Um dos preceitos básicos que os investidores seguem na hora de escolher um fundo de investimento tem sido relegado a segundo plano neste momento de otimismo no mercado. O histórico de rendimento da carteira, mais conhecido como track record e especialmente importante para os gestores de carteiras que adotam estratégias de investimento diferenciadas, parece já não ter o mesmo apelo aos olhos do investidor. Ao contrário, fundos mais jovens e com menor histórico de desempenho, em grande parte lançados por gestores independentes, vêm surpreendendo e tomando a liderança entre as carteiras que mais angariaram recursos nos últimos meses.
Os fundos de derivativos ou hedge funds e alguns fundos de ações com menos de um ano de vida lideraram as captações no ano entre as carteiras de gestores independentes: R$ 890 milhões até meados de setembro, totalizando um patrimônio líquido de R$ 1,44 bilhão, segundo dados da Fortuna, empresa que atua com sistemas de informações para investidores. Na outra ponta, os fundos com mais de 60 meses captaram R$ 610,9 milhões e alcançaram patrimônio de R$ 3,78 bilhões (ver ilustração). O levantamento levou em conta apenas os fundos de gestores independentes (não ligados a uma instituição financeira) e com patrimônio superior a R$ 3 milhões no início de setembro.
Movimento desse tipo indica que os investidores abandonaram o que recomendam as cartilhas e tudo o que manda o bom senso? Ou será que eles estão seguindo mesmo à risca a afirmação de que rentabilidade passada não é garantia de bons resultados no futuro?
Na realidade, esses investidores se baseiam sim no histórico de desempenho para colocar seus recursos na mão de novos fundos. A diferença é que não se pautam pelo histórico do fundo, mas pelo de seus gestores.
Alguns fundos que estão chegando ao mercado são de empresas como a Gávea Asset Management, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, e a Fiducia Asset Management, de Gustavo Franco, também ex-presidente do Banco Central. Os outros têm por trás nomes bem menos conhecidos do grande público, mas que, da mesma forma, traduzem experiência no mercado financeiro.
A ASCENSÃO DOS FUNDOS DE DERIVATIVOS – Boa parte dos fundos jovens que vêm conquistando investidores é formada pelos hedge funds – fundos que fazem grandes apostas no mercado de derivativos para exibir retornos mais atraentes. Um dos motivos para a forte procura recente por esses fundos é a redução das alternativas de hedge funds com mais tempo de estrada disponíveis no mercado. Produtos mais antigos e já consagrados, como o Hedging Griffo Verde, o Claritas Hedge e o JGP Hedge, estão fechados para novas captações porque atingiram patrimônios consideráveis. Se continuassem crescendo indefinidamente, teriam suas estratégias prejudicadas devido à baixa liquidez do mercado brasileiro. O fechamento desses fundos gerou uma massa de recursos em busca de retornos mais polpudos que não tinham para onde ir. O Hedging Griffo Verde e o Claritas Hedge deram os filhotes Verde 14 e Hedge 30 FIF, mas ambos também pararam de aceitar aportes.
Outro fator que vem estimulando a preferência pelos hedge funds recém-criados é a própria expansão das casas de gestão independente de recursos, estabelecidas a partir do enxugamento do mercadof inanceiro e da falta de interesse dos bancos de rede em atuar com hedge funds. Para iniciar, esses gestores colocam o próprio capital no fundo, o que confere mais credibilidade à carteira.
Embora pouco representativos no total da indústria de fundos de investimentos, os gestores independentes formam uma minoria barulhenta que tem como filosofia agregar valor à gestão de recursose buscar estratégias diferenciadas para os investidores. Desde o início do ano, o patrimônio que está nas mãos desses gestores subiu 80%, de R$ 4,11 bilhões para R$ 7,4 bilhões segundo a Fortuna – sem considerar aí os fundos de instituições que têm também bancos de investimento, como os do Pactual.
MAIS VERSATILIDADE E RISCO – Existe, ainda, um cenário macroeconômico que pode favorecer esses investimentos. Se a tendência de queda nos juros se mantiver, haverá a necessidade de buscar aplicações sofisticadas para conseguir retornos atraentes. Neste sentido, por que as ações não seriam consideradas os ativos mais adequados? Os sucessivos tombos do mercado desde o início da crise asiática deixaram os investidores escaldados, dizem os gestores. Clientes da área de private banking dos bancos, por exemplo, têm buscado os hedge funds porque estes podem investir em outros mercados, como o de câmbio e juros, e sair da bolsa a qualquer sinal de tempestade. Pela classificação do Banco Central, os hedge funds são fundos de investimento financeiro (FIF) genéricos, cujo desempenho não precisa estar atrelado a nenhum indicador e que apenas tem o limite máximo de aplicação de 49% do patrimônio em ações. Portanto, o gestor pode mudar a carteira na hora que quiser. Sequer precisa manter um mínimo aplicado em ações, o que lhe dá uma margem maior de manobra.
