno. Um risco responsável, em resumo”, opina o gestor. Para Póvoa, a situação fiscal do Brasil está muito complicada, o que aumenta a preocupação com um movimento de IPOs sem o País estar crescendo. “Me preocupa a possibilidade de os investidores de varejo ‘tomarem um tombo’ na bolsa e acabarem realizando prejuízos”, conclui.


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