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RI em tentação
Ajudas financeiras de terceiros às areas de relações com investidores instigam autoridades e instituições a discutir os conflitos de interesses envolvidos

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Em 2009, cerca de US$ 11,6 milhões do orçamento do departamento de relações com investidores (RI) da Petrobras não vieram do caixa da companhia. Vieram, sim, do caixa do banco J.P. Morgan, que doou os recursos para a petrolífera com o propósito de desenvolver o seu programa de American depositary receipts (ADRs), do qual participa como banco depositário.

Essa “mãozinha” é uma prática comum entre emissores de ADRs e bancos depositários, mas só agora os valores contratados entre as partes chegaram ao conhecimento público. A Securities and Exchange Commission (SEC) tornou obrigatória a divulgação dessas verbas nos formulários 20-F relativos ao exercício de 2009 — os relatórios de desempenho que os emissores estrangeiros com ADRs listados nos Estados Unidos são obrigados a divulgar. Dos R$ 11,6 milhões recebidos pela Petrobras, US$ 9,5 milhões foram gastos com despesas do departamento de relações com investidores, US$ 1,2 milhão com reembolso de corretagem, US$ 293 mil com propaganda e relações com o público e US$ 500 mil com tarifas de listagem.

O “agrado” funciona como uma recompensa pelo contrato exclusivo entre o emissor do ADR e o banco. Em troca do direito de cuidar dos ADRs, o depositário oferece à companhia parte do ganho obtido com o programa. Quem paga a conta, no fim da linha, é o investidor que transaciona o recibo. Cabe a ele remunerar o banco pelos serviços de emissão ou cancelamento de ADRs, dentre outros.

A verba é transferida pelo depositário ao cliente na forma reembolso ou por meio de pagamentos de contas. Varia de empresa para empresa, de acordo com o giro do papel e a quantidade de ADRs. O dinheiro visa a pagar os custos de manutenção dos papéis lá fora: despesas de postagem de relatórios financeiros, distribuição de cupons de dividendos, arquivamento eletrônico de informações sobre impostos federais nos Estados Unidos, despacho de formulários fiscais, fax e ligações telefônicas, além de atividades de relacionamento com o investidor, como conference calls e road shows.

, RI em tentação, Capital AbertoA dúvida é se esse incentivo poderia gerar distorções. Não ficariam as empresas tentadas a escolher um banco depositário pelo valor de suporte ao programa, em vez da qualidade dos serviços de ADR? “A concorrência está bastante acirrada”, diz uma fonte que preferiu não ser identificada. Segundo ela, essas verbas vêm sendo inflacionadas, principalmente nos programas de nível 1, em que não há necessidade de as empresas arquivarem o 20-F.

A consequência pode ser o encarecimento dos serviços para o investidor. O próprio xerife do mercado de capitais norte-americano já expressou essa preocupação. “Os valores devem ser divulgados, porque podem ser repassados ao detentor do ADR por meio da cobrança de taxas sobre serviços prestados pelo banco depositário”, informa a SEC no texto da regra que tornou obrigatório o disclosure. No Brasil, os três bancos cobram as mesmas taxas dos investidores: emissão ou cancelamento de ADRs — US$ 5 para 100 recibos; distribuição de dividendos — US$ 0,02 por ADR; e serviços depositários — US$ 0,02 ao ano, por ADR.

Como prestador de serviços, o banco tem a função de cuidar dos papéis da empresa no exterior. Além do depósito das ações, ele trata de aspectos legais e de governança dos ADRs. Se o papel tiver direito a voto, a instituição cuida de todos os trâmites para o detentor do recibo votar nas assembleias de acionistas. Avaliar a qualidade desses serviços, portanto, é dever dos administradores. Preterir tais aspectos na escolha do banco traria prejuízos ao investidor.

Há ainda um outro conflito de interesses: como é contratado um valor máximo, cabe ao RI o cuidado de evitar que as despesas da área sejam influenciadas por uma conta de chegada e se tornem ineficientes. Viagens em excesso, por exemplo, poderiam despender recursos humanos e de tempo que seriam mais bem aproveitados no Brasil. Segundo fontes ouvidas nesta reportagem, antes de a SEC passar a exigir o disclosure, os controles dos gastos eram bastante frouxos no Brasil. Empresas enviavam apenas relatórios gerais das despesas realizadas, sem a apresentação de notas fiscais ou outros comprovantes. Sob o olhar do regulador, os executivos teriam passado a tomar mais cuidados com a prestação de contas.

