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Acabamentos por fazer
Empresas chegam à Bolsa mal preparadas em termos de RI e governança. Já viu esse filme antes?

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Na antevéspera do Natal de 2010, a diretora de uma consultoria recebeu o telefonema de um executivo interessado em construir um site de relações com investidores (RI). Ela teria todas as razões para comemorar a chegada do novo cliente não fosse o prazo solicitado para a realização do serviço — menos de 15 dias. A oferta pública inicial de ações da empresa (IPO, na sigla em inglês) sairia em fevereiro, e o site precisaria estar pronto a tempo. “Foi o fim de ano mais corrido da minha vida”, lembra a consultora. A pressa, a propósito, talvez seja a explicação para a flagrante carência de informações no site de RI da corretora de seguros Brasil Insurance. Ali não há dados básicos sobre a administração, como composição de conselho e diretoria, tampouco sobre os comitês e as políticas em vigor. Nem mesmo o prospecto do IPO da companhia, de outubro de 2010, é encontrado para download. Até o fechamento desta edição, o investidor que estivesse em busca dessas informações teria de tentar outras fontes, como o site da BM&FBovespa ou o da

Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Questionada, a Brasil Insurance não atendeu à reportagem.

Essas constatações remetem a um passado não muito distante: a onda de IPOs de 2007, quando 64 companhias abriram o capital na Bolsa. Na ânsia por aproveitar as ótimas condições do mercado da época, muitas deixaram de estruturar uma área de RI decente e de desenvolver princípios de boa governança corporativa. Estaria a atual geração de novatas, que estreou em bolsa em 2010 e 2011, acelerando sua vinda a mercado e negligenciando aspectos relevantes para uma boa convivência com os acionistas minoritários?

, Acabamentos por fazer, Capital AbertoO site da Autometal, fornecedora de componentes automotivos, e o da rede de farmácias Droga Raia não falam nada sobre os administradores dessas empresas. A grande maioria dos sites de RI apresenta uma seção chamada “diretoria e conselho de administração”, que costuma trazer em detalhes a composição do comando das companhias. Nela, o investidor encontra os nomes, as ocupações e as experiências dos conselheiros para, a partir daí, ter uma boa noção do grau de independência e da disponibilidade de tempo dos profissionais para se dedicarem a suas atribuições. No site da Autometal e no da Raia, a seção não existe.

Já a empresa de exploração e produção de petróleo Queiroz Galvão fornece apenas os currículos dos principais diretores e do presidente do conselho, Antonio Augusto de Queiroz Galvão. Não há nenhuma menção às características dos demais conselheiros nem à quantidade de profissionais independentes no colegiado. “Informar claramente a estrutura do conselho, com a proporção de conselheiros independentes, assim como a existência de comitês é algo básico”, diz Ricardo Leal, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead–UFRJ). “É inadmissível que uma empresa do Novo Mercado ofereça um site de RI pobre”, critica a consultora de RI citada no início da reportagem. Ela ressalta que, devido ao grande volume de informações, o ideal é ter, no mínimo, três meses para se construir um site de RI.

Chama a atenção o fato de algumas empresas terem estreado no Novo Mercado com os cargos de CEO e chairman ocupados pela mesma pessoa

EMPURRANDO COM A BARRIGA — Não deixa de ser uma boa notícia que, ao menos em aspectos formais, a governança e a estrutura de RI das novatas estejam melhorando. Levantamento feito pelo Coppead–UFRJ verificou que todas as empresas que fizeram IPO no ano passado têm sites de RI. Das 365 que se listaram até o fim de 2009, 67,4% mantêm a página na internet. No universo da governança, um bom salto de qualidade pode ser percebido na maior presença de comitês nos conselhos: as instâncias máximas de decisão de metade das novatas possuem esses grupos, ante uma parcela de 32,3% das veteranas. O estudo, feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), serve de base para o prêmio anual concedido pela entidade às companhias adeptas das melhores práticas no País.

Apesar da melhora, chama a atenção o fato de algumas empresas terem optado por estrear no Novo Mercado com os cargos de CEO e chairman ocupados pela mesma pessoa. A reforma do nível mais exigente de governança da Bolsa foi votada pelas companhias participantes no início de setembro e aguarda a aprovação da CVM para entrar em vigor. Dentre as mudanças aprovadas, está justamente a proibição da sobreposição dos dois cargos mais importantes das empresas num só profissional. Desde o anúncio oficial da Bolsa, sete empresas abriram seu capital no Novo Mercado, das quais duas — Arezzo e HRT Participações em Petróleo — ingressaram no segmento apresentando esse acúmulo de cargos.

Ambas possuem três anos para estar em conformidade com a regra. “Mas por que já não chegam adaptadas à nova realidade? Será que o assunto não é prioridade para elas?” questiona Adriane de Almeida, coordenadora do centro de conhecimento do IBGC. Na visão da Bolsa, o assunto deve ser tratado com cautela. “Em casos de abertura de capital, normalmente a pessoa que acumula os dois cargos é o fundador, que conhece muito bem a empresa e tem uma função importante nesses primeiros anos de mercado”, pondera Cristiana Pereira, diretora de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa. Por essa razão, o prazo para a adaptação à regra da sobreposição é maior que o requerido para as demais normas. “É de se supor, entretanto, que haja um plano de transição definido internamente para essa mudança ocorrer. Três anos passam muito rápido”, ressalta.

Cabe dizer que determinadas fórmulas de governança nem sempre representam alternativas melhores. A proibição da sobreposição dos postos de CEO e chairman, por exemplo, é controversa. Há correntes acadêmicas, sobretudo nos Estados Unidos, que defendem o exercício das duas funções por uma só pessoa. A mesma ponderação não vale, porém, quando o assunto é a implementação de sistemas estruturados e eficazes de controles internos. Embora seja um tema importante, algumas novatas parecem não ter dado a devida atenção a ele.

