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Controle limitado
IOF onera o mercado de capitais e está longe de ser a medida mais eficaz para conter a apreciação do real

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“É como atirar pedras durante uma guerra”, diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do Banco Central, tentando definir a tática do governo de aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de capital estrangeiro para aplicações em renda fixa e outros investimentos, com a intenção de conter a apreciação do real ante o dólar. O imposto, que subiu de 2% para 4%, em 5 de outubro, galgou para 6% em menos de duas semanas. Uma medida ineficaz para afetar a trajetória de valorização da taxa de câmbio, segundo especialistas ouvidos pela CAPITAL ABERTO. “Se o objetivo é lutar, então que grandes armas sejam trazidas para a batalha”, pede Schwartsman, em relatório.

Sem que isso seja feito, o que o governo conseguirá é onerar o mercado de capitais. E isso à custa de uma apreciação pífia do dólar. Em 5 de outubro, a moeda norte-americana era comprada a R$ 1,68. Em 25 de outubro, esse valor era de R$ 1,70. Cabe ressaltar que a taxação não incide apenas sobre a aplicação de capital estrangeiro em títulos públicos do governo, mas também em outras modalidades de investimentos, como fundos de ações, de participações (private equity), multimercado, além de títulos de crédito representativos de empréstimos de empresas (debêntures). “Estão jogando areia na engrenagem do mercado de capitais”, observa Maurício Molan, economista do Santander.

“É ingenuidade achar que o governo pode fechar o cerco. O mercado sempre acha uma saída para burlar a taxação”

A Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCap) tem mantido diálogos com o governo para tentar isentar os fundos de investimento em participação (FIP) e os fundos mútuos de investimento em empresas emergentes (FMIEE) do IOF, mas por enquanto não obteve sucesso. Luiz Eugenio Figueiredo, vice-presidente da ABVCap, lembra que o dinheiro aplicado nesses fundos é direcionado ao setor produtivo e movimenta a economia, gerando emprego e renda. “Todo o mundo diz que o mercado de private equity está aquecido, mas essa é uma percepção que rapidamente pode se alterar se não houver uma situação favorável”, avalia.

, Controle limitado, Capital AbertoOs negócios da BM&FBovespa também não escaparam do ataque do governo contra a queda do dólar. Dessa vez, o alvo foi a margem de derivativos — recursos que os estrangeiros são obrigados a depositar como garantia quando fecham contratos de dólar no mercado futuro. O IOF para o recolhimento de margem na BM&F passou de 0,38% para 6%, um aumento de quase 1.500%. Além disso, para evitar a ação de espertinhos, o governo restringiu outras garantias que os estrangeiros poderiam usar para driblar o imposto, como o aluguel de derivativos e as cartas de fiança. “É ingenuidade achar que o governo pode fechar o cerco. O mercado sempre acha uma saída para burlar a taxação”, garante André Sacconato, economista da consultoria Tendências.

De acordo com Márcio Garcia, professor de economia da PUC-Rio e autor do estudo Capital Flows to Brazil in the Nineties: Macroeconomic Aspects and the Effectiveness of Capital Controls, o País sofre hoje de uma esquizofrenia. “Para crescer precisamos de capital externo, mas o problema é que o governo quer somente dinheiro azul claro e não azul escuro”, ironiza. “Em geral, o dinheiro tem uma mania muito perversa de entrar como aquilo que pode e acabar indo para o que não pode”, observa o professor. Segundo ele, para que possamos crescer a níveis elevados de 5% ao ano, é necessário que a taxa de investimento no Brasil seja de, aproximadamente, 23% do PIB. Hoje, ela chega, no máximo, a 19%.

Em palestra no 11º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, em 25 de outubro, Edemir Pinto, presidente da BM&FBovespa, lamentou que as empresas brasileiras ainda estejam sujeitas a uma volatilidade regulatória intensa. Ele salienta que o investidor que aplica seus recursos nos planos produtivos de uma companhia geralmente associa sua estratégia a um hedge cambial e, portanto, deve ser prejudicado pela incidência do IOF sobre a margem de derivativos. “Isso irá direcionar parte dos negócios para mercados não regulados, sobre os quais o governo não tem nenhum controle”, ressaltou Edemir. “Talvez, uma frase que expresse bem o sentimento de investidores é: não importa se as regras são boas ou ruins, contanto que elas sejam conhecidas e não mudem.”

Um aumento de 10% nos preços de commodities implica uma valorização de 6% do real, estima
o Santander

Embora o presidente da Bolsa tenha afirmado que medidas do governo terão efeito limitado sobre os negócios da BM&F — a participação de não residentes no sistema de derivativos gira em torno de 15% a 18% —, alguns analistas penalizaram as ações da companhia. O HSBC reduziu a recomendação dos papéis da Bolsa de overweight (alocação acima da média) para neutra. “A principal diferença entre a BVMF e seus pares globais é que ela é a única grande bolsa de valores que enfrenta riscos regulatórios, os quais podem ser prejudiciais a seus volumes de negócios”, declararam os analistas Victor Galliano e Mariel Santiago, em relatório.

