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Burocracia inconveniente
A Instrução 481 é bem-vinda, mas tudo indica que os investidores estrangeiros vão continuar enfrentando obstáculos para votar

, Burocracia inconveniente, Capital Aberto

Os investidores estrangeiros são peça-chave para o bom desempenho do mercado acionário no Brasil. Em 2009, eles foram responsáveis por 34,2% das negociações da BM&FBovespa e por adquirir, em média, 65% das ações brasileiras distribuídas em ofertas públicas. Cada compra ou venda que realizam é monitorada de perto pelos analistas, que observam seu movimento como um termômetro para mensurar o potencial de valorização da bolsa. A questão é que, apesar do papel relevante dos estrangeiros no mercado, muito pouco tem sido feito para acabar — ou, pelo menos, minimizar — as dificuldades desse público em exercer um direito básico ao adquirir ações ordinárias no Brasil: o de votar.

, Burocracia inconveniente, Capital AbertoÉ verdade que a Instrução 481 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicada em dezembro de 2009 e já aplicável às assembleias-gerais deste ano, facilita o processo de votação para todos os acionistas, inclusive os estrangeiros. A norma descomplica os pedidos públicos de procuração de voto, estimulando o uso da internet, e estabelece a divulgação de mais informações sobre esses encontros. Sempre que a assembleia-geral for convocada para eleger administradores ou membros do conselho fiscal, por exemplo, a companhia deverá fornecer um currículo completo dos candidatos, com dados como idade, experiência profissional e atuação em outros conselhos. Algo que, por incrível que pareça, algumas empresas não faziam, conforme a CAPITAL ABERTO relatou na matéria Prova de Obstáculos, da edição de setembro de 2009.

Um dos principais méritos da Instrução 481 será permitir que os estrangeiros tomem decisões de posse de mais informação

Dwight Clancy, analista internacional da Glass Lewis, empresa especializada em orientar investidores sobre como votar, elogia a iniciativa da CVM. Mas não acredita que a instrução será suficiente para atrair novos investidores estrangeiros às assembleias brasileiras. “Ela só facilita a vida dos que já votam”, avalia. “Aqueles que não exercem esse direito devido ao processo burocrático criado pela procuração no Brasil continuarão a passar longe desses encontros.” Por ora, parece certo que um dos principais méritos da Instrução 481 será permitir que os estrangeiros tomem suas decisões de posse de mais informações, uma vez que a instrução detalha uma série de documentos que devem ser disponibilizados pelas companhias, na página da internet da CVM, antes de suas assembleias. Isso contribuiria para uma redução no número de “votos de protesto” — feitos contra uma proposta da administração quando é identificada a falta de informação para emissão do voto — e de abstenções. “Nós sempre gostaríamos de votar sim ou não, mas, muitas vezes, devido à pouquíssima informação existente sobre a matéria deliberada, somos obrigados a nos abster”, lamenta George Dallas, diretor de governança corporativa da F&C Investments, que investe em diversas companhias no Brasil.

Nos comentários enviados à CVM durante o período de audiência pública da minuta da norma — entre 1º de abril e 1º de junho de 2009 — a Glass Lewis sugeriu que as informações relativas à assembleia fossem divulgadas um mês antes da publicação do anúncio de convocação. Para isso, alegou que a articulação de acionistas estrangeiros em matérias de alta complexidade demanda tempo superior ao previsto na minuta, que é de, no mínimo, 15 dias.
A sugestão, contudo, não foi aceita. A CVM argumentou que as manifestações recebidas foram divergentes e não permitiram concluir que alguma das alternativas propostas fosse mais conveniente. Portanto, preferiu respeitar o prazo de 15 dias, que está alinhado com o da Lei das S.As..

