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Depois do furacão
Passada a crise, profissionais de auditoria ganham novas oportunidades de trabalho, mais atenção dos executivos e o desafio de aprender a escolher o cliente

O ano era 2004. O diretor financeiro de uma companhia, interessado nas altas taxas de juros pagas pelo Banco Santos, não deu ouvidos ao alerta do auditor interno e manteve as aplicações financeiras na instituição. Afinal, para ele não importava muito saber por que aquela instituição estava pagando juros muito acima da média do mercado — o que estava em jogo era garantir um bom retorno para as aplicações. As ponderações do auditor interno sobre os riscos envolvidos na operação pareciam um tanto exageradas, até que… o banco quebrou. E a expectativa de ganhos para o caixa da empresa virou fumaça.

Dificilmente, uma situação semelhante poderia voltar a ocorrer hoje, apenas dois anos após a intervenção do Banco Central na antiga instituição de Edemar Cid Ferreira. Escaldados não só por este episódio, mas também pela série de escândalos contábeis nas empresas norte-americanas, quando grandes conglomerados caíram em desgraça com a descoberta de maquiagens nos balanços, executivos agora se mostram muito mais atentos ao que o auditor tem a dizer. Mesmo porque a crise ética deflagrada nos Estados Unidos no final de 2001 acelerou a implantação de regras de boa governança corporativa, reforçando a preocupação já existente no mercado por maior transparência e controle. A legislação ficou muito mais rígida, os órgãos reguladores se tornaram bem mais severos, os acionistas se mostraram efetivamente presentes e os investidores nunca estiveram tão desconfiados.

Em meio a esse turbilhão, as coisas mudaram também para o auditor. Basta lembrar que, se foi a auditoria interna que relatou erros nas demonstrações financeiras da WorldCom, no caso da Enron o envolvimento da auditoria externa nas fraudes contábeis fez com que a Arthur Andersen, até então uma das “big five” no mercado mundial de auditoria e consultoria, simplesmente desaparecesse. Para os profissionais da área, ficou patente que aquilo seria um divisor de águas na história da firma de auditoria — que, na verdade, nem pôde se vangloriar de ter provocado a denúncia no caso da WorldCom porque os problemas não se restringiam ao exercício anterior (ou seja, já deviam ter sido apurados). A credibilidade de todos os auditores foi colocada em xeque: as pessoas que deveriam zelar pela veracidade das informações estavam, de alguma maneira, contribuindo para fraudá-las.

“Felizmente, a nossa profissão conseguiu se reerguer e hoje está mais valorizada do que nunca”, diz Marcelo Azevedo Alcântara, 41 anos, sócio da área de gestão de riscos empresariais da Deloitte no Brasil e na América Latina. Segundo Alcântara, a sua área — que aloca profissionais para trabalharem como auditores internos — vem registrando crescimento de 30% ao ano, desde 2003, em número contratações. Também a auditoria externa da Deloitte apresentou no último ano fiscal (encerrado em maio) um aumento de 24% na demanda. A KPMG, por sua vez, está prestes a receber 300 novos trainees (pelo menos o dobro do número de jovens que chegava há cinco anos), que serão os futuros auditores e sócios da companhia. Sérgio Romani, 47 anos, sócio da Ernst & Young, faz coro à fase de bonança. “Estamos mais fortalecidos agora, embora os primeiros anos depois dos escândalos tenham sido conturbados”, afirma.

CRISE DE IDENTIDADE — O impacto dos escândalos nos EUA foi, realmente, difícil de assimilar. A crise da Enron não se restringiu ao futuro de milhares de profissionais da Arthur Andersen, que foi à derrocada junto com um dos seus principais clientes. Toda a auto-estima de profissionais treinados para não errar, que desde sempre ouviram que o sucesso dependia diretamente da sua idoneidade, ficou abalada. “Naquele momento, as pessoas perderam mais do que um emprego: perderam o sonho”, conta Pedro Melo, 44 anos, sócio da KPMG. “Foi como se fugisse o trilho. Você fica sem base do dia para a noite e começa a se questionar sobre um monte de coisas”, diz Melo, que afirma ter visto muitos profissionais deixando a carreira de auditor depois disso.