No Formulário de Referência, que reúne as principais informações de uma companhia aberta, os diretores devem comentar o grau de eficácia dos seus controles, indicando eventuais imperfeições e providências tomadas para corrigi-las. Mas o espaço do documento destinado a esse assunto (item 10.6) é recheado de frases vagas em vários casos. Isso quando o discurso não é padronizado, como aconteceu, por exemplo, nos formulários da empresa de shopping centers Aliansce e da construtora Mills. Com uma ou outra alteração, elas escreveram nesse tópico: “Entendemos que os procedimentos internos e sistemas de elaboração de demonstrações financeiras são suficientes para assegurar sua eficiência e precisão”. E ponto final.

A Autometal é uma das exceções. A companhia relata que, além de possuir uma política própria de controles internos, também se submete às diretrizes de seu grupo controlador (a espanhola CIE Automotive), que buscam minimizar os riscos existentes em cada mercado de atuação. O grupo tem um plano de controles internos sob a responsabilidade de um conselheiro e a fiscalização do comitê de auditoria. Dele surgiu um extenso mapa para a detecção e a mitigação de ameaças. Além disso, o formulário da Autometal afirma que o conselho de administração faz reuniões anuais exclusivas para a discussão dessa estratégia.

TIRAR DEZ OU APENAS PASSAR DE ANO? — Faz sentido supor que, por serem novas na Bolsa, algumas companhias ousariam se diferenciar. Foi o que ocorreu com a HRT Participações em Petróleo, que criou um site de RI para investidor nenhum botar defeito. De navegação fácil, a plataforma possui menus que levam o visitante à informação desejada sem grandes rodeios e ainda traz conteúdos difíceis de serem encontrados em sites de RI, como informações sobre o modelo de remuneração dos executivos. A empresa também foi a única estreante de 2010 a adotar um sistema eletrônico de votos em assembleias de acionistas. O serviço, cujo uso é abertamente estimulado pela CVM por meio da Instrução 481, facilita a participação do acionista nos encontros. Com ele, o investidor consegue enviar uma procuração com orientação de voto pela internet, dispensando, assim, a necessidade de presença física no evento.

Quando se trata de transparência, houve muito menos inovação. Nenhuma das novatas forneceu dados sobre a remuneração dos administradores além do que é exigido pela CVM na Instrução 480, por exemplo. Nenhuma delas dispôs-se a divulgar, por exemplo, a remuneração individual de seus diretores e conselheiros de administração, como requerem as referências de melhores práticas internacionais. Restringiram-se a informar os valores mínimo, médio e máximo pagos nessas duas instâncias, conforme pedido pela autarquia. A CVM chegou a cogitar a divulgação obrigatória dos salários individuais, mas optou por uma regra mais “light”, devido ao desconforto que a ideia causou nos administradores das companhias abertas brasileiras.

Outro item de governança que foi cumprido à risca em muitos casos é a exigência de 20% de conselheiros independentes aplicável às empresas do Novo Mercado. Das 14 companhias que abriram o capital no segmento entre janeiro de 2010 e fevereiro deste ano, apenas três — Aliansce, Julio Simões e Queiroz Galvão — excederam o mínimo requerido, com 25%, 40% e 30% de independentes, respectivamente. “As empresas chegam agora com um conhecimento bem maior do que aquelas que abriram capital cinco anos atrás. Deveriam buscar aquele algo mais”, opina o professor do Coppead. “É como a diferença entre o aluno que se esforça para aprender de verdade e tirar nota dez e aquele que estuda para conseguir a nota mínima e passar de ano”, compara Leal.

Cristiana Pereira, da BM&FBovespa, sempre espera que as empresas estreiem no pregão com o mínimo de lacunas possíveis. Mas reconhece que, na correria pré-IPO, algumas questões acabam ficando para trás. Nada, contudo, que o tempo não possa corrigir. Afinal, ser uma companhia aberta é um aprendizado contínuo. “Se a empresa não se mover, a disciplina do mercado se encarregará de puni-la”, adverte Cristiana.

Fleury montou um board 11 anos antes

Na contramão das companhias que só começam a se preocupar com governança corporativa no momento em que decidem se listar em bolsa, o Grupo Fleury iniciou sua jornada 11 anos antes de abrir o capital. A empresa de serviços de medicina diagnóstica montou um projeto de governança em 1998, numa época em que a terminologia era quase desconhecida no mundo corporativo.O plano era criar um conselho de administração composto de sete profissionais, dos quais três seriam independentes; publicar demonstrações financeiras auditadas por firma independente; desenvolver sistemas de controles internos; e divulgar um relatório anual. A antecipação valeu a pena. “Não precisamos fazer nada mais em termos de governança para a abertura de capital”, garante Mauro Figueiredo, diretor-presidente do Fleury. “E todos os conflitos que costumam ocorrer na transição de empresa fechada para aberta já tinham acontecido lá atrás.”

Adriane de Almeida, do IBGC, recomenda que a constituição de um conselho ocorra, pelo menos, dois anos antes de a empresa estrear em bolsa. “Primeiro, o controlador terá de aceitar sair da presidência e ir para o conselho; depois, se acostumar com pessoas estranhas ao negócio opinando”, observa. Quando o board ganha importância na companhia, é a vez de se preocupar com o seu efetivo funcionamento e com a criação de um clima de discussão profícua. “Leva tempo até o conselho adquirir uma boa dinâmica de funcionamento”, comenta Adriane. (S.M.)


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