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Tudo escondido
Apoiadas na necessidade de preservar a segurança pessoal de seus altos executivos, companhias ainda tratam informações sobre salários e benefícios como tabu

 

ed38_p030-033_pag_4_img_001A divulgação da política de remuneração e dos valores pagos aos conselheiros e altos executivos das companhias abertas conquista lugar de destaque nas agendas dos principais mercados de capitais do mundo. Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC) aprovou em agosto uma versão mais exigente da norma a que estão sujeitas as companhias listadas em suas bolsas. Nos países membros da União Européia (UE), venceu no final de junho o prazo de adaptação das leis e dos códigos de governança à diretiva que trata tanto da divulgação quanto da aprovação dessas políticas pela assembléia de acionistas.

Por aqui, o tema ainda é pouco explorado. A julgar pela agenda dos investidores com participação mais ativa e dos defensores da boa governança, alterações nas práticas de divulgação atuais não são tidas como prioridade. O regulador, no entanto, planeja lhe reservar um espaço na nova Instrução 202, que irá dispor sobre o registro de companhias abertas, ainda sem prazo para sair. Aproveitando a trilha aberta pelas novas regras lá de fora, a Capital Aberto fez um levantamento das práticas atuais de companhias brasileiras listadas nas bolsas norteamericanas e no Novo Mercado e foi ouvir o que investidores e especialistas em governança entendem ser preciso aprimorar.

Tudo indica que o nível de transparência e detalhamento conferido à divulgação da remuneração dos administradores das nossas companhias, mesmo com as mudanças projetadas, vá continuar bem distante do internacional. A primeira diferença diz respeito à tendência de relatar os valores individualizados de cada gestor. Obrigatória nos Estados Unidos e adotada em boa parte dos países da UE, a prática nem chega a ser cogitada. Alegando questões relacionadas à violência urbana e ao risco que tal informação colocaria à segurança pessoal dos executivos, os mais diversos interlocutores descartam a possibilidade de imediato. Um deles é o próprio presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade. “Infelizmente, os riscos de seqüestro são uma restrição real do nosso mercado, que obrigam a divulgação pelo agregado.” Ele afirma que, embora nada tenha sido definido ainda, uma das hipóteses a ser avaliada na nova instrução é a segregação desses valores em grupos menores, separando executivos de conselheiros, por exemplo.

O objetivo da divulgação individualizada não é, prioritariamente, permitir que o investidor julgue se este ou aquele executivo ganha demais — embora esse aspecto tenha especial relevância no mercado norte-americano, cujo histórico apresenta casos extremos, como o do famoso ex-presidente da Disney, Michael Eisner. O propósito real é facilitar a análise da adequação do pacote de pagamentos às respectivas responsabilidades e ao grau de contribuição daquele profissional para os resultados gerais da companhia.

Na opinião de Cristiano Souza, sócio da gestora de recursos Dynamo, uma divulgação adequada da política de remuneração poderia dar conta de boa parte dessa tarefa — e até dispensar a divulgação dos salários individuais. Ele aponta como informações imprescindíveis a parcela do salário total que está atrelada à geração de resultados, quais de seus indicadores são utilizados para determinar essa remuneração variável (como, por exemplo, a geração de caixa medida pelo Ebitda ou o custo de capital), quais as formas de pagamento (dinheiro, ações, opções de compra) e também as características dos planos de compra de opções (preço e critérios de concessão, percentual do total de ações em circulação atrelado a esses planos e tempo de exercício).

TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO — A maioria dessas informações consta da política de concessão de planos de opções que as companhias são obrigadas pela Deliberação 371 da CVM a detalhar nas notas explicativas de seus balanços. Outras só podem ser obtidas diretamente, por meio de consulta específica. Assim, o sistema de divulgação delimitado pela legislação atual, apesar de elogiado pelo mercado em geral, requer um trabalho de análise mais aprofundada que Souza, da Dynamo, define como um “acompanhamento ad hoc”. Para tanto, é necessário dispor de tempo, conhecimento especializado e, de preferência, participar das assembléias de acionistas.

