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Em meio à debandada dos estrangeiros da Nyse e à ascensão de bolsas européias,perguntamos às brasileiras com ações em NY: os benefícios ainda compensam os custos?

 

ed33_p024-028_pag_3_img_001Pela primeira vez em muito tempo os custos para adequação a uma lei despertaram dúvidas sobre o que até então parecia inquestionável. Continuaria valendo a pena manter presença no mercado de capitais norte-americano? Existiriam alternativas de mercados tão internacionalizados quanto e com regras menos hostis que as impostas pela Sarbanes-Oxley (SOX)? Com a saída recente de um importante grupo de empresas européias e a expansão da atratividade de bolsas como as de Londres e Luxemburgo, a resposta para a segunda pergunta parece ser que sim. Mas, para que se possa responder à primeira, é preciso antes olhar outros números.

Os dados mostram que nunca se investiu tanto em companhias estrangeiras listadas nos Estados Unidos quanto em 2005. Pela primeira vez em 15 anos, os recursos alocados em ativos de fora superaram os domésticos. O movimento se refletiu nos negócios e na valorização dos American Depositary Receipts (ADRs) brasileiros: depois de o volume de transações dobrar de tamanho no ano passado, e os papéis alcançarem valorização média de 55%, outro recorde histórico foi quebrado em 2006, quando os ADRs nacionais passaram a ser os mais procurados pelos investidores, superando os de origem inglesa e chinesa. Colocados na balança, quem tem peso maior: os custos ou os benefícios de estar no maior mercado do mundo? Para as companhias brasileiras listadas lá fora ouvidas pela reportagem, os últimos ainda saem ganhando — por pouco.

José Marcos Treiger, diretor de relações com investidores (RI) da Braskem, é quem avalia a vida após a SOX da maneira mais cética. “O custo parece ter ficado maior que o benefício e muitas companhias hoje pensam duas vezes antes de listar em Nova York.” O executivo pondera que, antes, um dos atrativos de se fazer negócios nos Estados Unidos era justamente o sistema legal. Este era formado por leis mais abrangentes, que permitiam a cada contrato tratar das especificidades de um e outro caso. Por essa razão, a complexidade que a nova lei trouxe para o dia-a-dia das companhias lhe pareceu um retrocesso. “O impacto do remédio foi tão grande que pode matar o cavalo.”

Uma boa medida dos efeitos colaterais a que Treiger se refere pode ser dada pelo baixo número de novas empresas estrangeiras que chegaram às bolsas norte-americanas no ano passado. De acordo com o Bank of New York, o maior custo diante de ADRs, das 106 companhias de fora dos Estados Unidos que lançaram programas de recibos de ações, apenas 29 escolheram uma das duas bolsas do país que negociam esses ativos (a Nyse ou a Nasdaq). Todas as outras 77 o fizeram em Londres ou Luxemburgo. Além disso, 35 empresas decidiram encerrar os seus programas já existentes, deslistando os ADRs. Não é pouco: as que bateram em retirada representavam 7% de todas as estrangeiras listadas lá e eram, em sua maioria, inglesas e francesas. Os nomes incluem representantes de peso, como a maior operadora de telefonia móvel do Reino Unido, a O2, uma das maiores redes de hotéis do mundo, o Grupo Accor, e também a Electrolux.

E não pára por aí. Mais de um quinto das remanescentes já manifestaram o desejo de sair, alegando o peso da legislação como um dos principais fatores. A próxima da lista é a Vivendi Universal, que antes mesmo da assembléia de acionistas agendada para validar a decisão de deslistagem obteve a autorização de seus investidores para fazê-lo. A razão central apresentada por todas elas foi a inviabilidade dos custos colocados pela SOX. Do lado de cá do Atlântico, a situação é bem diferente. Embora os custos também pesem — e a maior evidência disso seja o pequeno número de novos programas de ADRs a despeito da grande expansão no número de ofertas de ações no mercado local — nenhuma companhia brasileira fez menção até agora de arrumar as malas e sair de Nova York.

