Não é de hoje que se vê uma profunda simbiose entre administradores das grandes companhias abertas e especialistas. O primeiro grupo é facilmente identificável — engloba os diretores e os conselheiros de administração. O segundo tem contornos menos definidos. O especialista pode ser qualquer um que preencha dois requisitos: ser externo à companhia (independente ou nem tanto) e reconhecido como detentor de conhecimento específico sobre tema de interesse dela. Nessa ampla categoria, encontra-se de tudo — de consultorias de gestão a empresas de auditoria externa; de professores pardais a grandes conglomerados que apenas se propõem a analisar e a processar papel.
Alguns acreditam que a razão desse fenômeno residiria apenas num legítimo interesse dos gestores de contar com conhecimento especializado para a tomada de decisão ou para a execução de determinada política. Essa crença, entretanto, fica abalada quando se nota a proliferação da contratação de consultorias de duvidosa qualidade ou em áreas nas quais a empresa contratante já deveria ter o conhecimento específico. E não se sustenta diante da usual contratação de especialistas para trabalhos que são habitualmente feitos internamente.
Talvez o caso mais emblemático seja o da elaboração de laudos de avaliação. Desconhece-se empresas de grande porte sem profissionais habilitados a elaborar tais análises e que as produzam rotineiramente para auxiliar o trabalho de decisão dos órgãos de gestão. Curiosamente, quando precisam ser apresentados à aprovação da assembleia geral, a regra tem sido a terceirização da elaboração desses laudos de avaliação, mesmo que em muitos casos a lei não exija tal procedimento.
A explicação para a proliferação de consultorias, ao que tudo indica, está não apenas na preocupação com a qualidade do trabalho mas também numa convicção generalizada de que assim promover-se-ia uma terceirização da responsabilidade. Num paradigma de responsabilização que impõe ao gestor atuar com diligência, ele não fez ou deixou de fazer porque entendia correto, mas porque um especialista assim o orientou.
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Um subproduto dessa mentalidade é a substituição da qualidade do especialista pelo renome. Isto é, uma vez que o objetivo do administrador é transferir responsabilidade sobre determinada matéria, é preferível contratar alguém que tenha renome do que outro cujo trabalho tenha mais qualidade.
Embora órgãos reguladores tenham sua parcela de culpa no fomento desse modelo de comportamento, ele começa a ser revisitado pela área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em recente decisão envolvendo empresa concessionária do setor de energia elétrica, enfrentou-se o problema dos administradores que submeteram à aprovação da assembleia geral um laudo de avaliação (elaborado por especialista renomado) com relevantes indícios de que continha resultados inconsistentes — consequentemente, subavaliava o valor econômico da empresa.
Enfrentando a alegação de que não seria possível imputar responsabilidade à administração, tendo em vista a contratação de um especialista de grande reputação para elaboração da análise, a área técnica considerou que isso não seria suficiente para comprovar diligência. Nesse sentido, mesmo sem ser obrigado a dominar a técnica e a metodologia do avaliador, espera-se que o resultado produzido externamente seja validado e confrontado com o próprio entendimento da companhia sobre a matéria e resultados atípicos sejam questionados. Ou, dizendo de maneira mais coloquial: o especialista não exime a falta de bom senso ou a preguiça do gestor.
Superar a dependência do especialista parece ser uma missão impossível. Entretanto, deve-se travar a batalha contra a cultura da indolência que se instalou no relacionamento do administrador com os especialistas, em que estes servem de desculpa e explicação para a efetiva falta de diligência e de cuidado daquele. É uma luta difícil, mas factível.
Raphael Martins é sócio do escritório Faoro & Fucci Advogados
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