Nos Estados Unidos, as alterações aprovadas pela SEC democratizam o acesso aos dados e facilitam o trabalho de análise. Especialmente porque as companhias são obrigadas a preencher o que eles chamam de “summary compensation table”, uma planilha padrão que reúne, para cada administrador, todos os dados relativos aos últimos três anos. Nela devem passar a ser discriminados não só os valores dos salários fixos, mas também os pagos na forma de bônus e de planos de opções de compra de ações, além daqueles relativos a pacotes especiais de demissão e aposentadoria, planos de pensão corporativos e outros benefícios não-monetários — como jatinhos, carros, apartamentos, etc.

A obrigatoriedade da divulgação recai sobre os membros do conselho de administração, o principal executivo da companhia (CEO) e também o seu principal executivo financeiro (CFO) e é aplicável apenas às companhias norte-americanas. Os emissores estrangeiros, dentre eles as companhias brasileiras listadas naquele mercado, estão dispensados das novas regras. Quando a Sarbanes-Oxley foi aprovada, e passou-se a exigir a divulgação dos salários individualmente, os estrangeiros também foram desobrigados a aderir. Eles argumentaram que a medida poria em risco a segurança dos executivos.

Apesar de válida para as estrangeiras, a questão da violência urbana sequer foi aventada pela SEC. “Acho que nos Estados Unidos todo mundo sabe que os altos executivos das grandes companhias são muito ricos”, afirma, sem esconder o riso, o commissioner Roel Campos. Ele é um dos principais responsáveis no órgão regulador americano pela cooperação internacional que busca harmonizar parâmetros de regulamentação adotados pelos diferentes países. O seu modo de avaliar a questão traz evidências de que o tratamento do assunto também é influenciado por aspectos culturais. Enquanto no Brasil falar de quanto se ganha é praticamente impensável, nos Estados Unidos isso é tratado de maneira mais corriqueira. “Como pode um executivo querer manter segredo dos investidores?”, pergunta-se. Mas o diretor da SEC reconhece a relevância das diferenças de estrutura que existem entre os planos de remuneração daqui e de lá. Diferenças que representam um potencial de dano e de diluição da participação dos acionistas absolutamente diverso, especialmente porque a maior parte do salário anual dos gestores norte-americanos é proveniente de opções de ações.

Infelizmente, para os acionistas de companhias brasileiras, tais questões ainda estão longe de ser tratadas com o detalhamento que merecem

O único aspecto em que o sócio da Dynamo considera que as informações individualizadas fazem falta é quando se trata do exercício das opções de compra de ações e da movimentação de compra e venda das posições detidas por executivos e conselheiros. “Faz toda a diferença poder identificar quem realiza essas movimentações. Se um presidente exerce opções num momento de alta, a avaliação que faço disso é totalmente diversa da que teria no caso, por exemplo, de um gerente recém-casado.” Hoje, o relatório que é divulgado mensalmente pela CVM traz os negócios realizados por executivos e conselheiros com as ações de emissão da companhia segmentados em grandes blocos que não permitem a identificação do autor da operação.

Há ainda um outro ponto lembrado pelo presidente da CVM, Marcelo Trindade: a transparência sobre a remuneração permite aos investidores avaliar se os gastos realizados com a administração são compatíveis com os resultados que ela gera para a companhia. E tem mais razões. De posse dessas informações, os investidores poderiam avaliar criticamente: a conformidade de valores pagos a conselheiros de administração que façam parte do bloco de controle ou que sejam ligados à família do controlador; a real capacidade de isenção do conselho fiscal para bloquear propostas com valores abusivos, visto que a lei determina que sua remuneração seja fixada em no mínimo 10% da média salarial dos outros diretores; a existência de pacotes demissionais ou de acordos de aposentadoria que possam dificultar a retirada de um alto executivo, além de alterações significativas nas políticas de remuneração ao longo dos anos.