Ao decidirem votar no Brasil, os investidores estrangeiros estão sujeitos aos prazos exigidos por todos os intermediários do processo (custodiantes, tradutores, agentes de votação, consultores de voto, etc.). Para atendê-los, devem emitir suas instruções de voto com, pelo menos, dez dias antes da data da assembleia. Como os editais de convocação, em grande parte, são publicados 15 dias antes da reunião, sobram apenas cinco dias para decidir como votar. “O tempo para uma análise mais detalhada das matérias é mínimo”, ressalta Dallas.

Validade de um ano das procurações atrapalha. Há casos de investidores que deixaram de votar por perderem o prazo de renovação

OBSTÁCULOS À VISTA — Para o investidor estrangeiro, a maneira mais “simples” de votar no Brasil é por meio do voto por procuração. O artigo 126 da Lei das S.As. prevê que o investidor — tanto brasileiro como estrangeiro — possa ser representado na assembleia-geral por procurador constituído há menos de um ano, que seja acionista, administrador da empresa ou advogado. Na companhia de capital aberto, o procurador pode ser ainda uma instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de investimento representar os condôminos.

Para obter essa procuração, é necessária uma certa dose de paciência. Os investidores estrangeiros se revoltam com o fato de as companhias ainda exigirem a notarização e a consularização das procurações, apesar de a CVM já ter dispensado essa burocracia (em parecer publicado em junho de 2008). O primeiro procedimento se trata de um reconhecimento de firma, no qual o investidor assina a procuração na frente de um escrivão público, o notário, para conferir sua autenticidade. O segundo é um processo de legitimação, atribuído pelo consulado brasileiro, no qual são analisadas, dentre outras coisas, a autenticidade e a qualidade do notário que reconheceu a firma. “Na minha opinião, deveria haver uma regra só. Ou todas as companhias pedem esse procedimento ou todas o dispensam”, enfatiza Felipe Oliveira, vice-presidente de investimentos para a América Latina da Amber Capital.

Na maioria das vezes, exige-se que o investidor estrangeiro envie a procuração consularizada e notarizada em duas vias (inglês e português) para cada conta de custódia que possuir. Logo, uma gestora norte-americana que tenha, por exemplo, cinco fundos distintos com aplicações em ativos brasileiros e, portanto, cinco contas de custódia diferentes, precisa providenciar dez procurações. A papelada deve ser enviada ao custodiante global — normalmente um banco —, que se encarregará de repassá-la ao custodiante local, responsável por representar o investidor na assembleia. “Esse não é um obstáculo intransponível para o voto, mas bastante inconveniente”, afirma Dallas, da F&C.

As dificuldades não param por aí. Conforme prevê a Lei das S.As., as procurações têm validade de apenas um ano. Assim, o investidor que quiser votar constantemente nas assembleias no Brasil terá de refazer suas procurações anualmente. “Esse é um processo que consome tempo e dinheiro do acionista estrangeiro”, avalia Clancy. Segundo ele, a notarização e a consularização da procuração custam US$ 20,00 por documento. No exemplo anterior, no qual o investidor estrangeiro precisaria de dez procurações, ele desembolsaria US$ 200,00 por ano para providenciá-las.
A esse valor, soma-se o que o investidor paga pelos serviços do banco custodiante e pela consultoria de voto, caso a utilize. “Anualmente, podem ser gastos milhões nesse processo”, diz Clancy.

O motivo para as companhias não abrirem mão desses trâmites parece residir no medo de fraude. Empresas com capital pulverizado, que têm todo o interesse em reunir quóruns elevados em suas assembleias, como a Lojas Renner, não dispensam essa burocracia. “Imagine que a empresa não pede a notarização e a consularização e uma matéria de grande importância deixa de ser aprovada por um voto que veio de procuração falsa”, pondera Henrique Filizzola, sócio do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. “Nesse caso, a companhia teria de se explicar para os demais acionistas e ainda realizar uma nova assembleia.” Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, avalia que, num caso desses, “a responsabilidade não deveria recair na administração, mas em quem utilizou a procuração fraudulenta”.