João Luiz Mascolo, sócio da ForeSee Asset Management, diz que o argumento de que a bolsa é um investimento de longo prazo não é necessariamente verdadeiro. “Isso sóocorre quando a gestão macroeconômica de determinado país é de qualidade”. Foi o caso dos Estados Unidos na década passada. O índice DowJones saiu de aproximadamente 2,8 mil pontos no início dos anos 90 para a casa dos 11 mil no fim da década. A contrapartida é dada pelo Japão e pelo naufrágio do índice Nikkei, que saiu de 40 mil para cerca de 8 mil pontos.
Mascolo diz que, no caso brasileiro, não é adequado montar posições estáticas na bolsa, já que ela atua de maneira espasmódica. “A forma de atuar em bolsa nos mercados emergentes tem de ser mais arisca, identificando as oportunidades e sabendo a hora de entrar e sair”. Ele acredita que, somente quando a condição macroeconômica do país permitir, será vantajoso fazer apostas de longo prazo nas ações. Por enquanto é importante buscar oportunidades em outros mercados, diz. A ForeSee Asset Management surgiuem 1999 e se baseia na análise macroeconômica qualificada, em um modelo quantitativo de leitura de expectativas e na gestão global para gerir seu hedge fund.
Por outro lado, a aquisição de ações pressupõe perdas mais previsíveis, enquanto um hedge fund pode quebrar e ainda deixar o investidor devendo no mercado. A lei não limita a alavancagem desses fundos. Muitas vezes,são os gestores que a limitam por meio do regulamento das carteiras.Por isso é que o controle de risco tem de ser uma preocupação constante dos investidores e gestores de hedge funds e a maioria adota modelos como o Value at Risk (VAR) e o Stress Test para calcular as perdas máximas que uma determinada posição pode gerar.
Hedge funds atraem interessados em carteiras mais diversificadas e com maior margem de manobra
O interesse pelos hedge funds tem sido maior no segmento do private banking porque investidores com altos montantes para aplicar podem contar com assessoria personalizada, dispor de informações e até se dar ao luxo de perdas eventuais no patrimônio. Já o investidor pessoa física comum não costuma ter informação sobre o produto e os institucionais não podem aplicar em fundos que tenham alavancagem, estratégia comum à maioria dos hedge funds.
SEGREGAÇÃO DO RISCO – Na visão de Celso Portásio, da Acrux Asset Management, uma nova fase para os gestores independentes está começando.Não só pelas perspectivas abertas pela esperada redução nos juros, mas também porque as casas que surgem estão preocupadas com o risco. A preocupação não tem sido apenas com o risco de mercado envolvido nos investimentose que tem sido monitorado pelo VAR e o Stress Test,mas também com outros riscos operacionais.
Gestores independentes ampliam instrumentos para segregar risco e melhorar a distribuição
Para dar total transparência aos investidores,essas casas terceirizam a custódia dos ativos dos fundos e sua administração. Isso quer dizer, por exemplo,que não é possível transferir uma operação que deu mau resultado de um fundo para outro. Todos os cálculos de cotas são feitos por uma terceira instituição. O risco que o investidor corre é o risco degestão, o risco intelectual, de o gestor escolher os ativos errados no momento errado.
A maioria dos novos gestores está terceirizando a distribuição dos fundos para evitar o trabalho de procurar investidores e manter o foco somente na gestão. A Acrux lançou recentemente seu hedge fund e espera que ele ganhe corpo para depois ser distribuído por fundos de fundos, vendidos principalmente pelas áreas de private banking.
DISTRIBUIÇÃO PODE SER DETERMINANTE – A distribuição deve fazer diferença para os novos gestores, acredita Marcelo D’Agosto, sócio da Fortuna. Aliada ao desempenho dos fundos, ela pode determinar o sucesso ou o fracasso das novas casas. Dentre as estratégias de vendas mais adotadas, estão a associação com distribuidores independentes ou a venda para fundos de fundos.
