Pesquisar
Close this search box.
Acionistas rebeldes
Com ou sem razão, investidores aproveitam as assembléias para cutucar o alto comando das corporações. Estaríamos próximos de transformá-las em espaço para bate-boca?

, Acionistas rebeldes, Capital AbertoÉ poética a comparação de assembléias de acionistas com as assembléias da Grécia Antiga, onde cidadãos manifestavam livremente sua opinião sobre o futuro da pólis. No entanto, em tempos de crise e fraudes bilionárias, alguns desses encontros societários trazem ecos é do pancrácio, a mitológica luta corpo-a-corpo que servia de treinamento para os soldados gregos. Em assembléias recentes de grandes corporações, faltaram só socos e pontapés. Marcel Ospel, o ex-todo-poderoso chairman do UBS, que o diga. Raivosos com perdas de US$ 18,4 bilhões, em 2007, ligadas aos títulos subprime norte-americanos, acionistas pediram a cabeça do presidente do conselho de administração do maior banco da Suíça, na assembléia de 27 de fevereiro. Um deles, mais exasperado, chegou a correr na direção de Ospel, mas foi barrado e retirado do palco por seguranças. Durante cerca de sete horas, investidores formaram fila para falar no microfone. Cada um tinha cinco minutos para se pronunciar. Reclamaram da remuneração elevada dos executivos e demonstraram indignação diante da incapacidade da administração de evitar tamanhos rombos. Um mês depois, pressionado, Ospel anunciou a renúncia à reeleição ao cargo de presidente do conselho.

Na vizinha França, o clima também foi hostil na assembléia do Société Générale (SocGen) realizada no fim de maio, refletindo a indignação provocada pela fraude que custou ao banco € 4,9 bilhões. Um relatório publicado dias antes do encontro revelou má qualidade nos controles internos — brechas que permitiram ao trader Jérôme Kerviel negociar, sem autorização, assombrosos € 50 bilhões. As falhas nos processos deixaram investidores pasmos, de acordo com o diário britânico Financial Times. O chairman Daniel Bouton teve de se defender das acusações de que tinha transformado o banco francês num “cassino”. Um acionista chegou a dizer que o executivo deveria abdicar de mais de seis meses de salário. Além do escândalo financeiro, os acionistas do SocGen tinham outros motivos para expressar descontentamento. As ações da instituição caíram mais de 50% em um ano. O banco teve baixas contábeis de € 2,6 bilhões por causa do subprime.

Mas não é só quando a dor atinge o bolso que o investidor aproveita a celebração da assembléia para mostrar os dentes. Questões polêmicas, muitas vezes distantes das matérias sujeitas à deliberação, afloram inesperadamente nesse tipo encontro. Principalmente se ele for o maior e mais midiático do mundo. Na assembléia-geral de 2007 da Berkshire Hathaway, uma acionista propôs a venda das ações da Petrochina detidas pela companhia de investimentos de Warren Buffett. A estatal chinesa explora reservas de petróleo no Sudão, a principal fonte de receitas do país conhecido pelo genocídio — comandado pelo governo —, que já matou milhares de civis. O pedido da acionista Judith Porter foi recusado, mas ela ficou satisfeita com a repercussão do assunto. Outro investidor, acompanhado de sua filha de oito anos, chamou atenção. Ele quis saber de Buffett por que o homem mais rico do planeta havia decidido doar parte de sua fortuna para instituições pró-aborto. Com a classe de costume, Buffett defendeu o direito de escolha das mulheres, alertando para as “terríveis conseqüências” da gravidez não-planejada.

CONSTRANGIMENTOS IMPREVISÍVEIS — No Brasil, onde as assembléias estão longe de atrair muita gente, uma mulher ganhou notoriedade ao fazer perguntas inusitadas numa das assembléias mais importantes da história do mercado de capitais nacional, que aprovou a formação da BM&F Bovespa. Mas não exatamente por inquirir sobre pontos tão críticos como fraudes ou perdas bilionárias. Elizabeth Cruz de Oliveira, de 72 anos, questionou o nome da nova companhia. Por que “BM&F” vinha antes de “Bovespa”? Manoel Félix Cintra Neto, então presidente do conselho da Bolsa de Mercadorias & Futuros, respondeu que a opção baseou-se na sonoridade das palavras, com o aval de uma consultoria especializada.

