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Mercado informal
Originadas por ignorância ou oportunismo, operações irregulares surgem na esteira do sucesso das captações recentes e são suspensas pela CVM

 

ed30_p030-033_pag_3_img_001O boom de ofertas públicas que animou o mercado de capitais nos últimos tempos trouxe uma série de boas surpresas. Um exemplo foram as companhias de setores até então ausentes na bolsa de valores, como os de cosméticos, exportação de frutas, locação de automóveis ou serviços de acesso à internet. De carona nessa onda, contudo, surgiram algumas outras surpresas, um tanto menos comemoráveis. Empresas que, por desconhecimento ou má-fé, tentaram atrair investidores por meio de um lançamento de ações ou títulos sem o devido registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicável a qualquer interessado em uma captação pública. Foi esse o caso de Avestruz Master, Reflomar Reflorestamento, Tropical Flora Reflorestadora e Romen Tecnologia — quatro empresas que tiveram suas ofertas irregulares suspensas pela CVM nos últimos meses.

A história mais recente, da Romen Tecnologia, foi também a mais irreverente. Em 24 de janeiro, nos jornais Valor Econômico, Estado de Minas e Correio (de Uberlândia, onde está sediada), esta sociedade anônima de capital fechado publicou o Aviso ao Mercado de início de uma oferta pública de ações que, de tão semelhante aos avisos usuais, quase se fazia passar por um deles, não fosse por um detalhe: a oferta estava sendo anunciada sem que tivesse passado pela CVM qualquer informação sobre a operação, muito menos um pedido de registro. Após poucas horas de circulação dos jornais, a autarquia suspendeu a pretensa “oferta”. Mas o intervalo de tempo foi suficiente para que as agências de notícias especializadas repercutissem a informação e nossa reportagem pudesse entrevistar, por telefone, Rodrigo Rodrigues Mendes, de 27 anos, diretor-presidente da GoVoIP, desenvolvedora de sistemas de PABX para transmissão de voz sobre protocolo internet (IP).

“Isso aqui está uma loucura, estou surpreso com o número de pessoas do Brasil inteiro que já ligaram interessadas em comprar nossas ações”, disse Mendes, logo no começo da conversa, tentando justificar as duas tentativas frustradas de transferência de chamada no escritório da prestadora de serviços de PABX. Sem se dar conta, aparentemente, da irregularidade da operação que estava em curso, ele deu detalhes das consultas recebidas pelos interessados, deixando evidente seu despreparo diante de uma operação com essas características. “Nos perguntaram qual o lote mínimo para compra, coisa que a gente nem tinha, já que não esperava essa procura”, disse orgulhoso.

Ainda nas poucas horas que antecederam a ordem de suspensão que acabaria com seu entusiasmo, o jovem empreendedor, apaixonado por seu projeto, distribuiu por e-mail um release à imprensa que divulgava informações sobre a oferta anunciada e apontava os marcos de seu histórico profissional. Nele, relacionava a uma máxima de Bill Gates — “os mais rápidos vencerão os mais lentos” — a sua visão de negócios. Neto do proprietário de uma granja em Uberlândia, Mendes passou por companhias de telecomunicações de grande porte e fundou a Redevox, que seria adquirida pela Taho, do ex-banqueiro Luiz Cesar Fernandes, ao final de 2004. A parceria com um dos fundadores do Banco Pactual se estende a outros negócios do grupo Rodrigues Mendes, e inclui a GoVoIP, além de uma criação de ovinos de elite para corte.

Quando questionado sobre o registro da operação, ele afirmou que este seria dispensável por se tratar de uma venda direta, em balcão não-organizado. Seu plano para a condução da oferta estava traçado: os interessados preencheriam um cadastro, realizariam o depósito na conta corrente indicada e receberiam um “boletinho de subscrição de ações”. Ao final do exercício, ganhariam dividendos de 30% do Ebitda e contariam com “100% de tag along”.

Com uma captação de cerca de R$ 2 milhões, o executivo pretendia viabilizar o crescimento da empresa e cumprir a meta de 20% de participação no mercado de voz sobre IP até o fim do ano, quando entraria com o pedido de registro para listar a empresa no Bovespa Mais. Em nota divulgada no mesmo dia, após a suspensão da oferta, o sócio Luiz Cesar Fernandes dava razão à autarquia e pedia desculpas ao mercado. Mendes, por sua vez, admitia em entrevistas ter agido com precipitação.

DESCONHECIMENTO OU MALANDRAGEM? — A postura aparentemente inocente não foi exclusividade do jovem Mendes. A catarinense Reflomar Reflorestamento, que desde 2003 já emitira cerca de R$ 200 mil em cotas de investimento a pouco mais de 100 investidores, teve a suspensão da sua oferta desencadeada por um telefonema do sócio-proprietário da empresa à CVM. Interessado em ampliar a escala dos Contratos de Investimento Coletivo (CICs) que vinha emitindo, Marcos Lenzi contatou a autarquia em novembro de 2005 para esclarecer que procedimentos deveria adotar. O retorno, porém, não foi o que ele esperava. Lenzi foi informado de que sua operação era irregular e não poderia continuar sem que as medidas legais fossem tomadas. Com os novos investimentos, ele pretendia expandir o cultivo da palmeira real, que se assemelha às palmeiras de açaí e pupunha, que produzem palmito para consumo. A Reflomar acatou a decisão e retirou de seu website as informações sobre oportunidades de investimento. Lenzi declarou que tomaria as providências necessárias ao registro para só então retomar a captação. A mesma postura foi adotada pela Tropical Flora, que cultiva e comercializa mudas de madeira de lei e também desconhecia a necessidade de registro na CVM. Ela utilizava o seu website para promover CICs destinados ao “Projeto Luvre”, de plantação de árvores da espécie guanandi no interior paulista.

