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Confusão de papéis
A despeito da tentativa de algumas companhias, títulos híbridos não deslancham no País

Captação de recursos - normal
Em 2011, a Energisa inaugurou o mercado de títulos híbridos, instrumentos que unem características de dívida e equity. Foi a maneira que a distribuidora de energia elétrica encontrou para captar recursos sem elevar seu nível de endividamento. Num momento em que diversas companhias são forçadas a aumentar a alavancagem para continuar operando, o modelo híbrido parece uma alternativa ainda mais interessante aos emissores. Porém, graças a um posicionamento do regulador, ele não prosperou
no País.

Os títulos emitidos pela Energisa eram debêntures perpétuas (sem vencimento para o valor principal do empréstimo), com a opção de diferimento dos juros — de 9,5% trimestralmente — na data prevista. O diferimento, cabe ressaltar, não é um calote, mas uma postergação. Embora as condições fossem inéditas, não faltaram interessados em adquirir os papéis da Energisa. “A emissão foi oversubscribed”, recorda Maurício Botelho, diretor financeiro da Energisa, usando o jargão do mercado que define ofertas com mais compradores do que papéis disponíveis.

A emissão rendeu à companhia US$ 200 milhões. Os recursos foram contabilizados na conta de patrimônio líquido dos resultados financeiros em vez de serem registrados no passivo — uma vez, que, para a Energisa, os títulos possuíam, na sua essência, característica de equity (assim como ocorre com as ações, o papel não oferecia prazo de resgate determinado e garantia rentabilidade em prazo fixos, dada a previsão de diferimento de juros). A interpretação foi referendada por dois escritórios de advocacia, uma firma de auditoria (a KPMG), além dos bancos que ajudaram a estruturar a operação. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entretanto, entendeu de forma diferente. Na visão do regulador, embora as debêntures perpétuas previssem diferimento de juros, a postergação não seria eterna. E, sem a anistia dos juros a serem pagos, o mais correto seria contabilizar a operação como um passivo. Diante disso, a autarquia recomendou que a Energisa reclassificasse as contas.

A empresa recorreu da decisão, mas sem sucesso. Ela precisou republicar o balanço dos três primeiros trimestres de 2011 com os títulos no grupo de contas a pagar, o que não era de seu interesse. A companhia decidiu, então, recomprar as debêntures e, desde o episódio, preferiu não se arriscar em outra operação do gênero. O mesmo aconteceu com Marfrig e Suzano Papel e Celulose, que emitiram títulos híbridos na mesma época da elétrica e também precisaram reclassificar as contas e republicar seus resultados por recomendação do regulador. “As empresas foram desencorajadas a fazer esse tipo de emissão”, afirma Pedro Bianchi, sócio da Felsberg Advogados e ex-diretor do Bank of America Merrill Lynch. O banco foi um dos estruturadores da emissão da Energisa em 2011.

No setor bancário, o entendimento sobre os títulos híbridos é mais pacificado. O Banco Central trata esses instrumentos financeiros como capital de referência, conforme estabelecido no acordo de Basileia. “Para as instituições financeiras, esse tratamento dado pelo Banco Central prevalece sobre a questão contábil. Está tudo muito claro e bem resolvido”, diz Bianchi. Mas para as empresas que estão fora desse segmento a situação é mais delicada — e não só pelo conflito de entendimentos de regulador e emissor. A interpretação sobre o que é capital ou dívida gera divergências entre diversos participantes do mercado, em razão de incompatibilidades entre a lei societária e as normas contábeis. Esses conflitos sempre existiram, mas se acirraram desde que o Brasil aderiu ao padrão internacional de contabilização de ativos proposto pelo International Financial Reporting Standards (IFRS).

Entre duas áreas

Na contabilidade internacional, a essência de um valor mobiliário prevalece sobre a sua forma. O CPC 39, norma estabelecida pelo comitê de pronunciamentos contábeis, trouxe essa máxima para o Brasil. “Isso quer dizer que se um instrumento de dívida dá ao seu detentor direitos e ônus de um acionista, ele seria classificável em conta de patrimônio líquido”, explica Renato Coelho, sócio do escritório Stocche Forbes. A Lei das S.As., por outro lado, é considerada mais formal e rígida em relação aos conceitos de capital e dívida. “Existe um vão entre as duas áreas de conhecimento. A Lei das S.As. não passou por nenhuma reforma do ponto de vista de instrumentos que podem ser patrimônio ou passivo”, observa Eduardo Flores, membro do CPC e pesquisador do Laboratório de Contabilidade Internacional da USP.

Nos países onde os instrumentos híbridos vingaram, a lei societária e as normas contábeis foram alinhadas, afirma Flores. De acordo com ele, a França contabiliza hoje US$ 24 bilhões em emissões de títulos semelhantes aos que a Energisa tentou emplacar no mercado brasileiro. “Nos resultados dessas empresas, há uma conta destacada para híbridos dentro do patrimônio líquido. O direito societário francês entendeu que era válido ter esse tipo de instrumento contabilizado como capital e não como dívida”, observa Flores.

Diante disso, Ramon Jubels, sócio da KPMG, acredita que seria útil uma discussão do mercado com o regulador sobre demonstrações financeiras. “Essa iniciativa é importante, já que existe subjetividade na classificação de instrumentos e na aplicação de normas”, avalia.

Em ofício, a CVM afirma que “só há uma situação em que não resta dúvida quanto à natureza patrimonial de um título: ações ordinárias”. Emissões de outros papéis, destaca a autarquia, são analisadas caso a caso. E nas avaliações de ofertas de títulos híbridos feitas até agora, o regulador está convicto: esses papéis são, sim, títulos de dívida. O mercado, contudo, não perde a esperança que a CVM mude de ideia.


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