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A peso de ouro
Empresas recém-chegadas na bolsa mostram que tamanho não é mais documento e que governança e potencial de crescimento fazem toda a diferença

 

ed30_p018-023_pag_4_img_001Quem poderia imaginar a Gol, uma companhia aérea ainda jovem no mercado, valendo quase cinco vezes mais que a maior produtora de aço inoxidável da América Latina, a Acesita? Ou o Submarino, numa hipótese de venda da totalidade do seu capital, saindo a um valor bastante semelhante ao da Cesp, que fatura seis vezes mais que o site de comércio eletrônico? Mais surpreendente é a Natura, que tem um valor de mercado equivalente ao de duas Sadia(s), a consagrada empresa de alimentos que conta, simplesmente, com o triplo do faturamento.

Sim, algo de diferente acontece no mercado de capitais brasileiro, sobretudo entre as empresas que fizeram recentes ofertas públicas iniciais de ações (IPOs). Aos que duvidam, propomos um exercício rápido, nos moldes deste que é apresentado na página 21. Basta comparar o valor de mercado dessas novatas com o de empresas mais tradicionais , depois, fazer a relação desses números com o faturamento das companhias em questão. Vocês verão o quanto a nova geração tornou-se tão ou mais valiosa que a turma da velha guarda, mesmo quando seus faturamentos ainda passam longe daqueles ostentados pelas antigas.

A pedido da Capital Aberto, a Economática reuniu todos esses dados e colocou-os lado a lado, deixando flagrantes as aparentes “contradições”. Tomou como base o preço da ação mais líquida, ON ou PN, para calcular o valor de mercado das recém-chegadas e do grupo de empresas listadas no Ibovespa. Levantou ainda o faturamento das companhias no período de janeiro a setembro do ano passado, o retorno das ações com base em dividendos (dividend yield) e o múltiplo FV/Ebit – uma versão adaptada do FV/Ebitda (valor da empresa/ geração operacional de caixa), que só não contabiliza a depreciação e a amortização pelo fato de estes dados não estarem disponíveis no sistema da Economática. Tudo isso a fim de mostrar que, por qualquer ângulo que se olhe, é possível encontrar disparidades.

“Mudou o paradigma do mercado”, resume Claudio Monteiro, assessor de investimentos da Fator Corretora e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele foi um dos nove analistas ouvidos pela reportagem em sua missão de desvendar o enigma da avaliação das companhias nos novos tempos.

Como muitos de seus colegas, ficou surpreso ao se deparar com tais revelações. Desconfiado de que alguma conta estivesse errada, tratou logo de conferir os números em suas próprias planilhas, até se certificar de que a comparação era verdadeira. Viu que, além de valer quase cinco Acesita(s), a Gol chegara a um valor de mercado equivalente ao da Usiminas, a siderúrgica que fatura cinco vezes mais do que a companhia aérea.

Ainda não convencido, Monteiro ponderou que o valor de mercado não diria muita coisa, isto é, seria preciso levar em consideração a dívida de cada uma das empresas. Apresentamos, então, o cálculo do múltiplo FV/Ebit (que, no FV, soma o endividamento ao valor da companhia). Mais uma vez, a diferença ficou notória. Enquanto atingia 19,4 vezes para a Gol, o indicador era de apenas 2,4 vezes na Usiminas. A Natura também têm um FV/Ebit bastante superior (22 vezes) ao de Acesita (3,4), VCP (8,1) e Sadia (10,5). O analista da Fator convenceu-se, por fim.

Nem mesmo os altos retornos em dividendos têm sido suficientes para diminuir as diferenças de preço entre as empresas novas e antigas. Eis alguns exemplos: Natura (2,91%), Gol (0,48%) e Submarino (0,26%) mostraram, em 2005, um retorno baseado em dividendo (dividend yield) bem inferior ao das companhias tradicionais, como VCP (9,27%), Acesita (11,68%) e Usiminas (13,05%). Mesmo assim, são mais valorizadas.