A Avestruz Master, no entanto, partiu na direção oposta. Após a autuação da CVM, em dezembro de 2004, continuou a ofertar Cédulas de Produto Rural (CPRs) por meio de outra empresa coligada. Além de descumprir a deliberação, veiculou na TV local anúncios em que seu presidente declarava que todas as operações vinham sendo acompanhadas pela Comissão de Valores Mobiliários, “mesmo que as negociações não fossem por ela regulamentadas”.

Multada em R$ 300 mil em março do ano passado, a empresa com sede em Goiânia se encontra em fase de recuperação judicial. O valor estimado da dívida é de R$ 1,7 bilhão, e seus ativos não passam de R$ 358 milhões. De acordo com nota técnica que faz parte do processo em curso na 11ª vara de Goiânia, a criação das aves era uma atividade marginal da empresa. Isso porque, entre os anos de 2003 e 2004, a média mensal de recursos movimentados em conta bancária era de R$ 30 milhões, e os custos com a criação eram de R$ 309 mil. Os administradores da Avestruz Master propuseram um plano de quatro anos para restituir as aves aos 49 mil investidores.

Paulo Bylik, diretor-executivo da Rio Bravo e gestor de dois fundos de venture capital, entende que a CVM tem razões suficientes para se preocupar, visto que o aquecimento do mercado de capitais e o grande fluxo de investimentos estrangeiros podem aguçar, inclusive, o senso de oportunidade de pessoas mal-intencionadas, que estejam à frente de projetos de fachada. Bylik sustenta, ainda, que também é provável, em momentos como esse, que empresas sérias e bem-intencionadas se vejam atraídas pela onda de ofertas de ações e deixem de utilizar os canais de captação mais adequados à natureza de suas atividades.


VALE FLEXIBILIZAR? — O superintendente de registro de valores da CVM, Carlos Alberto Rebello, acredita que a maneira com que as suspensões vêm sendo conduzidas tem um importante “efeito educativo e, ao mesmo tempo, inibidor de novos casos”. Mas uma dúvida fica no ar. Não seria a postura da autarquia igualmente inibidora de projetos empreendedores que, por sua pouca estrutura, não estariam aptos a atender à burocracia de um registro? Não seria o caso de existirem mecanismos que permitam captações públicas sob determinadas regras para empresas de pequeno porte?

O aquecimento do mercado e a oferta de liquidez podem aguçar o senso de oportunidade de pessoas mal-intencionadas
Não seria a exigência do registro inibidora de projetos empreendedores que estejam à caça de recursos para se viabilizar?

Segundo Rebello, a Instrução 400, que regulamenta as ofertas públicas, em seu artigo 5º, inciso I, já oferece alguma facilidade para empresas pequenas. Seguindo um dispositivo contido no artigo 179 da Constituição Federal — que prevê incentivos diversos para viabilizar o crescimento de empresas menores — permite que microempresas ou Empresas de Pequeno Porte (EPP) realizem ofertas públicas sem registro. Se pertencerem a esse grupo, elas ficam dispensadas automaticamente deste pré-requisito. Há também previsão para que as companhias solicitem à autarquia a dispensa de registro em situações específicas como, por exemplo, aquelas em que a oferta estiver restrita a determinada localização geográfica. Nos quatro casos recentes de suspensão, ou não havia existido o pedido de dispensa do registro, ou não se caracterizava a situação de dispensa automática, o que mais uma vez reforça o desconhecimento da regulamentação por parte dos candidatos a emissores.

Vale questionar, porém, se não existiria espaço para a CVM abrir o leque de possibilidades que viabilizariam as captações de empresas menores, preservando, ao mesmo tempo, a proteção dos investidores. Pois bem, vejamos o que outros mercados já pensaram a respeito e de que modo podem nos inspirar.

Nos Estados Unidos, existem sete possibilidades de isenção de registro, seis delas detalhadas no quadro da página 32. Lá é exigido apenas o preenchimento de um formulário de perguntas e respostas para que seja autorizada uma oferta sem o registro. Há isenção prevista para o caso de a oferta ser dentro de determinado Estado (com venda no mercado secundário vetada a investidores fora dele), ter valores reduzidos, não usar de publicidade ou ser voltada a investidores qualificados, entre outras premissas.

“O potencial ofensivo ao interesse público representado pela distribuição de valores de uma pequena empresa já vem limitado por sua capacidade diminuta de emissão”, argumenta o advogado Luiz Antonio Sampaio Campos, do Barbosa Müssnich & Aragão Advogados e ex-diretor da CVM, defendendo a dispensa automática prevista na Instrução 400 — um normativo cuja elaboração ele coordenou enquanto estava na autarquia. Segundo Campos, o recurso representa o justo equilíbrio entre custo e benefício que toda regulamentação deve perseguir.

É de interesse público que as pequenas empresas se desenvolvam. Mas também é de interesse desse mesmo público um ambiente regulatório que assegure os direitos do investidor, estimule a transparência e inspire a confiança para novas aplicações. O equilíbrio desses aspectos é fundamental para que qualquer mercado de capitais funcione bem e se desenvolva. Se este for mesmo um efeito colateral do tão esperado reaquecimento do mercado de capitais brasileiro, tem-se aí o que se poderia chamar de “bom problema”.


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