Cansado demais para agir com ética
Fomentar uma rotina equilibrada é fator-chave para promover a boa conduta nas empresas
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Melhorar a conduta ética no mundo dos negócios é um dos grandes desafios dos tempos atuais. De um lado, empresas investem pesadamente em programas de compliance a fim de aculturar seus executivos e colaboradores no que se refere a essa questão. Do outro, as pressões do dia a dia para geração de resultados e uma boa avaliação na organização exercem uma força contrária à ética.

No âmbito individual, uma boa conduta depende de dois fatores. O primeiro é a capacidade de reflexão sobre as consequências dos atos. Quanto menos tempo temos para decidir, maior é a chance de decidirmos “no automático”, o que naturalmente aumenta a chance de atitudes antiéticas e até ilegais (vide coluna “Por trás do desgoverno”, de janeiro-fevereiro de 2016, que mostra como a pressão do tempo pode levar a decisões irrefletidas).

O segundo fator é a capacidade de controlarmos nosso impulso egoísta. Isso é importante porque, em geral, essas decisões envolvem um conflito entre a oportunidade de ganho pessoal de curto prazo e uma atitude virtuosa orientada para um melhor resultado coletivo de longo prazo. Nesse sentido, uma série de experimentos recentes demonstra que, quanto mais esgotados estivermos do ponto de vista físico e mental, menor será a probabilidade de nos comportarmos eticamente.

Um desses trabalhos, com o sugestivo título de “Cansado demais para dizer a verdade”, separou voluntários em dois grupos. Um deles deveria escrever um pequeno texto com palavras que tivessem as letras “a” ou “n” — algo simples e que não causa fadiga intelectual. O outro grupo deveria escrever um texto equivalente com as letras “z” ou “x” (algo muito difícil, que gera esgotamento mental). Depois, todos eram levados para uma sala onde fariam um teste que poderia ser facilmente fraudado. Ao final, os pesquisadores observaram que os voluntários do segundo grupo, submetidos à fadiga mental, fraudaram o teste em uma magnitude 65% superior ao primeiro.

Outro fator associado ao esgotamento mental que dificulta a conduta ética é a falta de sono. Diversos trabalhos corroboram essa conclusão. Um deles analisou o efeito da privação de sono sobre nosso julgamento moral. Inicialmente, 26 participantes com o sono em dia responderam a 30 dilemas morais. Na sequência, todos foram submetidos a 53 horas contínuas de vigília, sem dormir.

Ao final desse período, os voluntários responderam aos mesmos dilemas morais apresentados inicialmente. Os resultados foram impressionantes. As pessoas se tornaram muito mais propensas a aceitar cursos de ação moralmente questionáveis. O efeito danoso da privação do sono sobre a percepção ética foi confirmado por exames de ressonância magnética nos participantes. Houve substancial redução na atividade do córtex pré-frontal medial, região associada aos julgamentos morais.

Uma implicação central desses trabalhos para o ambiente corporativo é que as empresas que fomentam uma rotina desequilibrada em seus executivos e colaboradores tendem a ser bem mais propensas a sofrer problemas éticos.

Isso ocorre porque o cansaço e o estresse dificultam a integração dos aspectos emotivos e cognitivos de uma decisão, algo fundamental em matérias que envolvem dilemas morais. Como resultado, quando as pessoas estão esgotadas, suas decisões se tornam mais impulsivas ou focadas apenas nos aspectos técnicos.

A comparação entre os resultados dos estudos que avaliam o impacto do esgotamento mental sobre a conduta ética e a realidade altamente estressante vivenciada em muitas organizações mostra que, infelizmente, nosso ambiente empresarial tem atualmente uma combinação perfeita para a cegueira ética.

Este é um tema, portanto, que deve entrar no radar dos CEOs e conselheiros que desejam promover um comportamento ético para valer em suas organizações.


* Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor de Governança corporativa: O Essencial para Líderes. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.


Artigos científicos citados:

Mead et al. (2009). Fonte: Mead, N. L., Baumeister, R. F., Gino, F., Schweitzer, M. E., & Ariely, D. (2009). Too tired to tell the truth: Self-control resource depletion and dishonesty. Journal of experimental social psychology, 45(3), 594-597.

Killgore, W. D., Killgore, D. B., Day, L. M., Li, C., Kamimori, G. H., & Balkin, T. J. (2007). The effects of 53 hours of sleep deprivation on moral judgment. Sleep-New York Then Westchester-, 30(3), 345.

 


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