144-A X 404 — Outro fator que contribui para que a emissão de ADRs tenha desacelerado é a crescente participação dos investidores institucionais estrangeiros no mercado local, estimulada pela possibilidade de colocação das ofertas de ações nos Estados Unidos com isenção das obrigações da SOX, que é permitida pela regulamentação 144-A. Instituída justamente para incrementar a liquidez de ativos estrangeiros em poder de investidores qualificados, a regra permite a realização de road shows para divulgar a nova emissão e elimina a exigência de os compradores desses títulos manterem os papéis por um período mínimo de dois anos. A 144-A tem sido adotada como mecanismo de acesso aos in vestidores norte-americanos pela maioria das companhias que veio a mercado nos últimos dois anos.

Uma das exceções é a Companhia Paulista de Força e Luz, que lançou um programa de ADRs simultaneamente à oferta pública inicial (IPO), em setembro de 2004. Victor Fagá, seu diretor de RI, conta que a intenção não era apenas acessar um grupo maior de investidores, mas também melhorar a percepção de risco da companhia. Embora o giro das ações seja maior na Bovespa, ele considera que tem valido à pena. “É claro que os custos poderiam ser menores, mas não estamos arrependidos.”

Fagá justifica a satisfação com uma conta simples, relacionada ao impacto que a melhoria da percepção de risco tem sobre a capacidade de captação a taxas mais competitivas. “A redução de um ponto percentual no custo da dívida pode dar uma diferença significativa e ser mais do que suficiente para arcar com todos os custos da estrutura para estar lá fora.”

O RI se refere aos gastos com advogados nos Estados Unidos, contratação de auditores independentes, road shows, treinamento de pessoal e de toda a parafernália de sistemas de informação que é exigida pelo componente mais controverso da SOX: a seção 404, que regulamenta os controles internos e sua documentação, e ainda determina que a eficácia desses controles seja colocada à prova e atestada por auditores externos, anualmente. É a 404 que consumiu a maior parcela dos recursos que foram desembolsados pelas companhias norte-americanas em seu processo de enquadramento. E não deve ser diferente para as estrangeiras, que têm até meados de 2007 para obter a certificação.

Foi assim com a Braskem, que já investiu cerca de US$ 10 milhões desde 2003. Os recursos foram utilizados na aquisição de um sistema de automação dos controles e também em treinamento de funcionários. O mesmo aconteceu na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), onde o montante foi significativamente menor já que o desenvolvimento dos sistemas de informação começaram recentemente. “Cerca de R$ 2 milhões foram empregados no mapeamento dos processos e no trabalho de preparação da nova estrutura de controles”, conta Piedade Mota da Fonseca, diretora de auditoria da CSN. A KPMG foi contratada para auxiliar nesse processo.

Uma das razões para os altos custos envolvidos na adequação é justamente a necessidade de contratação de consultorias e auditorias. A Gol, que está entre as primeiras emissoras estrangeiras da América do Sul a se adequar à 404 e não revela o valor de seu investimento, trabalhou com a Ernst & Young e a Big5 na avaliação dos processos internos que envolvem a preparação e a divulgação de relatórios financeiros. Esse processo de revisão da maneira de organizar o trabalho é outro entre os benefícios apontados. Richard Lark, diretor de RI da companhia aérea, entende que, ao aprimorar os processos internos, está revalidando seu compromisso com as melhores práticas de governança e, inevitavelmente, gerando valor para o acionista.

Piedade Fonseca, da CSN, defende que a eliminação de redundâncias é o principal ganho que as companhias envolvidas com a SOX obtêm. Além de permitir, com o mapeamento das etapas de cada processo, que se identifiquem oportunidades de ganho de eficiência, as exigências da lei reduzem as possibilidades de erros e fraudes, já que promovem uma drástica redução dos controles manuais. “No final de tudo, a adequação à 404 retira do dia-a-dia o estresse de apagar incêndios e de tomar decisões por feeling, uma vez que tanto os riscos quanto os procedimentos estão bem delineados.”

Outro benefício incontestável, segundo Sidney Ito, sócio da KPMG, é a segurança que o incremento de transparência traz. Resultado da obrigatoriedade de uma divulgação mais ampla dos números e das práticas de cada companhia, permite um nível de conhecimento externo que “dá mais conforto para quem investe e também para quem empresta dinheiro a essas empresas.”

