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A cidade como herança
Eduarda de La Rocque

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Um dilema ocupava os pensamentos da economista Eduarda de La Rocque naquele início de noite em 2008, enquanto dirigia em Ipanema: deveria sair do mercado financeiro e aceitar o convite para ser secretária municipal de Fazenda do Rio de Janeiro? Desatenta, ela demorou a perceber que lhe apontavam um revólver e teve a pior das reações em caso de assalto, acelerando o carro. A bala atingiu o banco e chegou a furar o blazer nele pendurado.

Ilesa, mas em choque, ela percebeu que a decisão a ser tomada era outra, e tocava mais fundo a sua alma carioca, embora a certidão a considere mineira por ter nascido na clínica do avô, em Uberaba. Curtida pelo sol da praia e dos esportes ao ar livre, sotaque carregado, apaixonada por samba e botecos, Duda, como é conhecida pelos muitos amigos, precisava escolher entre blindar o automóvel ou ajudar a transformar o Rio em um lugar melhor para se viver. Ficou com a segunda opção e foi bem-sucedida: “Acabei de trocar de carro e nem considerei a blindagem”, diz com orgulho. “No Rio de hoje, ninguém mais blinda.”

Não é exagero afirmar que a secretária tem boa parte do mérito pela “virada” do Rio, expressão que acabou no título do livro Rio — A Hora da Virada, lançado em maio com um artigo seu, dentre outros de uma coletânea sobre a retomada econômica e social da cidade novamente maravilhosa. “Aqueles eram marginais sem oportunidades. Além da política de segurança, a saída é gerar empregos, melhorar o ambiente de negócios”, afirma Eduarda, festejando também os resultados do Rio Investors Day, evento que reuniu 42 empresas de capital aberto e 807 investidores nacionais e internacionais, pouco depois do livro.

Mas a sua maior contribuição não se refere à rede de contatos acumulada em 13 anos de carreira no mercado financeiro, que garantiu a repercussão do evento e do livro. Está relacionada mais ao talento lapidado desde os bancos escolares, quando Eduarda invariavelmente era a primeira da turma — sem abandonar o jogo de frescobol nem as competições de vôlei pela seleção brasileira juvenil. “A galera da praia não acreditou quando tirei segundo lugar no vestibular da PUC-Rio”, diverte-se. Com a mesma dedicação com que criou uma metodologia de gestão de risco para empresas quando trabalhava no banco BBM, um pioneirismo que acabou resultando na fundação da consultoria Risk Control, Eduarda debruçou-se na prefeitura sobre uma megaoperação com o Banco Mundial que resultou em um acréscimo de R$ 200 milhões por ano no caixa do Rio até 2029.

“Percebi que, com o meu background, posso fazer uma diferença enorme no setor público. Existem muitas restrições, é difícil ser eficiente, mas quando se consegue fazer algo o impacto é fenomenal”, assegura Eduarda. O maior empréstimo da história do banco para um município, de R$ 2 bilhões, possibilitou a reestruturação da dívida e a redução do pagamento de juros, fazendo o orçamento de investimento saltar de R$ 750 milhões em 2009 para R$ 3,5 bilhões este ano. Aliada a medidas de austeridade fiscal, a operação foi considerada genial por financistas e mudou o status de Eduarda no staff do prefeito.

Isso porque, no início de sua experiência na secretaria, nem dava assim tão certo. Na primeira entrevista coletiva com a imprensa, após a posse, Eduarda se ateve aos aspectos técnicos e negou a situação deficitária que havia sido um dos motes da campanha do prefeito eleito, Eduardo Paes. Virou manchete. Dias antes, a imprensa já havia sido dura com sua indicação, lembrando que Eduarda fizera campanha para outro candidato, Fernando Gabeira. Era verdade. Paes só chegou a seu nome porque todas as indicações técnicas convergiam na mesma direção: os economistas Joaquim Levy, Maria Silvia Bastos Marques e André Urani foram alguns que a recomendaram. Se tecnicamente era a pessoa certa, no aspecto político e de marketing Eduarda precisava melhorar, e foi cobrada pelo prefeito. “Fui fazer media training e tive o maior choque narcísico da minha vida, me achei horrorosa na TV. Meu pesadelo era virar hit gaguejando no YouTube.”

Eduarda considerou mudar a sua postura pessoal para melhorar a imagem pública. “Eu pensava: agora que sou secretária de Fazenda não posso aparecer tomando chope no Jobi (um bar carioca) ou jogando frescobol. Tenho que passar o fim de semana lendo a Economist em vez de ir à praia.” Hoje, ela ri do equívoco: é justamente o estilo carioca que alia qualidade de vida à seriedade nos negócios — a própria imagem de Duda — que agrada aos investidores que (re)descobrem a cidade. “Não preciso ser quem não sou”, conclui com alívio.

É difícil imaginar Eduarda diferente da carioca típica que é. Quando corre ou pedala na Lagoa, perde a conta das pessoas que cumprimenta. “Sou muito popular”, confirma. A paixão pelo Rio a faz recusar seguidos convites para trabalhar em São Paulo. “Meu prêmio para sair da cidade é muito alto, praticamente não tem salário que compre. Ser feliz no Rio é fácil e barato.”

Resistindo aos apelos para ganhar dinheiro logo, Eduarda investiu primeiro numa carreira acadêmica, auxiliada por bolsas de estudo: embarcou na graduação, no mestrado e depois no doutorado em economia, todos na PUC-Rio. A academia foi descartada por influência do então marido Edward Amadeo, seu professor na universidade carioca e depois ministro do Trabalho. Após uma passagem pelo BNDES, acabou finalmente aportando no mercado financeiro no grupo BBM, como responsável por gestão de riscos, de onde saiu quando vendeu para a Accenture a empresa criada a partir de sua metodologia pioneira.

A decisão da venda fez parte da mesma “crise da meia-idade” (antecipada, Eduarda só tinha 38 anos) que a motivou a apoiar Gabeira, depois de uma conversa com o amigo Arminio Fraga sobre a vontade de se dedicar a projetos sociais. No setor público, ela poderia “fazer a diferença”, aconselhou Arminio. “Eu não queria ficar para sempre escrava do meu tempo, conectada na informação por milésimo de segundo, para deixar meus filhos endinheirados. Vim de uma família de quatro filhos que só ia jantar fora nos aniversários, e não podia pedir sobremesa. Meus filhos almoçam onde querem, podem levar os amigos, a vida vai ficando fácil demais.” Afinal, a herança que Duda sempre quis deixar é outra: um lugar melhor para eles viverem. “Quando sair da secretaria, pretendo criar uma agência de inclusão social”, anuncia. Pelo visto, a virada do Rio, e de Eduarda, está apenas começando.

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