A Global Brasil, empresa formada por um grupo de 30 credores da concordatária Fazendas Reunidas Boi Gordo (FRBG), voltou ao mercado de capitais no dia 10 de setembro depois de fazer a lição de casa. Criada para ser uma alternativa de salvamento aos 28 mil investidores dos Contratos de Investimento Coletivo (CICs) emitidos pela FRBG, a Global Brasil pediu à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro para emissão de um total de 1,234 bilhão de ações ordinárias, desta vez conforme pede a cartilha e de posse de um registro de companhia aberta, obtido em maio deste ano, indispensável a uma empresa que pretenda emitir ações no mercado de capitais.
A emissão é parte da estratégia criada pelos fundadores da Global Brasil para resgatar o que ainda sobrou da FRBG, empresa controlada por Paulo Roberto de Andrade que, graças à aposta dos que nela investiram comprando CICs, tornou-se um dos maiores grupos pecuaristas do país. Aos portadores dos CICs, títulos de renda fixa remunerados conforme a engorda do boi e a oscilação do preço da arroba no mercado, são devidos R$ 800 milhões (pelo valor de face dos títulos) ou R$ 1,234 bilhão (a valores atuais, corrigidos pela remuneração prevista).
O plano é reunir todos os credores em torno da companhia trocando os CICs por ações da Global Brasil. Com boa parte dos credores juntos, a empresa espera ser bem sucedida na negociação com Paulo Roberto Andrade para transferência do espólio (as 117 fazendas no total de 300 mil hectares, praticamente não há mais gado) à Global Brasil. De posse das terras, a empresa fará uma avaliação da opção mais vantajosa para o negócio: venda da companhia, transformação do seu patrimônio em fundo imobiliário, aumento de capital para aliança com um sócio investidor ou mesmo o desenvolvimento da sua atividade agropecuária, com a contratação de administradores especializados para tocar o negócio.
Coordenadores do projeto afirmam que o fundador está disposto a fazer a transferência das terras, condição essencial para que vingue o plano da Global. Pelas explicações de Marcelo Thiollier, advogado contratado pela Global para assessorar na operação, outro instrumento jurídico para solução em caso de impasse seria o pedido de falência. “Mas esta seria uma alternativa só em último caso”, afirma.
400 ADESÕES E R$ 100 MILHÕES EM UMA SEMANA – No dia em que protocolou o pedido de emissão na CVM, os coordenadores do projeto chamaram uma coletiva de imprensa para dar visibilidade à operação e conquistar adesão de um volume representativo de credores, outro passo essencial para o sucesso da operação. Até o fechamento desta edição, uma semana após a data do anúncio, cerca de 400 pessoas haviam solicitado sua adesão para troca dos CICs por ações da Global. “Elas representam mais de R$ 100 milhões em CICs. O retorno está surpreendendo nossas expectativas”, afirma Thiollier. Segundo o advogado, com a adesão de investidores que, juntos, possuam cerca de R$ 400 milhões em CICs (o equivalente a 30% do valor de R$ 1,234 bilhão em créditos), a Global já terá boas chances de negociar com o fundador e de se posicionar com bons argumentos perante o juiz da concordata.
Esta não é a primeira vez que a Global Brasil tenta atrair a adesão dos milhares de credores e promover a troca de CICs por ações. Tentou fazer o mesmo no início do ano passado, utilizando-se do site na internet e de folhetos impressos para divulgar a operação. Em abril de 2002, teve a tentativa de distribuição das ações suspensa pela CVM em virtude de não ter sido solicitado à comissão o registro para emissão dos papéis e nem o registro de companhia aberta. Para se desfazer da imagem desgastada logo na largada, a Global Brasil decidiu se preparar como deveria e, em maio deste ano, obteve o registro de companhia aberta. Agora, com o pedido protocolado em 10 de setembro, a Global solicita o registro para emitir as ações.
Os investidores receberão ações ordinárias e preferenciais (estas também com direito de voto). As preferenciais serão oferecidas em contrapartida aos CICs e, portanto, ainda precisam da avaliação dos títulos e das terras que integrarão o patrimônio da Global para serem permutadas. As ordinárias serão emitidas em troca de um valor em dinheiro a ser aportado pelos credores, equivalente a 2,5% do valor de face dos CICs, para sustentar os custos administrativos da companhia. O plano da Global também prevê liquidez para as ações no mercado secundário, de modo que tanto as ordinárias como as preferenciais (quando emitidas) serão negociadas na Soma – o mercado de balcão organizado da Bovespa. No início do processo, enquanto as preferenciais (PN) não estiverem em circulação, os credores poderão negociar bônus de subscrição que darão direito mais adiante à aquisição das ações PN.
O projeto também prevê uma cláusula de segurança para os credores que aceitarem a proposta da Global. Os CICs oferecidos em troca das ações ficarão custodiados no Banco Itaú até que as terras sejam efetivamente transferidas para a companhia. Assim, se o planejado der errado no meio do caminho, o Banco Itaú fará a devolução dos CICs.
DESASTRE FINANCEIRO – A Fazendas Reunidas Boi Gordo é forte candidata a entrar para o rol dos maiores desastres financeiros na curta história do mercado de capitais brasileiro. Paulo Roberto de Andrade chegou a emitir aproximadamente R$ 100 milhões em CICs para milhares de investidores em todo o país, desde 1999, sem autorização da CVM para tal, em operações que claramente se caracterizavam públicas e, portanto, demandavam os registros de companhia aberta e de emissão de ações usualmente concedidos para este fim pelo órgão regulador do mercado.
Somente após dois anos de irregularidades, a CVM baixou em março de 2001 uma deliberação suspendendo as operações. Em 23 de maio do mesmo ano, a companhia pediu à CVM seu registro de companhia aberta e, dias depois, o registro para emissão de quatro séries de CICs – duas para regularizar as emissões ilegais e duas para novos investimentos. Em 26 de junho, fez mais um pedido de registro à CVM, desta vez para emitir 3,1 bilhões de ações e trocá-las por CICs – em operação semelhante à que agora propõe a Global. Já àquela altura, a FRBG fazia a emissão declarando que os recursos obtidos teriam a finalidade de reduzir o passivo com os investidores.
Todos os registros solicitados, de companhia aberta e para emissão dos CICs e das ações, foram aprovados pela CVM em 20 de agosto, exatos 57 dias antes de a FRBG declarar a concordata que deixaria na mão os milhares de investidores que sonharam com os lucros vislumbrados na engorda do boi.
Agora a Global, com a casa mais arrumada e com um discurso afiado de boa governança corporativa, propõe também a troca de CICs por ações a fim de viabilizar uma saída para investimentos que viraram pó. A diferença é que, desta vez, não resta alternativa fácil para os investidores da Boi Gordo.
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