E os economistas ouvidos pela CAPITAL ABERTO não descartam a possibilidade de o governo aumentar ainda mais a alíquota de IOF sobre a renda fixa ou, até mesmo, sobre ações. Por enquanto, a taxa cobrada dos estrangeiros que aplicam em ações permanece inalterada em 2%. O professor Garcia recorda que, nos anos 90, o governo passou a cobrar IOF de 5% sobre o capital estrangeiro que entrasse no País em renda fixa. A alíquota chegou a 9% e voltou a ser reduzida antes de ser eliminada, em 1999.

QUAL A SAÍDA? — Diante dessa situação, é consenso entre os economistas que a arma mais potente e eficaz que o governo poderia usar para combater a apreciação do real ante o dólar seria o ajuste fiscal, com corte de gastos públicos. E isso não significa tirar dinheiro destinado ao desenvolvimento social do País. “Dá para fazer isso sem prejudicar os investimentos em educação, saúde e outros projetos sociais. O que vimos nos últimos anos foi um verdadeiro inchaço da máquina pública, com contração de novos funcionários e reajuste salarial, em algumas categorias, de mais de 100% em três anos”, observa Sacconato.

O saldo primário do setor público, calculado em seu pico, caiu de 3,5% do PIB entre 2000 e 2008 para algo entre 2% e 2,5% entre 2009 e 2010, segundo o Santander. Uma expansão fiscal visível, quando se constata que nem mesmo o extraordinário crescimento da arrecadação foi capaz de empurrar o saldo primário de volta aos níveis pré-crise.

André Loes, economista-chefe do HSBC, explica que uma política fiscal mais apertada poderia reduzir o ritmo de expansão da demanda doméstica, permitindo ao Banco Central baixar as taxas de juros. Enquanto no Brasil ela é de 10,75%, nos Estados Unidos é de 0,25%. Com um prêmio tão alto, fica fácil entender por que os investidores estrangeiros querem tanto aplicar seu dinheiro no País. “Essa seria uma forma mais saudável de o governo reduzir o fluxo de capital estrangeiro para o Brasil, pelo menos em parte”, afirma.

A verdade é que o capital estrangeiro está jorrando no Brasil por diversas “torneiras”. Tapar uma delas, portanto, resolve pouco ou quase nada. Prova disso foram os dados divulgados pelo Banco Central em 21 de outubro. Até essa data, a entrada de dólares no País pelo canal financeiro — que engloba as operações com renda fixa, em bolsa e investimento direto — alcançava US$ 3,8 bilhões, o segundo maior resultado do ano, atrás apenas dos US$ 13,7 bilhões registrados em setembro, inflados pela capitalização da Petrobras.

A fim de testar a eficiência do IOF, os economistas do Santander montaram um modelo para verificar qual o impacto do imposto no desempenho do real em função da evolução de quatro variáveis: o preço das commodities, mensurado pelo CRB (principal índice de preços de matérias-primas); o apetite global por risco, calculado pelo índice VIX, reconhecido termômetro de volatilidade dos mercados; a força do dólar, capturada pelo índice DXY, que compara o dólar com uma cesta de outras moedas; e o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos.

Todos os testes estatísticos evidenciaram que o imposto não foi significativo para a determinação da taxa de câmbio. Muito mais importante foi a reação do real em função do aumento de preços das commodities e do enfraquecimento global do dólar. As estimativas sugerem que um aumento de 10% nos preços de commodities implica uma valorização de 6% do real. Da mesma forma, uma desvalorização de 10% do dólar contra a cesta de moedas do DXY (que não inclui o real) implica uma valorização de 6% da moeda brasileira.

O problema é que o governo brasileiro não tem controle sobre essas duas variáveis. O enfraquecimento do dólar é um fenômeno global. Para reativar a economia norte-americana, o Federal Reserve despejou e deve continuar despejando milhares de dólares no mercado por meio da compra de títulos públicos em circulação. Soma-se a isso o fato de os centros de consumo estarem migrando das nações desenvolvidas (Estados Unidos e países europeus) para as emergentes, hoje as que mais crescem no mundo (principalmente China e Índia). E como esses países precisam exatamente do que o Brasil faz bem, que são as commodities, o preço desses produtos aumenta. Como consequência, o Brasil exporta mais e, ao fazer isso, também cresce a entrada de dólares. O único determinante interno da taxa de câmbio fica sendo, então, a taxa de juros local. No entanto, se usada para manter a inflação sobre controle, não pode servir para conter a valorização da moeda.