ACESSO À PESSOA FÍSICA — Garantir conforto aos investidores é, sem dúvida, um benefício que pode superar os custos pesados, especialmente se considerarmos os investidores estrangeiros de varejo. Como eles dispõem de menos conhecimento que os investidores institucionais, a confiança se torna um elemento crucial para que se sintam compelidos a colocar suas economias em determinada companhia.

Estima-se que pelo menos dois terços dos investidores pessoa física norte-americanos tenham em suas carteiras ações de, no mínimo, uma empresa, além daquelas em que investem indiretamente, por meio dos fundos de renda variável. Como a necessidade de diversificação é premente, três quartos dessas ações são de companhias estrangeiras, segundo René Boettcher, vice-presidente da área de ADRs para América Latina do Bank of New York. “Como as pessoas físicas só podem comprar ADRs, quem opta por não emitir os papéis exclui, de golpe, todo esse segmento de investidores.”

Treiger, da Braskem, é da opinião de que não existe vitrine mais importante. “Apesar da Bolsa de Londres ser a mais internacionalizada, ainda é muito voltada para o mercado europeu e asiático.” Além disso, a adequação à SOX funciona como um selo que atesta a solidez da estrutura de governança corporativa e garante o prêmio que os investidores têm se disposto a pagar por essas companhias diferenciadas. O impacto não acontece apenas na valorização dos papéis, mas também no seu volume de negócios.

Diferentes estudos, brasileiros e internacionais, examinaram a liquidez das companhias com programas de ADRs e verificaram que eles contribuem também para a intensificação do número de negócios realizados, inclusive, no mercado local. Dados da Oxford Metrica apontam que o incremento médio da liquidez no mercado local é de cerca de 40% — uma conseqüência da maior visibilidade que essas companhias obtêm a partir do momento em que fincam presença no mercado internacional.

A redução de um ponto percentual no custo da dívida pode ser mais do que suficiente para compensar todas as despesas de listagem nos EUA

CURVA DE APRENDIZADO — Como em toda novidade — seja uma máquina numa fábrica ou um tratamento recém-criado — o teste dos primeiros resultados é utilizado para realizar os ajustes necessários. As companhias norte-americanas acabam de atingir esse estágio de revisão das dosagens com a SOX. Caíram os custos de adequação (44% só em 2005, segundo estudo da Deloitte nos EUA) e possibilidades de aplicação modulada da lei às diferentes realidades das companhias começaram a ser desenhadas.

Em 10 de maio, a Securities and Exchange Commission (SEC) e o Comitê de Supervisão de Contabilidade das Companhias Abertas (PCAOB) devem ouvir representantes de companhias e investidores numa mesa redonda em Washington a respeito da seção 404. A possibilidade de isenção (total ou parcial) para companhias de pequeno porte deve dominar o debate. As companhias com valor de mercado inferior a US$ 75 milhões alegam que os custos de adequação são onerosos demais. Um comitê de aconselhamento da SEC sinalizou que as companhias com receitas anuais de até US$ 125 milhões deveriam ser isentadas da obrigatoriedade da 404.

No entanto, a isenção total tem poucas chances de acontecer. O presidente do conselho da SEC, Christopher Cox, disse que está comprometido a fazer a 404 funcionar. Em seu primeiro pronunciamento à Comissão de Bancos do Senado desde que tomou posse, Cox argumentou que os Estados Unidos não poderiam entrar numa “corrida para baixo” quando membros da platéia se mostraram preocupados com o crescimento das outras bolsas em detrimento da praça novaiorquina.

Apesar da determinação da SEC, algumas adequações estão cada vez mais próximas de acontecer, especialmente depois que figuras importantes passaram a engrossar o coro de quem as defende. É o caso do ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan. Em entrevista concedida ao jornal Financial Times, em meados de abril, ele se confessou “perturbado” com o fato de companhias estrangeiras preferirem a Bolsa de Londres à de Nova York e admitiu que a estrutura regulatória criou problemas significativos para os estrangeiros. Chamando a atenção para a necessidade de que as mudanças ocorram no curto prazo, disse confiar que elas venham logo.


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