ELASTICIDADE PARA CRESCER — Basicamente, os entrevistados apontaram três razões comuns para explicar como uma UOL pode valer metade de uma Embratel, se a receita desta última é 17 vezes superior à do portal. A primeira é que as empresas novatas na bolsa aderiram fielmente à cartilha da governança corporativa ditada pelo Nível 2 ou o Novo Mercado da Bovespa, levando o investidor a considerar justo o pagamento de um prêmio maior pela eqüidade, a transparência e o compromisso de prestação de contas assumido por essas companhias. Segundo, porque são setores com grande elasticidade para crescer. “Elas apresentam uma estratégia clara, com ganhos consistentes”, acrescenta Carlos Parga, sócio diretor da Mauá Investimentos.

Nem mesmo os altos retornos em dividendos das empresas tradicionais têm sido suficientes para inibir as diferenças de preço

Somam-se a esses dois aspectos os ventos bastante favoráveis sobre a economia brasileira, num clima propício a novas aberturas de capital. Ora, o País melhorou muito sua classificação de risco pelas agências internacionais. O sonho de sermos elevados ao grau de investimento — mais conhecido por seu termo em inglês, investment grade — está mais próximo de acontecer, o que significaria um universo de investidores estrangeiros interessados em empresas brasileiras ainda maior do que se vê hoje. “Elas levam a vantagem de estarmos num momento em que o custo de oportunidade está baixo no mundo”, lembra Marco Melo, diretor de pesquisa da corretora Ágora Sênior, referindo-se à taxa de juros dos Estados Unidos, de 4,25%.

Há, porém, quem critique duramente a equiparação entre os valores de mercado das empresas recém-listadas com os de companhias tradicionais. “É comparar laranja com abacaxi”, afirma Mônica Araújo, da Espírito Santo Research. Ela argumenta que os IPOs recentes vêm de setores sem nenhuma correlação com os outros já existentes na bolsa, o que tornaria impossível concluir qualquer coisa sobre o fato de uma companhia valer mais ou menos que a outra. Carlos Parga, da Mauá, é outro que não ficou muito à vontade para comentar os números. “Mesmo olhando apenas os múltiplos, o fato de lidar com companhias muito diferentes requer um certo cuidado”, diz.

Para Mauro Giorgi, analista da Geração Futuro, há uma dificuldade de se aceitar que, hoje, o mercado valoriza mais uma prestadora de serviço do que uma indústria produtora de matérias-primas imprescindíveis ao desenvolvimento de um País. Além dos fatores macroeconômicos já mencionados, ele acrescentou um outro argumento para explicar o fenômeno dos novos parâmetros de avaliação. De um modo geral, uma empresa faz uma oferta inicial de ações ao mercado quando está diante de um forte potencial de crescimento. Conseqüentemente, seu IPO vem recheado de números que realmente impressionam. “É natural que ela adquira um valor maior do que companhias mais maduras e tradicionais”.

Já o gestor de renda variável da Unibanco Asset Management (UAM), Pedro Bastos, acredita que esse novo momento do mercado de capitais brasileiro tem como base a mudança do perfil do investidor. Se antes ele ficava à espera das crises para comprar as ações baratas e vendê-las quando a situação se normalizasse, agora surge disposto a pagar o preço conferido a esses papéis porque olha com critério os indicadores da companhia e conclui que, apesar de estarem bons, há espaço para ficarem ainda melhores. Por outro lado, esse novo investidor aprendeu a cobrar mais. Bastos ressalta que os números das novatas na bolsa são acompanhados com mais rigor que os de empresas tradicionais. “Sem contar o fato de que elas recebem uma penalidade maior do mercado quando algo não sai como planejado”, explica.