RENOVAÇÃO INDESEJADA — O prazo de um ano de validade da procuração, estabelecido pela Lei das S.As., é um dos grandes alvos de crítica dos acionistas estrangeiros. Em outros mercados, esse documento costuma ser feito junto com o contrato de custódia. Ou seja, ao contratar a instituição que fará a guarda de seus ativos, o acionista estrangeiro já delega a ela o poder de representá-lo nas assembleias pelo tempo de vida do contrato. “A procuração de um ano é mais complicada, pois exige que o investidor faça uma gestão desse prazo de validade”, observa Don Linford, superintendente da custódia internacional do Itaú Unibanco. “Por isso, 90 dias antes de vencerem as procurações, mandamos um aviso ao custodiante global, que o repassa ao investidor.”

Mesmo assim, há quem esqueça ou não tenha tempo hábil para renová-las. Patrícia Kanashiro, analista para os mercados latino-americano e ibéricos da consultoria de orientação de voto RiskMetrics, conta que, algumas vezes, emitiu recomendações que não puderam ser usadas porque o investidor simplesmente perdeu o prazo de renovação da procuração. “Imagine a nossa frustração”, desabafa Patrícia, que corre contra o tempo para se inteirar das matérias das assembleias e orientar os votos de cerca de 400 clientes que investem no Brasil. “No ano passado, tivemos aproximadamente cem assembleias para analisar entre os dias 28, 29 e 30 de abril. Este ano, com a preparação das companhias para atender à Instrução 481, essa concentração deve ser ainda maior”, avalia. De acordo com a analista, somente quatro países no mundo, além do Brasil, ainda adotam procuração com validade de um ano: Bulgária, Peru, Suécia e Dinamarca. “Coincidentemente, esses são os mercados em que mais encontramos dificuldades para votar”, ressalta Patrícia.

ASSEMBLEIAS VIRTUAIS — Uma ferramenta que pode incentivar a participação dos estrangeiros nas assembleias é o voto por procuração eletrônica. Nesse caso, a companhia deve providenciar o serviço ou contratá-lo de terceiros. A autenticidade, a confidencialidade e a integridade do voto são garantidas por um certificado digital. Hoje, no mercado, o Assembleias Online, desenvolvido pela MZ Consult, é um dos poucos provedores desse serviço. Por meio dele, o próprio gestor do fundo de investimento estrangeiro pode votar diretamente no site ou, se preferir, delegar essa função para o seu custodiante local. No momento, quatro empresas — Bematech, Natura, Totvs e Triunfo — estão cadastradas na plataforma.

“Atualmente, apenas 25% dos investidores registrados na plataforma são estrangeiros. Mas a tendência é de que esse número aumente este ano com a maior adesão das companhias”, afirma Denys Roman, CEO do Assembleias Online. Segundo ele, cerca de 40 companhias estão avaliando a contratação do sistema, incentivadas, dentre outros motivos, pela 481. A regra diz que a empresa que não aceitar procuração eletrônica por meio de um sistema da rede mundial de computadores deverá ressarcir as despesas incorridas com a realização de pedidos públicos de procuração de acionistas titulares de 0,5% ou mais do capital social. “Na era da tecnologia, não faz sentido as companhias insistirem em adotar processos que envolvam o manuseio de papel”, ressalta Oliveira, da Amber Capital.

Bruce Babcock, presidente da área internacional de soluções de comunicação com investidores da Broadridge — provedora de serviços de terceirização para a indústria financeira global e líder no mercado de proxy nos Estados Unidos — vê a expansão dos meios eletrônicos de votação como algo benéfico para o mercado brasileiro.
“A criação do Novo Mercado foi excelente ao estimular que mais companhias ofertem ações ordinárias. No entanto, o processo de voto por procuração no Brasil ainda precisa evoluir muito”, afirma. “Se o mercado brasileiro quer aumentar não só a participação dos estrangeiros nas assembleias, mas também o investimento desse público, precisa criar métodos mais fáceis.”