O Bank of New York Mellon vê os reembolsos das despesas com ADRs como uma prática comercial normal e apoia a iniciativa da SEC em promover maior transparência. Em e-mail endereçado à reportagem, a instituição afirmou que a ajuda de custo favorece “o cumprimento da SOX por algumas empresas emissoras, o que garante às empresas padrões de governança relevantes”. Os outros três bancos que prestam serviços como depositários de ADRs — J.P. Morgan, Citibank e Deutsche Bank — foram questionados pela reportagem, mas não atenderam aos pedidos de entrevista.

Alberto Araújo, diretor da Kairos Asset Management, concorda que a prática de reembolso, em si, não é negativa. “Se a empresa fizer bom uso do dinheiro, terá maior liquidez, e o investidor também ganhará. Mas há sempre o risco de o depositário ficar pressionado a promover um aumento nas taxas por ter prometido reembolsos maiores”, analisa.

Para o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), o procedimento é correto. “É de interesse das duas partes que o papel ganhe liquidez, e é justo que o banco depositário, que aufere boas receitas com as operações de ADRs, ajude a empresa nos investimentos de RI nos EUA”, diz Luiz Fernando Rolla, presidente do conselho de administração do instituto. “O importante é haver transparência na divulgação dos valores envolvidos”, ressalta.

Há quem argumente que a ajuda de custo dada pelos bancos depositários pode desestimular o mercado doméstico de ações, já que as companhias por aqui não desfrutam desse tipo de apoio para desenvolver seus programas de RI. O presidente do conselho de administração do Ibri discorda: “Cada mercado deve oferecer diferenciais competitivos que atraiam investidores e empresas. Para as companhias, essa competição é saudável”, opina.

Se nos Estados Unidos a prática é monitorada pela SEC, por aqui a questão ainda não preocupa o regulador. Por e-mail, a Comissão de Valores Mobiliários afirmou que o tema ainda não foi discutido pelo colegiado e que não há previsão de quando isso irá ocorrer.

INTERESSES DISTINTOS? — Outra situação em que os RIs são expostos a um conflito de interesses é a dos non deal roadshows (apresentações para aproximação com investidores desassociadas de uma oferta de ações). Essas reuniões, muitas vezes promovidas por corretoras ou bancos de investimento, ganharam espaço nas agendas das companhias abertas brasileiras nos últimos anos. Uma prática que vem se tornando comum é o pagamento de todas as despesas da empresa — incluindo passagens aéreas, hospedagem, alimentação e motoristas — pelas corretoras.

O risco de desalinhamento é sutil, mas existe. Ao arcar com todas as despesas, as corretoras podem influenciar excessivamente o processo de venda, deslocando a base acionária da companhia conforme as suas pretensões comerciais, e não de acordo com os interesses da empresa. Cabe ao RI, também nesse caso, zelar para que os objetivos da companhia sejam preservados. O Ibri vem se preocupando com a questão. “As companhias costumam buscar investidores de longo prazo, ao passo que, para as corretoras, o melhor investidor é aquele que gira mais o papel”, observa Luiz Fernando Rolla. “É importante que as empresas analisem previamente a agenda e os investidores selecionados pela corretora.”

Em abril, a entidade realizou uma enquete com 93 profissionais de RI sobre os serviços de apoio prestados por suas corretoras. Na pesquisa, 63% dos respondentes afirmaram que a prática pode implicar “alguns interesses não alinhados e potenciais problemas éticos”. Outros 25% não vislumbraram qualquer conflito de interesse. Eles entendem que a empresa deve utilizar todas as facilidades para realizar o non deal roadshow pelo menor custo possível. Outros 15% opinaram que há claro conflito de interesse e que as companhias devem evitar qualquer ajuda do analista sell side das corretoras.

Diego Barreto, professor de Direito da GV Law, vê a prática sob outra ótica. “O apoio logístico confere maior praticidade aos sempre corridos e exaustivos encontros”, avalia.


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