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Momento de troca
Para tirar proveito da liquidez em bolsa,companhias estudam migrar para o Novo Mercado ou até pulverizar o controle acionário. É aí que surge a questão: como substituir ações PN por papéis com voto?

 

Elevações inéditas nas faixas de preço, demandas inúmeras vezes superiores à oferta e valorizações acima de 100% nas cotações em pouco mais de seis meses. Essas e outras notícias marcaram a trajetória de boa parte das companhias que abriram o capital listadas no Novo Mercado ou no Nível 2. Mais do que refletir a celebrada recuperação do mercado de capitais, elas provaram que os investidores realmente se dispunham a pagar um prêmio pela adoção das melhores práticas de governança corporativa. E despertaram nas empresas listadas no mercado regular, presentes na bolsa há muito mais tempo, o desejo de tirar proveito dessa fartura de liquidez, além de uma série de dúvidas inevitáveis: haveria espaço para novas captações fora dos segmentos diferenciados da Bovespa? Que entraves teriam de encarar as companhias dispostas a migrar? Como os agentes do mercado vêem as questões relacionadas a uma eventual mudança na classe de ações — ou nos direitos a elas atribuídos — caso uma companhia do mercado tradicional queira passar para um dos dois níveis?

As respostas foram, em parte, atendidas logo no início do ano, com um anúncio da Embraer. A companhia informou que faria uma reestruturação societária com o objetivo de pulverizar seu controle acionário e “assegurar o acesso adequado ao mercado de capitais” para ampliação da capacidade de financiamento dos seus programas. Para isso, converterá suas ações PN em ON e migrará para o Novo Mercado.

Em entrevista coletiva à imprensa, o presidente da Embraer, Maurício Botelho, declarou que esperava tornar seu exemplo um incentivo para operações semelhantes. E não demorou para atingir seu objetivo. Dias depois, a Perdigão confirmou que estudava uma operação nos mesmos moldes, e a Diagnósticos da América (Dasa) anunciou uma oferta de ações que também levará à pulverização de seu controle. Em 26 de janeiro, a Rossi Residencial, listada no Nível 1 de governança corporativa, aprovou em assembléia uma proposta de conversão de PNs em ONs e adesão ao Novo Mercado.

Mais do que incentivadora, a Embraer também servirá de parâmetro para os aspectos envolvidos na troca de ações de companhias que venham a migrar para o Novo Mercado — ou mesmo para aquelas que venham a turbinar os direitos de suas ações PN e entrar para o Nível 2. Servirá também de base para uma discussão que o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade, vem promovendo nos últimos meses.

Sua intenção é conduzir um debate público semelhante ao que culminou na criação dos segmentos diferenciados da Bovespa e “definir, em conjunto com os agentes que se reuniram em torno dos compromissos de governança, um consenso do mercado quanto às melhores práticas para operações de migração”. A autarquia trabalha para realizar, ainda no primeiro trimestre, uma reunião envolvendo investidores institucionais do Brasil e do exterior, entidades de auto-regulação e bancos coordenadores de ofertas públicas (underwriters), além de representantes dos fundos de pensão e da Bolsa.

De olho no que pensam os investidores, advogados e underwriters, a Capital Aberto transmitiu a alguns deles os principais questionamentos colocados por Trindade: os eventuais benefícios da migração, o nível de deságio aceitável numa situação de troca por ações com mais direitos, o percentual de votos mais adequado para legitimá-la e a melhor forma de participação do controlador na assembléia de apreciação da proposta. E encontrou opiniões para lá de afinadas.

Migrar, especialmente para o Novo Mercado, é dar ao investidor o que ele prefere. É também melhorar a sua imagem e aumentar as chances de que as ações expressem mais fielmente a capacidade de geração de valor da companhia. “Ninguém quer ver a valorização de seu negócio prejudicada e, como os múltiplos mudam de patamar nos níveis diferenciados, é forte o apelo para a mudança”, avalia Denise Pavarina, diretora de mercado de capitais do Bradesco. “O investidor paga mais a quem lhe oferece mais garantias, não tem muito segredo”, afirma Catarina Pedrosa, analista-chefe do Banif Primus.