BOLHA NOS IPOS? — Os especialistas têm argumentos de sobra para justificar a valorização das companhias que abriram o capital recentemente. Mas, se há o consenso de que isso ocorre justamente porque o investidor vê excelentes perspectivas de crescimento para os resultados, o que vai acontecer quando essas companhias se tornarem tão maduras quanto as que hoje são consideradas tradicionais? Em outras palavras: existe o risco de o fenômeno do alto preço das novatas ser uma bolha e, por essa razão, explodir a qualquer momento?

Nesse ponto, as opiniões se dividem. Alexandre Póvoa, diretor do Modal Asset Management, pertence à ala dos que se preocupam com a possível supervalorização das novatas. Ele reconhece que os preços chegaram onde estão, em parte, por mérito dos gestores dessas companhias, que se mostraram capazes de tornar o negócio cada vez mais lucrativo e se empenharam para oferecer a transparência que o mercado esperava. “Diferentemente do que aconteceu com a bolha da internet anos atrás, essas empresas têm números reais”, diz. “Contudo, a relação desequilibrada entre a oferta e a demanda provocada pelo entusiasmo dos investidores estrangeiros me preocupa.”

Essa súbita valorização é, na avaliação de Póvoa, nociva ao próprio mercado, pois alimenta a ilusão de que todo e qualquer IPO é sinônimo de ganho no curto prazo. Por este raciocínio, o maior prejudicado seria a pessoa física que, sem realizar uma análise técnica, se vê tentada a pagar o que for preciso por uma ação em seu lançamento, pois tem a expectativa de vendê-la mais cara em menos de uma semana. “Uma hora, essa estratégia vai falhar e gerar grandes prejuízos”, alerta. O diretor do Modal chega a fazer uma proposta para lá de polêmica: estabelecer uma cota máxima para a entrada de capital estrangeiro nas ofertas iniciais, como forma de deixar o investidor brasileiro participar mais na formação do preço desses papéis.

Nem é preciso dizer que tal sugestão é condenada pelo grupo dos investidores que considera natural e saudável a atual valorização das estreantes na bolsa. “Quem pensa assim deveria voltar ao passado para ver como era o Brasil na época da reserva de mercado”, alfineta François Legleye, vice-presidente do BNP Paribas no Brasil. “Reclamar que o estrangeiro colocou o preço lá em cima é desculpa de quem demorou para comprar”, sustenta. Apesar das críticas, Legleye considera que existe uma certa febre pelos IPOs. Mas nada que mereça uma regulamentação que limite a participação estrangeira no mercado. “Como pensar isso num ano em que o Brasil pode atrair ainda mais a atenção internacional, virando um investment grade?”

Mauro Cunha, diretor de investimentos da Bradesco Templeton, também acredita que a solução não passaria pela restrição ao capital estrangeiro. Aliás, ele sequer interpreta a valorização das ações em ofertas recentes como um problema. “Trata-se de um reflexo do que vem acontecendo no mundo. As companhias do setor terciário estão ganhando uma importância cada vez maior. Veja o caso do Google ou da Microsoft. Por que condenar o fato de elas valerem mais do que uma GM?”, provoca.

Novidades na lista dos bilionários brasileiros

Da mesma forma que gerou uma safra de empresas supervalorizadas no mercado, o sucesso dos recentes IPOs fez surgir uma curiosa classe de emergentes empreendedores afortunados. Estamos falando daqueles que possuem a maior parcela de ações com direito a voto nas companhias recém-listadas e que, da noite para o dia, viram o preço de suas participações crescerem como nunca.

Veja o exemplo da família Constantino, dona da Aeropar Participações, que detém 75,2% do capital total da Gol. No dia 19 de janeiro, a ação preferencial da companhia era cotada a R$ 61. Considerando que a empresa emitiu 196 milhões de ações, é possível dizer que a Aeropar carrega consigo uma bolada de R$ 9,078 bilhões. Nada mau num país onde, de acordo com a lista de bilionários da Forbes divulgada no início do ano passado, os brasileiros mais ricos são os irmãos Joseph e Moise Safra, que, juntos, somam uma fortuna de US$ 5,2 bilhões, ou R$ 12 bilhões.