E não são apenas as questões relacionadas aos conflitos de interesse entre gestores e acionistas, ou entre controladores e minoritários, que justificariam uma abertura maior de dados sobre a remuneração dos altos executivos das companhias abertas brasileiras. Há também um ponto ligado à gestão e à sustentabilidade do negócio apontado por José Guimarães Monforte, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Um dos principais aspectos que nossos investidores deveriam avaliar é o potencial dos pacotes de remuneração oferecidos para reter talentos estratégicos ao futuro de uma companhia.”

Na visão de Monforte, estimular a permanência de talentos é uma necessidade muito forte nesse momento por dois motivos. O primeiro é a aproximação de um grande ciclo de sucessão que substituirá acionistas fundadores por profissionais do mercado. O segundo é a ampliação do ambiente competitivo global e a internacionalização das companhias, que deve levar a novos patamares de remuneração.

QUASE UM SEGREDO — Infelizmente, para os acionistas de companhias brasileiras, tais questões ainda estão longe de ser tratadas com o detalhamento que merecem, mesmo entre as empresas que adotam os mais elevados padrões de governança — seja por estarem listadas no Novo Mercado ou nas bolsas norte-americanas. A reportagem consultou as áreas de RI, suas páginas na internet e os relatórios anuais de boa parte delas e a grande maioria ainda trata o assunto como tabu. A resposta mais freqüente às solicitações de entrevista foi a de que a companhia tinha como política não comentar o tema.

A única exceção foi o Banco Itaú, um dos três exemplos brasileiros que concluíram o processo de certificação dos controles internos conforme as determinações da SOX. Seu diretor de sistemas contábeis, João Costa, que esteve à frente da equipe dedicada ao processo de certificação, disse que o formato de divulgação dessas informações só seria alterado em caso de mudanças nos regulamentos dos mercados em que as ações do banco são negociadas.

Voluntariamente, ele se ofereceu para listar os arquivos disponíveis no site de RI que continham informações relacionadas ao tema. Além das que todas as companhias disponibilizam por exigência legal (ata de assembléia com o valor global aprovado para remuneração dos administradores, notas explicativas às demonstrações financeiras sobre a concessão e o exercício de opções de ações), o banco inclui um documento que descreve a política de outorga de opções de compra de ações na seção do site de RI dedicada à governança corporativa.

A postura do Itaú poderia ter sido adotada por outras companhias, visto que alguns relatórios e websites trazem informações até mais detalhadas que as do próprio banco. É o caso da Gol, outra das brasileiras já certificada pela SOX. Seu Balanço Social informa os valores de remuneração bruta e de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), segregando-os em três categorias: empregados, administradores e terceirizados. Informa também o percentual do PLR sobre o resultado líquido e a relação entre o maior e o menor salário da companhia. As diretrizes, critérios e políticas relacionadas ao plano de opção de compra de ações são detalhadas em documento disponível no site de RI e foram submetidas à aprovação da assembléia de acionistas, atendendo ao que recomendam as boas práticas de governança.

Apenas uma empresa, dentre as vinte que tiveram relatórios e sites analisados, apresentou as informações de maneira diferenciada: a Natura. Uma das primeiras companhias do País a aderir aos padrões internacionais do Global Reporting Initiative (GRI), a empresa divulga as médias salariais de todos os níveis hierárquicos, distribuídos também segundo critérios como sexo e etnia — permitindo avaliação das práticas de promoção da diversidade e de tratamento igualitário, defendidas pela Natura. O estímulo representado pela adesão a códigos de boas práticas é, segundo pesquisa realizada na UE pela consultoria de governança Manifest (detalhes no quadro acima), um dos fatores que aceleram a diferenciação na maneira de comunicar a remuneração de execut ivos. Os próximos relatórios anuais poderão afirmar se a hipótese também é válida no ambiente brasileiro.


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