Quanto à equação de troca na classe ações, a analista não vê razão para que haja um prêmio a ser pago pelo minoritário pela conversão de preferenciais em ordinárias, ou mesmo pela concessão de tag along. Afinal, a companhia será beneficiada pelo aumento de liquidez, já que as ações com voto terão mais procura, e, no caso do tag along, poderá abdicar do dividendo 10% superior para as ações PN (uma possibilidade prevista na Lei das S.As).

Ricardo Malavazi Martins, diretor financeiro e de investimentos da Petros (o fundo de pensão dos funcionários da Petrobrás), pondera que o pagamento de um prêmio seja justo nos casos em que o controlador tenha efetivamente contribuído para a posição alcançada pela companhia. É esse, inclusive, o argumento que fundamenta o prêmio de 9% atribuído ao bloco de controle da Embraer na relação de troca, definido em estudo realizado pela Goldman Sachs. Maurício Botelho, presidente da empresa, destaca que “esse percentual é condizente com o praticado nos mercados externos”.

Experiente em estruturação de operações, Denise Pavarina, do Bradesco, elenca variáveis que podem auxiliar na “complicada tarefa de definir o fator de troca”. Além da difusão do controle, deve-se considerar se o preferencialista possui alguma vantagem no recebimento de dividendos e o potencial de valorização trazido pelo aumento de liquidez após a conversão. É fato que a dificuldade envolvida cresce à medida que as questões de controle estejam menos acomodadas numa companhia. Por essa razão, recomenda- se uma conversa prévia com os investidores. “O combinado não sai caro. A postura ideal para evitar conflitos de interesse, ou mesmo a aparência deles, é pesar a opinião dos principais acionistas na decisão final”, afirma Mauro Cunha, diretor de investimentos da Bradesco Templeton.

Preservar as regras de equidade é a única maneira de evitar esses conflitos e minimizar o potencial de litígios. Sócio do escritório Ulhôa Canto Rezende Guerra Advogados, Aloysio Miranda ressalta que “ainda que a lei defina situações bastante específicas do que pode ser considerado como abuso, o poder de controle deve ser usado com parcimônia já que, a rigor, todos os acionistas passarão a compartilhar benefícios”. O melhor exemplo de moderação, na opinião de todos os entrevistados, é o controlador abster-se de votar na assembléia em que a proposta será julgada. Foi o que fez a Embraer: preferencialistas, ordinaristas minoritários e detentores de American Depositary Shares (ADS) manifestarão seus votos numa primeira rodada de consultas. Se mais da metade deles rejeitar a proposta de reestruturação, os representantes do bloco de controle se comprometem a votar contra.

Investidor considera justo o prêmio do controlador na troca apenas se ele tiver feito a diferença no valor atual da companhia

FATORES LIMITANTES – Como se as decisões já mencionadas não fossem complexas o bastante, dois outros elementos podem dificultar a migração de algumas companhias abertas: a câmara de arbitragem e o impacto da tradição familiar sobre a cultura corporativa.

Requisito para a entrada no Nível 2 e no Novo Mercado, a adesão à câmara de arbitragem ainda é o principal foco de insegurança. A apreensão se deve tanto à ausência de julgamentos (que funcionariam como “teste” de seu funcionamento), quanto aos baixos custos envolvidos e à dispensa de advogados para requerer a instalação de procedimento arbitral (que podem gerar o uso indiscriminado da câmara) e à impossibilidade de se recorrer da decisão (o veredicto dos árbitros é soberano). Para Denise, do Bradesco, muitas companhias são reticentes quanto à segurança jurídica da câmara no País, porque não se sentem à vontade para aceitar que o histórico de decisões que já existe no resto do mundo seja replicado por aqui.

Uma medida da Bovespa deve contribuir para reduzir essa resistência. Na revisão das regras dos níveis de governança, que passou a vigorar em 6 de fevereiro, ficou instituído que as anuentes da câmara passarão a divulgar sua opção por meio de um selo em todos os seus informes financeiros e materiais oficiais. Maria Helena Santana, superintendente de relações com empresas da Bolsa, aposta que “dando visibilidade se possa conquistar maior reconhecimento do investidor quanto aos benefícios da adesão à câmara”.

