Caso raro de profissional sênior que construiu toda a sua carreira no mercado de capitais, Silvia Emanoele Sewaybricker, 33 anos, sabe bem o peso da responsabilidade de atuar na área de relações com investidores (RI). Começou como trainee na área de mercado de capitais da CPFL Energia e, em 2004, participou do grupo de trabalho que preparou a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) da companhia. Desde então, não largou mais a atividade. Foi posteriormente uma das responsáveis pela abertura de capital da Positivo Informática, em 2006. Desde agosto do ano passado, é diretora de RI da JSL (antiga Júlio Simões Logística).
Formada em engenharia elétrica, Silvia aprendeu na prática, como a maioria dos seus colegas, a desempenhar a função de relações com investidores. Mas, em breve, seus conhecimentos poderão ser testados também através de uma prova. Na esteira das discussões sobre o surgimento e o amadurecimento da profissão, um assunto tem esquentado os bastidores do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri): o desenvolvimento de uma certificação de profissionais de RI. A ideia é desenhar um modelo semelhante ao oferecido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) aos analistas e gestores de recursos.
Por se tratar de uma profissão nova, o único curso de maior duração disponível no mercado brasileiro para formação acadêmica de RIs é o MBA em Finanças, Comunicação e Relações com Investidores da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), criado em parceria com o Ibri há onze anos. O tema sequer consta como disciplina específica nos cursos de administração. Para atender à demanda que surgiu com as aberturas de capital nos últimos anos, as empresas que estavam se estruturando para o IPO foram buscar gente em áreas correlatas, em especial as financeiras: contabilidade, planejamento financeiro e estratégico. Também não são raros os casos de economistas, engenheiros e comunicadores.
“Entendemos que, com dez anos de mercado de capitais forte, hoje é possível atestar a qualidade de quem atua na área”, diz Diego Barreto, coordenador da Comissão de Desenvolvimento Profissional do Ibri e um dos membros do grupo de trabalho responsável por estruturar e discutir a certificação. Além de Barreto, que também é RI da OAS Construtora, participam desse time o presidente da entidade, Ricardo Florence (Marfrig), Geraldo Soares (Itaú Unibanco) e Domingos Abreu (Bradesco).
“Entendemos que, após dez anos de mercado de capitais forte, é possível atestar a qualidade de quem atua na área”
Segundo Barreto, o modelo de certificação ainda está sendo desenhado e não há prazo definido para implantação. “Queremos garantir para as empresas de capital aberto a contratação ou manutenção de profissionais com o nível adequado”, ressalta. Uma consequência desse movimento, crê Barreto, será o aumento da capacitação dos RIs no mercado.
Além da sólida formação técnica em finanças e contabilidade e da boa habilidade de comunicação, pré-requisitos básicos para quem atua no “front” com os investidores, o mercado exige do RI diversas habilidades. Apresentar uma ampla visão de negócios, ter noções de direito, marketing, riscos e planejamento estratégico, e conhecer profundamente as regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) são apenas algumas das exigências. O problema é que encontrar gente com esse perfil não tem sido nada fácil.
“Quando conversamos com um analista, estamos falando com alguém que conhece muito bem a indústria, o setor e a empresa. Temos que ter um time fundamentado para dar esse suporte, com a linguagem certa, e que consiga avaliar aonde o analista quer chegar”, afirma o diretor de RI da TIM Brasil, Rogério Tostes. Para ele, a certificação não deve ser encarada como um problema, mas como uma virtude. “Esse movimento tende a nivelar por cima o conhecimento e provocar uma reciclagem.”
Apesar de considerar muito bom o nível dos RIs que atuam nas empresas brasileiras, Jorge Helito, gerente de RI da companhia aérea TAM, também acredita que a certificação ajudaria a padronizar o nível dos profissionais. Resta apenas conhecer em que moldes a iniciativa se dará. “É importante saber quais serão os critérios para essa certificação”, diz Helito.
INSPIRAÇÃO INTERNACIONAL — De acordo com Barreto, demandas locais e exemplos de certificações em outras áreas e países servirão de inspiração para o Ibri formatar o modelo que será aplicado no Brasil. O primeiro país a adotar um certificado em relações com investidores (CIR) foi o Reino Unido. Mais recentemente, foi a vez da Rússia e da Malásia implantarem a iniciativa. Nesses países, a certificação é vista como um pré-requisito básico, especialmente para aqueles que estão ingressando na carreira de RI. O exame, que contempla 60 testes de múltipla escolha, mede o nível de conhecimento factual, de aspectos técnicos e regulatórios do mercado de capitais. Traz também questões dissertativas sobre contabilidade e finanças, como valuation e análises de investimento.