Segundo Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria, a queda do dólar ante o real precisa ser vista com cuidado, pois há dois lados da moeda. Se para os exportadores ela é ruim, para os consumidores, é excelente, ressalta o economista. Ele explica que nessas condições os produtos importados ficam mais baratos e, para não perder a competitividade, as empresas nacionais não têm como elevar seus preços. Isso cria espaço para inflação e taxas de juros menores e expansão do crédito. “Essas foram as razões pelas quais o Brasil cresceu tanto nos último anos”, destaca Amorim. “E a própria queda do dólar permitiu isso”.

“A queda do dólar precisa ser vista com cuidado.Se para os exportadores ela é ruim, para os consumidores, é excelente”

Se a questão é o governo mostrar aos exportadores que está fazendo algo para defender seus interesses, Amorim também tem uma solução melhor que o IOF. E ela passa também pela diminuição dos gastos públicos. “Ao fazer isso, o governo pode diminuir os impostos e, assim, os custos de produção das empresas. Isso não faria o câmbio cair, mas impediria que as empresas brasileiras perdessem competitividade.”

SEDE DE EXPORTAR — Críticas à parte, o Brasil não foi o único a taxar a entrada de investimentos estrangeiros para combater a apreciação da sua moeda. A Tailândia seguiu o mesmo caminho. Para conter a rápida valorização do baht, o governo tailandês criou um imposto retido na fonte de 15% sobre os ganhos de novos investimentos de estrangeiros em bônus tailandeses. Além disso, se comprometeu a, juntamente com as empresas estatais, acelerar os desembolsos orçamentários que envolvem gastos em moedas estrangeiras. O Banco da Tailândia ainda determinou às corretoras que não vendam letras de câmbio para investidores estrangeiros.

Apesar das controvérsias, Loes, do HSBC, avalia que essas são medidas mais leais com os investidores, uma vez que os estrangeiros estão informados das novas regras do jogo antes de entrar com mais dinheiro no país. O que deve ser evitado, segundo ele, é a criação de taxas que incidam sobre a saída do capital. Sacconato, da Tendências, também vê com maus olhos controles que possam afetar a liquidez do investimento. “Isso é algo que os estrangeiros não suportam”, garante.

A Colômbia é outro país que adotou iniciativas para conter a apreciação de sua moeda. Manterá os dividendos em dólares pagos pela petroleira estatal Ecopetrol, estimados em US$ 1,4 bilhão, no exterior. Já o Chile tem preferido não adotar iniciativas para controle de capitais — pelo menos, por enquanto. Porém, com o objetivo de melhorar a competitividade de seus produtos no exterior, irá reduzir a burocracia enfrentada hoje pelos exportadores. Para colocar seus produtos no exterior, eles têm de cumprir com os requisitos exigidos por 19 agências. A ideia do governo é consolidá-las em uma só.

As nações estudam o que fazer com suas taxas de câmbio para não perder competitividade no mercado internacional. E, nesse cenário, explica Molan, uma parte relevante da economia global, composta dos mercados desenvolvidos e mais afetados pela crise, está tentando sustentar seu crescimento na demanda alheia. O problema é que mesmo os países emergentes, como a China, que tem uma demanda interna aquecida, não querem abrir mão de elevar suas exportações.

O gigante asiático tem sido duramente criticado pelos Estados Unidos por manter o iuan artificialmente desvalorizado através de seu regime de câmbio fixo. “E se todo mundo quer exportar, mas ninguém quer importar, como é que fica?”, questiona o economista. Para ele, a solução é que os países cheguem a um consenso de como estabilizar suas taxas de câmbio, sem criar um desequilíbrio econômico mundial. “Não pode ser cada um por si”, observa.

Desse ponto de vista, o ministro Guido Mantega parece estar correto em dizer que vivemos hoje uma guerra cambial. “Só espero que ela não seja o prelúdio de uma guerra comercial, com barreiras protecionistas erguidas mundo afora”, alerta Amorim. Tal protecionismo foi uma das principais razões da Grande Depressão dos anos 30.

Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria mostrou que, entre maio de 2008 e maio de 2010, a Índia foi o único entre os Bric a apresentar um câmbio com pouca interferência do governo. De acordo com a pesquisa, o índice médio de intervenção no câmbio da Índia foi de 0,048 ponto nos últimos 24 meses, enquanto no Brasil foi de 0,514. A Rússia obteve 0,708 e a China, 0,886. O índice varia de zero, quando a flutuação é 100% livre, a um, quando o câmbio é totalmente controlado.

Segundo Marcelo de Ávila, economista da CNI, a crise econômica internacional teve um impacto reduzido sobre o Produto Interno Bruto da Índia, cuja economia é mais intensiva em serviços. Como resultado, a fuga de capitais daquele país se deu em menores proporções do que no Brasil e na Rússia. Já o número da China é explicado pelo seu regime de câmbio fixo. O economista lembra que o país asiático aumentou suas reservas internacionais em US$ 643 bilhões nos últimos 24 meses, quase três vezes o estoque total de reservas brasileiras.


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