Mais difícil de alterar, a tradição familiar é responsável pela associação imediata que muitos líderes empresariais fazem entre a atribuição de direitos aos acionistas minoritários e a vulnerabilidade do seu poder de decisão. A origem desse tipo de percepção pode estar na necessidade de adaptações dos modelos de governança que foi imposta pelo processo de sofisticação do mercado, a partir de meados da década de 90. A prestação de contas aos sócios não era uma exigência tão proeminente quando os conglomerados familiares mais tradicionais realizaram suas ofertas públicas iniciais nos anos 80.

“Ir ao mercado não significa abrir mão da gestão”, ensina René Werner, consultor de desenvolvimento societário. “É a gestão que deve incorporar os princípios do mercado, ampliando o conceito de profissionalização, que não se reduz à existência de executivos de fora da família, mas passa por controles melhor afinados com as expectativas de desempenho dos investidores e a performance da concorrência.”

Gestão, sem dúvida alguma, é o aspecto que mais ganha relevância na esteira dos movimentos de recomposição do capital — com a cessão de direito de voto a todos os acionistas — e pulverização do controle. No lugar dos conflitos entre sócios com mais e menos poder, entram os esforços para a execução de uma estratégia que agregue valor a todos e valorize a companhia em seu mercado de atuação. Convencido de que o poder do dia-a-dia, ainda tão caro a muitos acionistas controladores, é ilusório, Ricardo Malavazi, da Petros, sustenta que “a melhor estratégia é permitir a pulverização e colocar a dinâmica do êxito nas mãos dos executivos de cada empresa”. A julgar pelo que se tem visto — e ao contrário do que se poderia suspeitar até pouco tempo atrás — esse parece mesmo ser um caminho.

Pulverização do controle tende a desnacionalizar o capital

O movimento de pulverização do capital iniciado em 2005 — com Lojas Renner e Submarino — e continuado logo nas primeiras semanas de 2006, com Embraer, Perdigão e Dasa, é candidato a provocar a inquietação dos mais nacionalistas. Afinal, se mantida a proporção de participação dos investidores estrangeiros nas ofertas públicas recentes (eles alcançaram, em média, 60% do capital distribuído nessas operações, chegando a 80% em casos como o da Localiza), é de se esperar que as ofertas públicas de ações que incluam o controle acionário levem à transferência de parcelas expressivas do seu capital a investidores estrangeiros.Foi o que aconteceu com Lojas Renner, que teve mais de 80% da sua oferta adquirida por investidores de fora. É verdade que a companhia já estava em poder de uma estrangeira, a norte-americana J.C Penney, mas nada impede que o mesmo ocorra com empresas hoje controladas por acionistas brasileiros.

Ou melhor: não há nada que impeça na legislação das sociedades anônimas. Mas é possível que, setorialmente, essa transferência de capital — e de poder de decisão — para os estrangeiros seja vetada. Foi essa justamente a situação da Embraer. Por estar em um segmento estratégico para a soberania nacional, a companhia estabeleceu condições para sua oferta que evitassem a concentração de decisões em mãos de estrangeiros.

A fim de prevenir que a proporção de votos desses investidores superasse a de brasileiros numa assembléia, estabeleceu que eles serão restritos a, no máximo, 40% dos votos atribuídos aos investidores nacionais presentes. Ou seja, os brasileiros terão, necessariamente, a maioria dos votos, ainda que os estrangeiros tenham a maior participação no capital.

Contra os nacionalistas que venham a se incomodar com as prováveis transferências de controle acionário para investidores de fora, o advogado Kevin Altiti, do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga, apresenta pelo menos dois argumentos. Um, no sentido de que a nacionalidade pode ser definida pelo país em que se dá a geração de riqueza, onde são criados os empregos, pagos os impostos, desenvolvida a tecnologia e negociadas as ações da companhia. Outro, orientado pela própria legislação. A emenda constitucional nº 6, de 1995, ampliou a definição de empresa brasileira para aquela que é constituída sob as leis do País e nele tem a sua sede e administração.

Na opinião do advogado, fechar-se nas próprias fronteiras num momento de grande possibilidade de atração de capitais externos não é a maneira mais apropriada de preservar a indústria nacional. Membro da equipe que desenhou os mecanismos de proteção a serem adotados pela Embraer em sua nova estrutura societária, Altiti defende que sejam pensadas de acordo com o viés estratégico de cada indústria.


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