Há várias maneiras de aplacar a fúria de acionistas. Uma delas é a comunicação transparente, com informações de qualidade

Não é a primeira vez que Elizabeth bagunça o coreto em encontros de acionistas. Como ela mesma diz, quer “colocar a boca no trombone”. Já se desentendeu com um advogado na assembléia de um dos maiores bancos privados do País, do qual é acionista. Participante de várias das últimas ofertas iniciais de ações (IPOs), começou a investir em renda variável há cerca de dois anos. Após ficar viúva, precisava de uma maneira de fazer seu patrimônio rentabilizar. Foi aí que tomou conhecimento do potencial de retorno no pregão, assistindo a uma palestra sobre finanças pessoais. Estudiosa — fez faculdade de filosofia e de psicologia —, tomou tanto gosto pela coisa que agora quer saber tudo tintim por tintim. “A minha melhor qualidade é ser curiosa”, afirma.

Elizabeth queixa-se do descaso de que tem sido alvo nas empresas. Diz que começou a ganhar respeito só depois de ter aparecido na imprensa. Num momento em que cada vez mais pessoas físicas engrossam a base acionária das companhias brasileiras, crescem as chances de administradores enfrentarem saias-justas com acionistas enfezados. As companhias devem estar preparadas para lidar com toda espécie de manifesto, seja ele pertinente ou não. A psicóloga Vera Rita Ferreira, representante no Brasil da Associação Internacional para a Pesquisa em Psicologia Econômica, compara essas situações de combate às reuniões de condomínio. “As assembléias de condomínio deveriam ser objetivas. Há uma pauta enviada para os condôminos, mas raramente as pessoas se restringem a ela.”

ESCLARECIMENTO VERSUS FÚRIA — Moradores carregam suas frustrações e estados emocionais às reuniões de condomínio. Problemas de saúde, no trabalho ou afetivos. Tudo pode ser motivo para transformar qualquer indivíduo num barril de pólvora, prestes a ser aceso num debate mais acalorado. Acionistas, acima de tudo seres humanos, também podem agir assim. “À medida que se multiplica a presença de pessoas nas assembléias, aumentam as possibilidades de explosão de conteúdos emocionais”, explica Vera.

Numa coletividade, todo tipo de pessoa pode aparecer. Elizabeth, por exemplo, não tem nada a ver com a imagem da velhinha simpática que investe sua poupança em ações. Na conversa com esta reportagem, queria a todo custo convencer sobre suas teorias, entre as quais a de que “roupa suja se lava fora de casa”. Insistente, é capaz de tirar do sério até os administradores mais pacientes. Estaríamos próximos de presenciar nossas assembléias se transformando em espaço para bate-boca?

Para os empresários e executivos que, a esta altura, estiverem assustados, uma dica: há várias maneiras de se aplacar a fúria de acionistas. Uma delas, sem dúvida, é a comunicação transparente, objetivo primordial da governança. Para Vera, o aumento da participação de investidores pessoas físicas nas assembléias pode ser uma ótima oportunidade para as companhias refletirem sobre a qualidade das informações disponíveis. “Não é impossível imaginarmos que uma pessoa comum se sinta excluí
da desse mundo porque a linguagem usada é muito hermética.”

Quando não é bem informado, o acionista tem duas opções: ou se cala, numa atitude apática, ou agride a empresa, tanto à moda antiga quanto por meio de disputas judiciais. Para dissipar eventuais conflitos, a psicóloga aconselha aos administradores investir em canais de comunicação. Sugere, por exemplo, que sejam montadas equipes para atendimento específico a pessoas físicas antes do início das assembléias. Assim, dúvidas básicas sobre os procedimentos desses encontros poderiam ser dizimadas. O treinamento dos executivos para esse fim também é uma boa pedida.

De acordo com advogados, a área de RI é a melhor porta de pronto-atendimento de acionistas para questões diversas. Na assembléia, cabe ao administrador prestar esclarecimentos somente sobre assuntos diretamente ligados às matérias previstas para deliberação no edital de convocação, ressalta Marcelo Barbosa, sócio do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiros Advogados. Na Lei das S.As, esse é o único papel sugerido para a assembléia-geral, um fórum que tem “poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes…”. Não se trata, pois, de um fórum de discussão com os administradores, como acionistas no mundo todo parecem desejar a exemplo do que se viu nos encontros do UBS, SocGen e Berkshire.

Para Moacir Zilbovicius, sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga, é “extremamente salutar” a participação de investidores de varejo nas assembléias do País. “Porém, vivemos um período de transição. Nesse contexto, vai se entender que, numa assembléia, acionistas têm o direito de fazer perguntas apenas sobre os itens apresentados.” Mas será esse mesmo o modelo que se pretende ter? No Brasil, que começa tardiamente a experimentar assembléias mais movimentadas, eis uma pergunta que, muito provavelmente, os próprios acionistas vão se encarregar de responder.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.