“A prova com questões de múltipla escolha e sobre matérias diversas deverá ser adotada no modelo brasileiro”, antecipa Barreto. Atualmente, o grupo de trabalho do Ibri está no estágio de refinamento de cenários. Eles discutem a possibilidade de contratar uma consultoria para dar apoio com a estrutura tecnológica e operacional. Posteriormente, será definida uma instituição de ensino para aplicar o exame junto com a entidade. “Um dos motivos de não termos prazo definido é garantir que essa certificação seja, de fato, um diferencial e tenha aderência”, enfatiza o coordenador.
Barreto salienta que o primeiro ponto a ser considerado é não ter na certificação um objetivo de geração de lucro. O segundo é estabelecer padrões que façam com que os profissionais enxerguem a certificação não como um atestado de qualidade, mas como um desafio a ser atingido. O terceiro consiste na criação de níveis de certificações que reconheçam a existência de profissionais de RI com diferentes experiências.
Reino Unido, Malásia e Rússia são exemplos de países que têm uma certificação de relações com investidores
GANHA-GANHA — Para o headhunter Francisco Ramirez, da Arc, a certificação pode representar um ganho para as organizações. “Vejo que o nível de exigência dos meus clientes em relação à posição de RI vem aumentando. Acho que a certificação será vista com bons olhos pelas empresas e pelo mercado”, comenta. Membro da comissão de recursos humanos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Ramirez faz o comparativo: “Hoje, os conselheiros procuram a certificação com os objetivos de rever conceitos e fazer networking. Mesmo os mais experientes aceitam a certificação se o programa é bem feito”.
Ramirez acrescenta que a função de relações com investidores adquiriu importância e passou a representar um elemento de governança das organizações. A demanda por executivos dessa área, de acordo com ele, está bastante aquecida este ano em comparação a 2010. Além disso, cada vez mais, as empresas estão interessadas em contratar pessoas que queiram construir uma carreira em RI. “Quando um profissional vai a mercado, faz o IPO, atrela seu nome à empresa e três ou quatro meses depois vai embora, perde credibilidade”, alerta o consultor. Winston Pegler, da Odgers Berndtson, é outro headhunter que vê de forma positiva a certificação. “Esse não é um problema, mas sim uma vantagem competitiva para o indivíduo e para a empresa em que trabalha.”
O fato é que o mercado não tem tido tempo de formar RIs para dar conta de tanta demanda. “Trata-se de uma grande oportunidade para quem quer se especializar na área. Tradicionalmente, essa não era uma profissão em que se desenvolvia uma carreira, mas agora há jovens começando a vida profissional junto com o crescimento do mercado de capitais”, garante o coordenador acadêmico do MBA em RI da Fipecafi, Renê Coppe Pimentel. Ele lembra, contudo, que esse é um universo restrito. Além do reduzido número de empresas listadas na Bolsa de Valores e com atividade de RI, as equipes que compõem o departamento costumam ser enxutas — em média, compostas de 3 a 6 pessoas.
PÉ ATRÁS — Há quem desconfie da efetividade de uma certificação nessa área. “Me soa mais como uma reserva de mercado”, suspeita o diretor financeiro e RI de uma multinacional que prefere não se identificar. “Acho que a certificação faz mais sentido para os investidores e até mesmo para os CFOs, porque eles sim estão mexendo com o dinheiro dos outros e têm grande responsabilidade sobre o patrimônio da empresa ou de pessoas”, acrescenta.
Silvia, da JSL, é favorável ao conceito da certificação, porém acha que o mercado brasileiro ainda está um passo atrás desse movimento. “É muito bom criar um filtro, mas vejo a certificação como uma segunda etapa. Penso que ainda estamos na fase de captação dos profissionais para prepará-los para serem RIs”, argumenta a executiva.
Controvérsias à parte, um ponto é consenso: as companhias abertas que pretendem se destacar no mercado de capitais precisarão, mais do que nunca, de uma estrutura de RI afinada. Nesse sentido, a certificação pode vir a ser um indicativo de que todos os membros da equipe estão atuando no mesmo ritmo.
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