É claro que, em muitos casos, o maior acionista com direito a voto não é uma pessoa física, mas sim uma empresa composta por alguns acionistas. Ou seja: mesmo que essa cifra hipotética vire dinheiro um dia, caso esses grupos decidam fazer uma nova oferta secundária das suas ações, por exemplo, a bolada seria dividida entre todos os acionistas da empresa controladora. Ainda assim, as cifras são de matar de inveja os afortunados mais badalados. E suficientes para colocar os sócios de algumas das novatas em ótima posição na lista dos endinheirados da Forbes.

Além dos Constantino, um forte candidato a entrar para o ranking dos bilionários é Antônio Luiz da Cunha Seabra. Ele possui 99,9% da Lisis Participações, a maior acionista individual da Natura, com 28,3% das ações. Fundador da fabricante de cosméticos e idealizador de grande parte da sua filosofia, Seabra possui hoje, em valor de mercado, o equivalente a R$ 2,8 bilhões montante que o colocaria em sétimo lugar na lista da Forbes, empatado com o executivo Marcel Telles, cuja fortuna soma US$ 1,2 bilhão (R$ 2,7 bilhões).

Seguindo nesse raciocínio, encontramos ainda Luiz Frias, principal executivo da UOL. Só com sua participação de 66,3% no capital total da Folhapar, controladora do portal, ele esbanja uma cifra de cerca de R$ 700 milhões (considerando que a Folhapar possui 49,4% do capital do UOL). E o que dizer dos sócios da Loca- liza, José Salim Matar Júnior e Antônio Claudio Brandão Rezende? Juntos, eles somam 37,4% das ações ON da empresa, ou R$ 817 milhões. O suficiente para atingir quase um terço da fortuna de Carlos Alberto Sicupira, o oitavo brasileiro na lista da Forbes, com US$ 1 bilhão (ou R$ 2,3 bilhões). Se concretizassem a venda de suas ações e colocassem o dinheiro no bolso, não seriam os primeiros a fazer fortuna com a cotação de suas ações em bolsa de valores. Foi graças à venda dos papéis da Ambev para a Interbrew que Sicupira apareceu, pela primeira vez, em 2005, no ranking dos bilionários, ao lado de seu colega na indústria de bebidas, Marcel Telles, que também se desfez de alguns de seus papéis.

Vale notar que, em uma eventual oferta secundária dessas ações, o mercado poderia se recusar a pagar o valor cotado em bolsa se esses executivos decidissem sair totalmente do controle — ou, também, da gestão — dessas companhias. É claro que a visão do controlador e a capacidade dos gestores contam muito no cálculo das perspectivas de resultados futuros e, portanto, no valor atual das ações. Mas nada que uma gestão de profissionais altamente renomados, contratada para conduzir a companhia nesta segunda fase, não pudesse solucionar. Se os exemplos de pulverização do controle acionário iniciados por Lojas Renner e Submarino — e mais recentemente continuados por Embraer — conquistarem adeptos entre as novatas, é possível que as fortunas recentemente criadas em bolsa de valores não demorem muito a se transformar em dinheiro vivo para seus respectivos donos. (ASS)

O Brasil experimenta agora a discussão que acompanhou de longe na época da internet — quando, no mercado norte-americano, companhias como o Yahoo pareceriam criar valor sem que existissem explicações mais tangíveis para isso. Na época, o presidente do Banco Central dos Estados Unidos chegou a chamar a aparente maluquice de “exuberância irracional”, uma expressão que, de tão apropriada, espalhou-se rapidamente pelo mundo. No Brasil, quando o tema é a safra de IPOs, os investidores parecem ter aceitado repetir a exuberância, convencidos de que, desta vez, não estão abrindo mão da racionalidade.


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