Está prestes a ser regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) uma importante mudança no regime de responsabilidade dos fundos de investimento. A Lei de Liberdade Econômica, de 2019, inseriu no Código Civil novos artigos que dispõem sobre os fundos, sua natureza jurídica e, sobretudo, sobre a limitação de responsabilidade de seus cotistas e prestadores de serviços.
Num País em que os tribunais tendem a responsabilizar sócios e administradores de sociedades — mesmo de responsabilidade limitada — de forma indiscriminada, uma melhor definição a respeito do assunto é, sem dúvida, um marco importante. Vale destacar que a incerteza em torno da responsabilidade dos prestadores de serviços, como administradores, gestores e custodiantes, sempre foi um motivo de preocupação para a indústria. Some-se a isso o fato de que ainda é muitas vezes pouco compreendida a natureza condominial dos fundos no Brasil.
Minuta em audiência pública
Em dezembro de 2020, a CVM divulgou o Edital de Audiência Pública 8/20, por meio do qual abriu para manifestações a minuta de nova resolução para regulamentar, de uma forma completa, os fundos de investimento e os seus prestadores de serviços. Foram recebidas numerosas manifestações de participantes do mercado (como gestoras de fundos, entidades de classe e advogados) — todas disponíveis no site da CVM. Trata-se de um rico acervo de discussões sobre o tema, sob os mais variados pontos de vista, em um saudável exercício de transparência promovido pela autarquia.
Espera-se que a CVM divulgue, em meados de 2022, o relatório de audiência pública, documento no qual são discutidos os principais comentários e sugestões à norma proposta, além do texto final da própria resolução.
Portanto, investidores, administradores fiduciários, gestores de fundos, custodiantes — enfim, todos os participantes desse mercado — devem estar atentos às mudanças que virão com a nova regulamentação. Até porque, para que se beneficiem das mudanças que estão sendo propostas, os regulamentos dos fundos deverão ser modificados, uma vez que o regime de responsabilidade limitada será uma opção e não um regime geral, aplicável de forma automática.
Avanço sem precedentes
O artigo 1.368-C do Código Civil prevê que o regulamento do fundo poderá dispor sobre a responsabilidade do investidor ao valor de suas cotas. Esse novo artigo representou um avanço sem precedentes no regime de responsabilidade de fundos de investimento no Brasil. A responsabilidade dos cotistas sempre foi um ponto de preocupação entre os investidores — e talvez um motivo para que muitas estruturas offshore fossem preferidas aos fundos de investimento locais. A natureza condominial dos fundos de investimento até então não dava adequada proteção aos investidores, que ficavam sempre sujeitos a uma extensão da responsabilidade pelas obrigações do fundo, considerando que o véu da personalidade jurídica sequer existe nesses veículos.
O mesmo artigo determina que o regulamento do fundo poderá dispor sobre a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços, bem como estabelecer parâmetros para sua aferição, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade. Esse artigo também foi um grande avanço e motivo de comemoração para a indústria. A separação de responsabilidades entre o gestor, o administrador e o próprio fundo é um capítulo à parte no Direito brasileiro, sem muita conexão com outros veículos de investimento e com estruturas mais conhecidas e estudadas no Brasil.
Nos fundos existentes, deverá haver assembleias para discussão do assunto. Já nos fundos novos, os regulamentos poderão ou não dispor sobre a limitação de responsabilidade dos cotistas. Portanto, os investidores e os prestadores de serviços dos fundos deverão ficar atentos à regulamentação que será em breve editada, para que ajustem os regimes de responsabilidade dos fundos a um modelo que atenda melhor aos seus interesses.
Felipe Claudino é sócio da área de mercado de capitais do Veirano Advogados
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