Quem ficou acabou encontrando um dia-a-dia muito mais exigente mas, ao mesmo tempo, enriquecedor. “Eu nunca passei por mudanças tão transformadoras como as vividas desde o começo desse século”, diz o responsável técnico do Boucinhas & Campos Soteconti, Wilson Carlos Oliveira. Com 58 anos, mais de 30 na profissão, Oliveira afirma que a elevação dos níveis de governança exigiu do auditor uma qualificação muito maior. Uma das iniciativas mais recentes nesse sentido foi a instituição, pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), do Programa de Educação Profissional Continuada. Os auditores agora têm de comprovar cerca de 30 horas ao ano em atividades de treinamento. Houve também a instituição do exame de qualificação técnica para o registro no Cadastro Nacional de Auditores Independentes (CNAI), que se tornou um dos requisitos para o contador que pretende atuar no mercado de valores mobiliários. Também o CFC passou a realizar exames de suficiência para os profissionais recém-formados, buscando legitimar o registro profissional e avaliar o ensino de Ciências Contábeis.

Além disso, como todos os demais atores do cenário corporativo, o auditor passou a estar sob vigilância. Foram instituídos procedimentos como o rodízio de auditores (um cliente pode ficar, no máximo, cinco anos consecutivos com determinada auditoria, tendo um intervalo de pelo menos três anos para a recontratação) e a revisão pelos pares (a cada quatro anos, no mínimo, uma empresa de auditoria deve ser auditada por uma concorrente). Isso tudo sem falar no mercado norte-americano, onde passou a vigorar a rigorosa Lei Sarbanes-Oxley (SOX) em resposta aos escândalos contábeis, na tentativa de resgatar a confiança dos investidores.

Também os auditores no Brasil — seja por conta dos clientes brasileiros com ações na Bolsa de Nova York, seja atendendo às subsidiárias de empresas norte-americanas instaladas aqui — tiveram que seguir as determinações do Conselho de Supervisão de Contabilidade das Companhias Abertas (PCAOB, na sigla em inglês), responsável pela fiscalização da aplicação da SOX. “No final de agosto, recebemos doze profissionais da firma nos Estados Unidos para um processo de auditoria interna, que integra o programa de qualidade da empresa”, diz Romani, da Ernst, relatando mais um dos procedimentos que buscam garantir a seriedade do negócio.

PRESSÃO POR INDEPENDÊNCIA — Mas o episódio Enron não suscitou apenas mais cobranças quanto a qualificação técnica. Carlos Aquino, 45 anos, diretor de auditoria do Unibanco, conta que a pressão por independência para o auditor interno se tornou muito maior no período posterior aos escândalos. “Principalmente no ambiente financeiro, há uma preocupação intensa com a certificação de controles”, diz Aquino, que tem 168 pessoas sob o seu comando no Unibanco, área que está subordinada à vice-presidência de auditoria, compliance, gestão e jurídico, que por sua vez presta contas ao comitê de auditoria. Composto por membros do conselho de administração, o comitê deve supervisionar os controles internos, além de fiscalizar a relação entre a empresa e o auditor externo. “Se na companhia que fez aplicações no Banco Santos, por exemplo, houvesse um comitê de auditoria, as observações do auditor não teriam passado em branco”, comenta um executivo.

Escândalos fizeram as auditorias se tornarem muito mais seletivas na análise de seus potenciais clientes

Na opinião de Alcântara, a preocupação com a boa governança e o maior preparo técnico do auditor estão contribuindo para que o profissional adote um perfil muito mais pró-ativo. “Antes, a preocupação dele era a mesma do bombeiro: apagar incêndios”, afirma o sócio da Deloitte. Ou seja, depois que os problemas surgiam na empresa, o auditor era chamado a informar o que poderia ser feito para aquilo não voltar a ocorrer. “Agora, o profissional toma a frente e sugere, dentro dos limites da sua função, procedimentos que possam auxiliar o cliente na gestão de riscos”, diz. Afinal, segundo Alcântara, o auditor interno representa os olhos do acionista no dia-a-dia da organização.

Essa proatividade, segundo Oliveira, do Boucinhas, também se reflete na hora de aceitar um novo cliente. As auditorias passaram a ser muito mais seletivas antes de fechar um contrato. Analisam não só balanços anteriores da candidata a ser auditada, mas também sua relação com a antiga auditoria e o posicionamento no mercado em que atua. “É preferível rejeitar uma proposta hoje do que ter problemas no futuro”, diz Oliveira, que considera a habilidade no trato com o cliente o maior predicado de um auditor. “É preciso ser firme, sem ferir suscetibilidades”, afirma. Gustavo Mendes, de 27 anos, há três na KPMG, é hoje auditor semi-sênior e já sente a mesma necessidade de ter jogo de cintura. “Estou trabalhando para isso”, diz. Em pleno início de carreira, ele terá de descobrir na prática como se comportar — e vencer — no novo mundo dos auditores.


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