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Apagão de talentos
Sofisticação do mercado leva à escassez de profissionais não só em número, mas também em qualidade

, Apagão de talentos, Capital AbertoO Brasil está se acostumando com os apagões. O primeiro ocorreu com a crise do setor elétrico e, ultimamente, voltou a assombrar. O mais recente ainda castiga os aeroportos. Agora, o termo “apagão” também pode ser aplicado ao mercado de capitais. Isso mesmo. O setor passa por um apagão de talentos, em que empresas, bancos, auditorias e escritórios de advocacia estão ávidos por profissionais especializados.

A demanda surgiu do aquecimento do mercado nos últimos anos. De 2004 até o fim do ano passado, o volume financeiro de valores mobiliários ofertados no Brasil saltou 470%. Se forem contabilizadas apenas as ofertas de ações, a explosão foi de 634%. A falta de analistas de investimentos e profissionais de Relações com Investidores foi a tônica das preocupações de headhunters. Não poderia ser diferente, pois mais de 100 companhias abriram capital desde a oferta inicial de ações (IPO) da Natura. Mas o problema do abastecimento de mão-de-obra especializada e qualificada fica evidente também nos escritórios de advocacia e nas auditorias, que investem cada vez mais pesadamente na formação das próprias equipes. Estão em falta profissionais experientes e maduros o suficiente para acompanhar o ritmo frenético do mercado de capitais.

O cenário projetado para as auditorias independentes é, senão o mais crítico, o mais desafiador. Como inexiste a formação acadêmica de auditor, o trabalho de reposição das equipes passa, obrigatoriamente, pelo treinamento de jovens saídos de cursos de ciências contábeis. Esse processo é longo e custoso. Uma peculiaridade da situação vivida pelas auditorias é a convergência para as normas internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês) em curso no País. Com a sanção da Lei 11.638 no fim do ano passado, essas regras serão introduzidas aqui, exigindo todo um novo conhecimento contábil a ser sedimentado. Além disso, pela lei, não só as sociedades anônimas, mas também as empresas limitadas de grande porte (aquelas com ativos superiores a R$ 240 milhões ou receita bruta anual acima de R$ 300 milhões) terão de contar com auditores independentes.

“A forte demanda por profissionais especializados, que já passou pelas áreas de RI e de análise de investimentos, chegará às auditorias”, confirma Luiz Passetti, sócio da Ernst & Young (E&Y), firma que já se prepara para a empreitada. A parcela de 3% da receita global dedicada anualmente à área de treinamento subirá, no Brasil, para cerca de 5% nos próximos dois anos. Os recursos serão destinados ao aperfeiçoamento de profissionais e à formação de 400 trainees recrutados a cada exercício. Nos próximos meses, haverá ainda uma turma extra de 200 trainees.

A UNIVERSIDADE VAI AO TRABALHO — A base para a formação de todos esses novos profissionais está montada. No ano passado, foi inaugurada, em São Paulo, a Ernst & Young University, primeira universidade corporativa do segmento. Recentemente, porém, a E&Y também buscou reforços em suas unidades da Europa. Sete profissionais de nível sênior (quatro alemães, dois franceses e um inglês), que contam com a experiência da implantação do IFRS em seus países, desembarcaram no País para atuar tanto no ensino quanto no atendimento aos clientes. A auditoria tem ainda novos planos. Está negociando parcerias com universidades para atualizar os conhecimentos de professores de contabilidade e também investir no contato com os estudantes, potenciais candidatos a trainees.

Só em 2007, a PwC recebeu 12 mil currículos e, destes, recrutou 350 trainees. Este ano, serão aproximadamente 500 jovens em treinamento

João César Lima, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC) e responsável pelo departamento de recursos humanos no Brasil, acredita que a formação de novos talentos faz parte do próprio business das grandes auditorias. Somente em 2007, a PwC recebeu 12 mil currículos e, destes, recrutou 350 trainees. Este ano, serão aproximadamente 500 jovens em treinamento. “O principal motivador é a nova lei contábil, mas o aumento da demanda também é fruto do amadurecimento do mercado”, diz ele.

Esse mesmo processo esquentou a procura por advogados em escritórios que atuam nas áreas societária e de mercado de capitais. O aumento do volume de trabalho motivou a contratação de profissionais experientes e acentuou o preparo de iniciantes. No Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A), o time de mercado de capitais tinha, em 2004, cerca de 10 advogados. Hoje são aproximadamente 30. “Está difícil contratar um bom advogado sênior com experiência na realização de operações de emissão de títulos”, conta Pedro Lana, sócio da banca. Bruno Soter, outro sócio do BM&A, diz haver, em alguns casos, uma certa aversão à área de mercado de capitais. A carreira é considerada muito exigente, porque pede ampla visão de negócios e muitas horas de dedicação ao trabalho. Em 2007, foram três meses de procura até encontrar um profissional de nível sênior para a área de mercado de capitais. O escolhido foi um brasileiro que trabalhava em Chicago. “Buscar no exterior não era a nossa primeira opção, mas foi a alternativa encontrada.”

No Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, o foco é no longo prazo. “A meta é continuar treinando os estagiários”, diz José Eduardo Carneiro Queiroz, que já foi estagiário e hoje é sócio no escritório. As dificuldades, no entanto, não devem diminuir. Na sua avaliação, outras oportunidades de carreira, como as oferecidas pelos bancos, ficam mais sedutoras e, paralelamente, o mercado torna-se mais especializado. “Teremos profissionais que atuam em nichos muito definidos, como derivativos, securitização e governança corporativa.”

Há uma interrogação sobre as contratações em 2008 e 2009. Os maiores escritórios afirmam que, se esbarrassem em um profissional com boa experiência à procura de novas oportunidades, o contratariam. Mas são cautelosos ao falar em demanda. Tudo por causa da temporada de IPOs que ainda não começou. “Neste ano vamos receber de volta os profissionais que estão estudando no exterior, mas o mercado ainda não demonstrou que será mais aquecido do que em 2007”, declara Daniel Facó, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice. No TozziniFreire Advogados, a perspectiva de curto prazo também não é otimista. “Esperamos crescer entre 10% e 15%, mas tudo dependerá do cenário econômico americano”, diz Ricardo Ariani, CEO do escritório cuja equipe de mercado de capitais cresceu 25% no ano passado, inclusive com a chegada de um novo sócio, contra um aumento médio de 15% nas demais áreas.

CLASSES LOTADAS — O profissional almejado pelos escritórios de advocacia tem um perfil básico: jovem, com experiência em mercado de capitais, amplo conhecimento das regras locais, inglês fluente e, de preferência, com passagem por firmas ou cursos no exterior. A escassez de talentos com esses atributos tem lotado os cursos de especialização. É o caso do MBA em Finanças, Comunicação e Relações com Investidores da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), que dará início à sua oitava turma neste semestre. De acordo com a professora Marina Yamamoto, coordenadora do curso, a procura tende a continuar elevada. Prova disso é a possibilidade de que seja montada mais uma turma em São Paulo (o processo de seleção está aberto) e, ainda este ano, a primeira edição no Rio de Janeiro.

A explosão da procura por profissionais de RI, resultado do grande número de empresas que abriram o capital, passa por uma segunda fase. “Temos problemas de reposição. Os salários aumentaram e as empresas já estabelecidas estão perdendo seus profissionais”, relata João Nogueira, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri). Por isso, a instituição, que se aliou à Fipecafi no MBA de RI, está selecionando um novo parceiro para cursos de curta duração (cerca de seis meses), planejados para começar no segundo semestre. “Este treinamento visa atender às necessidades das empresas mais rapidamente, reciclando os profissionais que já conhecem a área.”

Em compasso de espera também está a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais de São Paulo (Apimec SP), em razão das modificações esperadas para a Instrução 388 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispõe sobre a atividade de analista. A associação costuma oferecer cursos sobre as matérias mais complexas exigidas pelo exame de certificação, mas este ano preferiu aguardar as mudanças a serem propostas pela autarquia. Entre elas é esperada a criação de níveis de analista, a fim de que profissionais ainda em processo de certificação possam exercer a atividade. Lucy Souza, presidente da Apimec SP, lembra que o grande desequilíbrio entre oferta e demanda decorre das crises da década de 90, período em que muitas corretoras aboliram as áreas de análise e os bancos reduziram as equipes.

Na área de direito societário, há poucas opções para quem busca aprimoramento. No Ibmec São Paulo, a procura pelo MBA em direito societário cresceu de maneira significativa. Em 2007, eram quatro candidatos para cada vaga, selecionados através de entrevistas. Neste ano, dez estudantes disputam cada lugar por meio de prova escrita e entrevista. “Não pretendemos lançar novos cursos na área de mercado de capitais, mas novos temas serão agregados à grade curricular. Uma possibilidade é incluir um item sobre a responsabilidade das instituições financeiras nos IPOs”, conta Jairo Saddi, coordenador do Centro de Estudos de Direito do Ibmec.

O Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) tem percebido a falta de informação sobre os novos temas jurídicos e a necessidade de difusão do conhecimento. Está em negociação uma parceria com a CVM para que sejam realizados encontros periódicos para discutir assuntos complexos e novidades do mercado de capitais, como insider trading, impedimento de voto (Parecer 34 da CVM) e responsabilidade pelas informações do prospecto. Daniel Kalansky, vice-presidente da entidade, observa que a sofisticação do mercado faz com que investidores, e não apenas advogados, tenham interesse cada vez maior por esses temas. Ótima notícia para as empresas de educação que estiverem a postos para explorar o segmento.


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