Também para incrementar a estratégia de vendas é necessário um bom histórico de rendimento, exceto em situações mais privilegiadas. Para aqueles que não têm apenas um nome, mas uma verdadeira grife, o esforço de atrair clientes é pequeno. Uma fama de mago das finanças pode, muitas vezes,substituir um bom track record. Aos simples mortais,contudo, restará trabalhar de sol a sol até a consolidaçãoda marca e dos resultados.
Muitos profissionais do mercado enxergam obstáculos pelos caminhos dos gestores independentes e moderam no otimismo. Até mesmo quem possui todos os motivos para comemorar se mantém cauteloso. É o caso de Roberto Pitta, diretor comercial da Mellon Brascan, que está vendo o patrimônio sob sua administração crescer aceleradamente. A empresa, que tem a esmagadora maioria do mercado de administração de fundos de gestores independentes, é uma espécie de termômetro e mostra o aquecimento do mercado. Ela começou o início do ano fazendo a administração para 30 gestores. Agora, são 48 e R$ 8 bilhões sob a sua administração. “O resultado de muitos desses novos gestores ainda vai ser testado”, diz Pitta.
TESTE DE VIABILIDADE – Essa fase de testes deve começar quando os ventos pararem de soprar a favor e mudarem de direção. “É necessário tomar cuidado. Este ano está sendo fácil para se ganhar dinheiro. Existem fundos que ainda vão ter de provar que são bons”, diz Fernando Ganme, diretor da Capital Administração de Recursos, especializada na distribuição de hedge funds para clientes de alta renda.
Alguns acreditam que uma crise de grandes proporções pode ocasionar um enxugamento tão forte e rápido desse mercado como está sendo sua expansão. “Se houver uma nova crise, alguns podem se machucar seriamente. Espero que, se houver um processo de consolidação, ele ocorra de forma saudável”, diz Marcelo Guterman.
O tamanho que os gestores independentes vão atingir também os coloca em um dilema, diz o professor William Eid, da FGV- EASP. Eles não podem crescer demais, sob o risco de perderem liberdade. E nem permanecer pequenos, sob pena de não se viabilizar economicamente.
As múltiplas faces de um hedge fund Se existir algo no mercado financeiro tão diverso quanto as opiniões de seus participantes sobre os rumos e preços justos dos ativos, esse algo deve ser o conceito sobre hedge fund. No berço de seu surgimento, o mercado americano, hedge fund é um fundo que tem liberdade total de gestão, destinadoa até cem investidores e que não é fiscalizado pela Securities and Exchange Commission (SEC). Ele pode aplicar em todos os tipos de ativos e seguir qualquer estratégia possível, embora na prática todos acabem se especializando. A denominação hedge pouco ajuda em sua definição porque logo faz lembrar de proteção, sendo que esses fundos podem ser bem arriscados. Mas o termo é aplicado a esse tipo de fundo porque eles adotam estratégias variadas e podem ganhar dinheiro com a alta ou baixa do mercado. Um fundo de ações, por exemplo, tem de ficar comprado em ações. Já um hedge fund pode ganhar dinheiro por meio da venda das ações ou índice futuro, na baixa do mercado, ou com a compra de ações ou índice, quando a tendência é de alta. Ou seja, a diversidade de possibilidades de aplicação significa uma espécie de proteção. Em outros tipos de operações como as de arbitragem e volatilidade, a direção dos mercados importa menos ainda. Já no Brasil, um fundo exatamente nos moldes americanos não existe. O termo hedge funds surgiude uma classificação informal do mercado. Pela classificação legal do Banco Central, eles são fundos genéricos, os quais podem aplicar no máximo 49% da carteira em ações. Não podem tomar dinheiro emprestado para investir, como é permitido nos Estados Unidos. São fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários. Não têm uma limitação legal máxima do número de investidores e nem limites máximos de alavancagem. Há, contudo, os denominados genéricos que em nada lembram os hedge funds por não serem alavancados, nunca investirem em renda variável e ficarem mesmo comprados em títulos públicos. Pela classificação da Associação Nacional dos Bancos de Investimento e Desenvolvimento (Anbid),eles seriam fundos multimercados, mas, mais uma vez, nem todo fundo multimercado é considerado um hedge fund. Há multimercados que não aplicam em renda variável ou que não são alavancados. A categoria que mais se aproxima é a “multimercado com renda variável com alavancagem. |
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