Na visão de Clancy, da Glass Lewis, para que mais estrangeiros se interessem em votar, é necessário que as companhias não só adotem o voto por procuração eletrônica, como parem de exigir a notarização e a consularização das procurações. “Até que a estrutura legal mude, flexibilizando algumas regras, a participação dos estrangeiros, mesmo com a criação das assembleias virtuais, não irá decolar”, afirma Linford, do Itaú Unibanco.

As barreiras para o voto pleno não se resumem à burocracia brasileira. “Muitas vezes as restrições estão no país de origem do investidor”, diz Giulio Pediconi, diretor superintendente da italiana Sodali, consultoria que começa a prospectar o mercado brasileiro para oferecer serviços de pedido de procuração de voto (“proxy soliciting”). Além disso, alguns acionistas se importam somente com ganhos financeiros e simplesmente desdenham as assembleias. No fundo, afirma Pediconi, quem está realmente interessado em usufruir os direitos políticos consegue se adaptar às regras, até porque elas existem em todo lugar, em maior ou menor grau. E por que apostar em proxy soliciting no Brasil, onde a maioria das companhias tem um acionista controlador que garante o quórum exigido por lei? Para Pediconi, um quórum elevado no momento que celebra a democracia de uma companhia aberta não é importante apenas para a aprovação de matérias. “A participação dos investidores confere legitimidade aos atos da administração”, argumenta.

OdontoPrev descomplica representaçãoEnquanto algumas companhias parecem dificultar o voto de investidores estrangeiros por procuração, a OdontoPrev fez exatamente o contrário. Na assembleia realizada em 23 de dezembro de 2009, para deliberar matérias referentes à aprovação da associação com a Bradesco Dental, a companhia disponibilizou uma página na internet em inglês que permitia aos acionistas estrangeiros enviar a procuração com a instrução de voto. Bastava imprimir o documento, preenchê-lo, assiná-lo e, depois, encaminhá-lo digitalizado pelo site. A procuração outorgava a um administrador da empresa o direito de representá-lo, conforme permite a Lei das S.As..

O resultado apareceu no quórum da assembleia. Apesar de realizado perto do Natal, o encontro contou com a presença de 83,39% do capital social votante. Desse total, pelo menos metade era de acionistas estrangeiros. “Esse percentual só não foi maior porque alguns dos nossos investidores estrangeiros operam via swap e, nesse caso, não sabemos quem é o detentor das ações, apenas a instituição financeira que ele utiliza”, lamenta José Roberto Pacheco, diretor de relações com investidores (RI) da OdontoPrev.

O executivo credita esse sucesso não só à criação do site feita com a colaboração da Bowne do Brasil, mas, principalmente, ao relacionamento próximo que a companhia mantém com os seus acionistas. No caso dos estrangeiros, Pacheco conta que conhece a maioria pessoalmente e possui uma base de dados atualizada com nome, telefone e e-mail. “Isso permitiu que a companhia se sentisse segura para dispensar a notarização e a consularização dos documentos, ou mesmo uma certificação digital.”

“Esse é o primeiro caso de ‘notice and access’ no Brasil”, afirma Fernando Carneiro, diretor da Altman Group no Brasil, referindo-se ao modelo norte-americano que permite às companhias apenas avisar os investidores em qual site estão disponíveis os materiais informativos relativos às assembleias (“proxy materials”), dispensando o envio da versão impressa desses documentos. A Altman atuou em parceira com a OdontoPrev para angariar votos para a assembleia. Segundo Carneiro, as empresas que queiram realmente agregar valor não devem preocupar-se apenas com a aderência a leis e regras do regulador. “A Instrução 481 da CVM é fantástica, mas nada impede que, dentro da lei, as empresas facilitem ainda mais o processo de participação nas assembleias.” (L.T.)


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